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24 Mai 2024
"Ninguém pode dizer com exatidão quantas dezenas de milhares de sírios desapareceram dessa forma. Os adversários do regime – ou quem é considerado como tal (pois a coisa ainda não acabou) – são simplesmente feitos desaparecer, por anos ou, mais frequentemente, para sempre", escreve Riccardo Cristiano, jornalista italiano, em artigo publicado por Settimana News, 22-05-2024.
Um dia tão trágico – na lembrança dos fatos – e, portanto, importante para algum tipo de justiça internacional, não pode passar despercebido nas páginas do jornal: ontem (21-05-2024), em Paris, começou o primeiro julgamento da junta de Bashar al Assad. Não só ele ainda está no poder na Síria – ou no que resta da Síria – mas também está em vias de reabilitação por várias entidades nacionais e supranacionais, às quais alguns gostariam que a União Europeia se juntasse.
O julgamento da junta Assad é por "crimes contra a humanidade". Serão levados ao banco dos réus, embora à revelia, os homens que, por muitos anos, administraram o matadouro sírio com lealdade absoluta ao presidente Assad.
Estamos falando de Ali Mamlouk, o eterno chefe dos serviços de inteligência, responsável pelo Escritório de Segurança Nacional, até poucos meses atrás emissário em nome de Assad em várias capitais do mundo. Uma vez, segundo o jornal Le Monde, apesar de Mamlouk estar na lista negra europeia e, portanto, proibido de entrar no continente, ele teria vindo à Itália, como sustentou o jornal libanês al-Akbar, muito próximo ao regime sírio.
Com ele, no banco dos réus, está Jamil Hassan. Qualquer um com uma mínima ideia do sistema operacional da junta síria sabe de quem se trata, pois é amigo da família Assad, daí seu papel. Na densa rede de serviços de inteligência, ele liderava o da aeronáutica, o mais próximo e confiável para a família no poder, já que o fundador, Hafez al-Assad, veio precisamente da força aérea.
O terceiro acusado é Abdel Salam Mahmoud, ex-diretor do ramo investigativo dos serviços secretos da Aeronáutica.
Nenhum deles estará presente no tribunal, e não haverá um advogado para representá-los, pois o regime não reconhece qualquer forma de justiça supranacional – e, naturalmente, nacional – acima de si. A justiça síria é pura e direta emanação da junta.
O julgamento de Paris – por isso destinado a durar apenas quatro dias – se diferencia de outros processos por crimes contra a humanidade realizados na Europa contra figuras de nível médio-baixo do sistema. Esses réus, mais do que outros, encarnam diretamente o sistema.
Por isso, quem está falando sobre isso – infelizmente, não muitos, especialmente no mundo árabe – usa a expressão "julgamento histórico": porque não são apenas três funcionários no banco dos réus, mas, pode-se dizer, o sistema inteiro; ou seja, o núcleo da máquina de aniquilação das liberdades vitais dos indivíduos e da sociedade síria; máquina operando, como os recorrentes no tribunal pretendem mostrar, de maneira sistemática e assustadora, simplesmente fazendo as pessoas desaparecerem.
Ninguém pode dizer com exatidão quantas dezenas de milhares de sírios desapareceram dessa forma. Os adversários do regime – ou quem é considerado como tal (pois a coisa ainda não acabou) – são simplesmente feitos desaparecer, por anos ou, mais frequentemente, para sempre.
Durante a revolução síria, quando grande parte da população ousou se manifestar contra esse sistema, dois cidadãos franco-sírios tiveram a coragem de se dissociar, sem, contudo, se manifestar ou cometer qualquer crime de "expressão pública": foram sequestrados na rua, em 2013, como muitos outros sírios, e engolidos em uma das prisões, a mais famosa e terrível de Damasco: deles não se soube mais nada até 2018, quando seus familiares receberam os certificados de óbito, sem que isso tenha sido precedido por notificações de prisão ou notícias sobre o local de detenção.
Os familiares de Patrick e Mazen Dabbagh, no entanto, nunca se resignaram. Agora, seu empenho, apoiado por várias organizações humanitárias e pela legislação francesa que a torna competente para crimes contra a humanidade, está chegando onde eles queriam: obter justiça e assim impedir, ou pelo menos dificultar, a normalização das relações internacionais com a junta de Assad.
Gostaria de destacar a modesta reação internacional à carnificina síria, visto que o Tribunal Internacional de Justiça foi acionado apenas em 2023, a pedido do Canadá e dos Países Baixos, para que se pusesse fim aos desaparecimentos dos dissidentes, 12 anos após o início da revolução síria. A solicitação destes países foi aceita, mas ignorada por muitos Estados, tanto que a Síria foi readmitida na Liga Árabe, cujas cúpulas Assad voltou a participar.
Os Dabbagh trabalham desde 2013 para levar ao banco dos réus o sistema que matou Patrick e Mazen. Suas vicissitudes são incríveis: não só não puderam recuperar os corpos de seus entes queridos porque em 2018, quando receberam os certificados de óbito, descobriram que já estavam expirados – e, portanto, não puderam solicitá-los – como também tiveram sua casa em Damasco confiscada.
Falando à imprensa francesa, os Dabbagh disseram: "hoje há medo, entre a população síria, da normalização entre países ocidentais – incluindo a União Europeia – e o regime de Assad, e de esquecer seus crimes".
Tenho refletido sobre isso, após as expressões institucionais (europeias) de condolências ao governo e ao povo iraniano – como se fossem a mesma coisa! – pela morte do presidente Raisi: além de uma certa compreensão pelo ato formal, talvez devido, sinto um calafrio de medo e terror. O mesmo em relação a Assad. Claro, Raisi era um chefe de Estado. Assad, de certo modo, também é. Mas como podemos, mesmo por um momento, esquecer que ambos são criminosos? Raisi ordenou a repressão feroz do movimento "mulher, vida, liberdade". Isso é bem sabido em Bruxelas.
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Síria: o regime em julgamento. Artigo de Riccardo Cristiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU
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