09 Mai 2024
“Os estudantes que ocupam Bolonha e outros lugares não podem impedir o Holocausto. Mas podem salientar que estamos do lado dos colonizados de todo o mundo e que desertamos da guerra que os novos Hitler nos estão impondo”. A reflexão é de Franco “Bifo” Berardi, em artigo publicado por El Salto, 08-05-2024. A tradução é do Cepat.
Grupos de estudantes da Universidade de Bolonha ocuparam a Piazza Scaravilli com as suas tendas.
Por que eles fazem isso? Não posso responder por eles, então respondo por mim mesmo.
Por que fazemos isso?
Às vezes, nossas ações podem parecer inúteis, privadas de seus potenciais efeitos. Neste caso sabemos muito bem que o são: não seremos capazes de deter o genocídio do Estado sionista com os nossos protestos.
Mas as ações que não conseguem realizar os seus potenciais efeitos podem ajudar-nos a compreender melhor o que está prestes a acontecer, podem ajudar a difundir a consciência sobre o que é iminente e podem ajudar a nos preparar para o inevitável.
Em Gaza, está ocorrendo o primeiro ato de uma guerra global que o supremacismo branco, em declínio, desencadeou contra a humanidade.
Em Gaza, repete-se um genocídio como aquele que os colonos europeus levaram a cabo contra os povos das planícies norte-americanas. Mataram mulheres e crianças, queimaram as tendas dos nativos de pele vermelha, destruíram os seus meios de subsistência, mataram de fome, violaram, erradicaram a vida até às suas raízes para que aquelas terras se tornassem o que se tornaram: a sede de uma civilização estruturalmente psicótica, assombrada pela maldição da violência de todos contra todos, afligida por uma loucura incurável, que finalmente se volta contra si mesma.
Do genocídio colonialista germinou uma civilização que multiplicou por mil o poder das armas de extermínio, mas que destruiu em si mesma a humanidade e a razão, precipitando um suicídio, que tende a arrastar as suas vítimas para o abismo.
Em Gaza, repete-se um extermínio como aquele realizado pelos alemães contra milhões de judeus com a cumplicidade ativa da maioria da população europeia.
Depois de 1945, no final daquela guerra, alguém disse: nunca mais. A resistência antifascista, as organizações internacionais pela paz, os intelectuais judeus que escaparam ao Holocausto disseram: nunca mais, Nie wieder.
Mas essa promessa foi agora apagada, pisoteada e esquecida.
Nie wieder é agora, em Gaza. E desta vez ninguém pode compensá-lo, ninguém pode prometê-lo, porque desta vez o fracasso é definitivo, irreparável.
Em 1945, apesar da morte de dezenas de milhões de pessoas (nunca saberemos realmente quantas), havia a energia de uma sociedade jovem e a confiança num futuro que ainda era possível, um futuro de democracia, ou de socialismo, ou de paz e respeito pelos direitos humanos.
Mas hoje a civilização branca, senil e moribunda esqueceu todas as suas promessas. Tem o poder desmesurado das armas de alta tecnologia e com esse poder os exterminadores brancos – israelenses, estadunidenses, russos, europeus – acreditam que podem adiar a sua própria morte.
Netanyahu, Macron, Trump, Biden, Putin, Zelensky acreditam que se aplica a eles o romance de Norman Spinrad intitulado Bug Jack Barron (1969), no qual crianças foram criadas para roubar o sangue para rejuvenescer os transumanos. Eles acreditam que o sangue de 20 mil crianças palestinas pode restaurar eternamente o seu vigor perdido.
Isso não acontecerá; morrerão como morrem os lobos, mas infelizmente suas armas são capazes de apagar do planeta todos os vestígios da civilização humana e talvez até da vida.
Os estudantes que ocupam Bolonha e outros lugares não podem impedir o Holocausto.
Mas podem salientar que estamos do lado dos colonizados de todo o mundo e que abandonamos a guerra que os novos Hitler nos estão impondo.
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Manifestações estudantis contra a guerra em Gaza. Por que eles fazem isso? Artigo de Franco Berardi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU