10 Junho 2024
Sinais dos tempos. Os católicos europeus estão divididos sobre como trazer a paz à Ucrânia e interpretar o ensinamento da Igreja sobre a guerra, ilustrado pelas opiniões divergentes do presidente italiano Sergio Mattarella e do cardeal Matteo Zuppi, chefe da Conferência Episcopal Italiana.
O artigo é de Massimo Faggioli, historiador italiano e professor da Villanova University, publicado por La Croix International, 06-06-2024.
As eleições para o Parlamento Europeu realizam-se de 6 a 9 de junho, e uma das questões em debate é qual a posição da Igreja Católica no futuro do continente. Quatrocentos milhões de eleitores, em nome de 450 milhões de europeus, vão às assembleias de voto para determinar o rumo da União Europeia em tempos de crise. Estas são as primeiras eleições europeias desde o regresso de uma guerra ao estilo dos séculos XIX e XX na Europa (que inclui guerra cibernética, drones e armas nucleares), a ameaça iminente de uma intervenção dos Estados Unidos e da Otan contra a Rússia (para não mencionar os dilemas morais para os europeus provocados pelo ataque do Hamas contra Israel, semelhante a um pogrom, de 7 de outubro de 2023, e pela resposta do governo de extrema-direita de Netanyahu contra Gaza e outros territórios palestinos).
É diferente das eleições europeias de 2019, quando, durante a presidência de Trump, Steve Bannon tentou construir uma ponte na Europa para a extrema-direita americana. Bannon não conseguiu estabelecer uma sede visível com ligações eclesiásticas em Roma e no Vaticano, mas esse movimento recebeu alguma ajuda de Putin.
É uma Europa assustada com a invasão russa em grande escala da Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022, e com os cenários que a ideologia do “mundo russo” prepara para o continente. Desse ponto de vista, tanto o Vaticano como a Europa parecem mais penetráveis pelo ataque às democracias ocidentais vindo tanto de Trump como de Putin. É um dos assuntos para o próximo conclave.
As sondagens indicam que os conservadores eurocéticos e os eurocéticos de extrema-direita aumentarão significativamente, tornando impossível uma coligação de centro-esquerda. Isto provavelmente dará ao Partido Popular Europeu (PPE), que tem partidos membros democratas-cristãos, católicos, liberais-conservadores e conservadores, um grande poder de influência em questões fundamentais, como regulamentações ambientais e políticas de migração, mas também na defesa: no quadro de uma coligação centrista ou numa coligação de centro-direita. No caso de sucesso dos partidos populistas e de extrema-direita, estes terão uma atração muito maior ao convencer o PPE a formar uma coligação.
A Comissão das Conferências Episcopais da União Europeia (COMECE) emitiu um documento pré-eleitoral que sublinha a importância do projeto europeu e apela aos eleitores para votarem intencionalmente: “O que é importante é que votemos em pessoas e partidos que claramente apoiam o projeto europeu e que, pensamos razoavelmente, promovam os nossos valores e a nossa ideia de Europa, como o respeito e a promoção da dignidade de cada pessoa humana, a solidariedade, a igualdade, a família e a santidade da vida, a democracia, a liberdade, a subsidiariedade, o cuidado da nossa 'casa comum'. Sabemos que a União Europeia não é perfeita e que muitas das suas propostas políticas e jurídicas não estão em conformidade com os valores cristãos e as expectativas de muitos dos seus cidadãos. Mas continuamos a acreditar que somos chamados a contribuir e melhorá-la com as ferramentas que a democracia nos oferece”.
Recentemente, a COMECE expressou a sua opinião sobre um futuro alargamento da UE (22 de abril), sobre a inclusão do aborto na Carta dos Direitos Fundamentais da UE (9 de abril), sobre o tráfico de seres humanos (16 de fevereiro) e sobre inteligência artificial (2 de fevereiro). Embora a COMECE seja a única voz dos bispos católicos na Europa, é muito diferente e mais fraca da ideia de uma conferência episcopal continental mais forte que o Cardeal Carlo Maria Martini, arcebispo de Milão (1980-2004) e presidente da COMECE entre 1986 e 1993, previa. É uma daquelas trajetórias dos pontificados anteriores que o Papa Francisco não mudará.
Os católicos europeus não são apenas diversos, mas também divididos sobre as principais questões políticas e teológicas da atualidade: como trazer a paz à Ucrânia e como interpretar o ensinamento da Igreja sobre a guerra e a autodefesa na situação atual. Basta olhar para as diferentes ênfases dos dois católicos italianos mais proeminentes: Sergio Mattarella, presidente da República, e o cardeal Matteo Zuppi, presidente da Conferência Episcopal Italiana. O Cardeal Zuppi, que também é enviado de paz do Papa Francisco à Ucrânia, articulou a possibilidade de uma mediação com a Rússia, distanciando-se da ideia de que apoiar militarmente a Ucrânia pode resolver o conflito.
O presidente Mattarella optou, desde fevereiro de 2022, por uma linha mais pragmática. No seu discurso de 1 de junho, por exemplo, ele afirmou: “Hoje, sentimos a necessidade, em nível globalm de lutar pela paz, de perseguirmos juntos a liberdade e o desenvolvimento em todos os lugares, a democracia e a difusão do bem-estar, o progresso civil, o crescimento econômico, mais direitos: este é o grande desafio que a comunidade internacional enfrenta. Ao fazê-lo, devemos rejeitar firmemente compromissos perigosos: segurança, em detrimento dos direitos; ausência de conflitos agressivos em troca de submissão; ordem através do medo e da repressão; prosperidade econômica em troca de sujeição”.
É obviamente uma questão de diferentes papéis institucionais entre o presidente da República e o presidente da Conferência Episcopal, mas também um sinal de uma lacuna maior dentro da mesma cultura do Vaticano II que anima tanto Mattarella como Zuppi. É uma lacuna que pode ser vista entre os católicos italianos e europeus. Alguns líderes católicos publicaram recentemente reflexões instigantes sobre o ensinamento da Igreja sobre a paz e a guerra na situação atual, por exemplo, os bispos alemães. A Alemanha presta especial atenção ao que acontece na Europa: faz parte da especificidade do “Sínodo Alemão” tão temido pelo Vaticano. Outras conferências episcopais parecem paralisadas por outras preocupações (como a crise dos abusos na Igreja) ou com medo de tocar na questão do futuro da União Europeia.
Esta falta de incisividade da palavra da Igreja Católica sobre o futuro do continente não é um problema apenas no nível das conferências episcopais. O mito das “raízes cristãs” da Europa parece ter saído da agenda política do Vaticano, e esta mudança tranquiliza os europeus seculares e os católicos progressistas. Mas também é verdade que hoje no Vaticano a Europa já não é relevante como costumava ser. Esta degradação simbólica da Europa é uma consequência de uma reorientação fundamental do olhar do papado sobre o mundo, um dos efeitos da ascensão do catolicismo global.
O fato é que o catolicismo de hoje, dominado pela presença mediática onipresente e não filtrada do Papa, parece ser uma Igreja fofoqueira (‘gossipy), dificilmente capaz de se fazer ouvir sobre uma situação internacional muito grave, especialmente na Europa. As ameaças de ataques nucleares entre a Otan e a Rússia já nem sequer chegam às manchetes. Os últimos dois anos – desde as entrevistas papais sobre a Ucrânia até as palavras pouco convencionais (para dizer o mínimo) recentemente divulgadas sobre gays e mulheres – mostram que este é um momento de incerteza no pontificado de Francisco e na vida da Igreja às vésperas de não apenas das eleições europeias, mas também da segunda assembleia do Sínodo.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Uma Igreja distraída diante das eleições europeias de 2024. Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU