23 Mai 2024
"O ponto da morte de Ebrahim Raisi não constitui uma mudança na linha do Irã porque não foi ele quem a ditava", escreve Riccardo Cristiano, jornalista italiano, em artigo publicado por Settimana News, 21-05-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Estou lendo os comentários sobre a morte do presidente iraniano Ebrahim Raisi feitos por seus revolucionários amigos, ou seja, os resistentes Houthi, os resistentes do Hezbollah, os resistentes da junta de Assad e outros interlocutores politicamente próximos de Teerã. A sua morte também é comentada, claro, pelos muitos inimigos.
Entre os elogios fúnebres o mais eficaz é aquele que, segundo muitas fontes iranianas, muitos anos atrás teria sido proferido pelo aiatolá Montazeri, primeiro designado sucessor de Khomeini, depois removido e abandonado na cidade sagrada de Qom. Era 15-08-1988 quando Montazeri recebeu os cinco integrantes do que foi apelidado de Comitê da morte: entre eles estava também Raisi que, naquela época, mandou 5.000 dissidentes para a forca.
Na ocasião Montazeri teria dito: “Vocês cometeram o crime mais grave na República Islâmica desde o início da revolução. No futuro vocês serão lembrados entre os criminosos da história".
O guia designado
As palavras de Montazeri explicam as celebrações pela morte de Raisi entre muitos iranianos comuns. Mas acima de tudo explicam porque, pelo menos na minha opinião, a morte de Raisi encerra uma época: morre o jovem perseguidor sombrio, atacado pelo herdeiro de Khomeini, depois de se tornar presidente da República, e com ele seca a trágica época teocrática, e talvez poderíamos estar nos encaminhando para aquela nacionalista e miliciana. Veremos.
No entanto, hoje sabemos que o primeiro vice-presidente do Irã, Mohammad Mokhber, substituirá o falecido presidente Ebrahim Raisi durante 50 dias. Figura de destaque na definição da economia de resistência que o Guia da Revolução, aiatolá Ali Khamenei, havia pedido ao executivo Raisi, Mokhber terá de governar num acordo com o presidente do parlamento e o chefe do sistema judiciário, como previsto pela Constituição. Depois serão realizadas eleições presidenciais antecipadas.
Mas o que podem mudar as eleições presidenciais antecipadas? Todos sabem que a Presidência da República no Irã é importante, mas não tanto assim. A arquitrave sobre a qual se apoia todo o arcabouço, o sistema iraniano, é o Guia da Revolução, cargo agora desempenhado, desde a morte de Khomeini, pelo aiatolá Khamenei: 85 anos e doente há tempo.
Raisi, segundo todos os relatos, era o delfim designado, o Guia para a agora iminente era pós-Khamenei. Portanto, ele era o novo braço direito do sistema. Garantia, como clérigo, o equilíbrio de um sistema que agora se baseia mais que nos clérigos, nos pasdaran, isto é, os milicianos guardiões da Revolução, com quem o clérigo e falcão Raisi mantinha relações boas e consolidadas.
A discussão sobre a sucessão do idoso Khamenei parecia em pleno andamento, iminente, preparada por surpreendentes declarações públicas e oficiais. É por isso que há um jogo de cena: se as condições de saúde de Khamenei fossem realmente graves, o regime jamais teria podido correr o risco de ficar com um presidente ad interim e um Guia da Revolução hospitalizado em fim de vida.
A minha impressão é que a rápida decisão de confiar a presidência interina a Mokhber, por cinquenta dias, parece dizer que a discussão sobre a substituição de Khamenei pode esperar. Só o médico de Khamenei pode certificar essa hipótese, certamente não eu. Mas Khamenei desferiu um golpe de vitalidade: e o fez imediatamente. A sua substituição parece por enquanto estar na lista de espera.
O golpe de imagem sofrido pelo Irã é, no entanto, grave: o país está empenhado na desestabilização de todo o Oriente Médio para conquistar o lugar que acredita lhe caber por direito.
O Irã não pode permitir-se dizer que um atentado ou uma sabotagem mataram o seu Presidente e o seu Ministro do Exterior, em solo nacional, sem consequências que contradiriam a sua escolha de desestabilizar os outros para consolidar o seu próprio papel, mas sem trazer a guerra para casa. Mas não pode sequer se permitir admitir que seus próprios aviões não tenham condições de transportar os seus líderes de Baku para Teerã com segurança. Será que o mau tempo será suficiente como única justificativa?
Teerã depende, portanto, para os negócios atuais, de Mohammad Mokhber, artífice de uma política econômica que provocou a queda da moeda nacional, que em cerca de um ano perdeu 50% do seu valor, para ajudar os Pasdaran a consolidar o seu poder econômico, autêntica holding de exportação miliciana da revolução e do controle dos principais conglomerados econômicos no país.
A criatura que faz dele um fidelíssimo de Khamenei é uma instituição de caridade – chamada Execução das ordens do Imã Khomeini (EIKO) – exonerada do pagamento de impostos. A EIKO é um gigante, um autêntico conglomerado efetivamente controlado pelo gabinete de Khamenei, que está presente em muitos setores da economia nacional.
Um homem que viveu nas sombras, longe dos palcos da política e das polêmicas, poderia ser o verdadeiro sucessor de Raisi? É muito cedo para dizer, mas a verdadeira questão é se a morte de Raisi levará a Guia da Revolução Islâmica o filho de Khamenei, Mojtaba, também clérigo. Nesse caso, talvez, um Pasdaran poderia voltar à Presidência, depois do triste precedente de Ahmadinejad.
Diz-se que Khamenei pai favoreceu a ascensão de seu filho entre os falcões do regime, mas justamente apostando em Raisi pretendia evitar o cenário que vê seu filho sucedê-lo na posição suprema, e por isso teria construído o arranjo do amanhã em Raisi.
A história islâmica viu as dinastias dos califas, aquela dos omíadas e a dos abássidas, para citar as mais conhecidas. A história da Pérsia, também, viu as grandes (ou pequenas) dinastias dos xás, a última das quais foi, como se sabe, aquela dos Pahlevi. Agora, a República Islâmica Iraniana poderia ver-se forçada a inaugurar a dinastia republicana revolucionária: seria um cenário de fechamento, de entrincheiramento. Talvez essa seja a razão pela qual o Aiatolá Khamenei teve que apostar novamente em si mesmo.
O ponto da morte de Ebrahim Raisi não constitui uma mudança na linha do Irã porque não foi ele quem a ditava. Enquanto Khamanei permanece firme no poder. O problema está no reequilíbrio interno, que Khamenei deve agora definir, sem o homem em quem decidiu apostar. Hoje, em Teerã, o poder está nas mãos da suprema autoridade teocrática-religiosa, dos seus gabinetes, isto é, dos mulás da sua corte e dos pasdaran, guardiões fiéis. No futuro os equilíbrios de força continuarão a ser os mesmos?
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Irã: a morte de Raisi e as suas consequências. Artigo de Riccardo Cristiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU