20 Março 2024
"Não se enganem: o governo israelense está usando a inanição como arma de guerra em Gaza. Esta é uma crise de origem humana, totalmente evitável e que pode ser encerrada imediatamente".
O depoimento é de Mahmoud Shalabi, diretor da organização de caridade Medical Aid for Palestinians em Gaza, publicado por El Salto, 19-03-2024.
Aqui, no norte de Gaza, praticamente não há alimentos disponíveis. As pessoas estão recorrendo a comer ração ou alpiste para se manterem vivas. Alguns só têm grama para comer. Os médicos têm alertado há meses que os mais de cinco meses de bombardeios e cerco de Gaza pelo exército israelense resultariam em fome e inanição.
A Iniciativa de Classificação Integrada das Fases de Segurança Alimentar, que envolve várias agências da ONU, disse na segunda-feira que a fome é "iminente" e pode ocorrer a qualquer momento nos próximos dois meses no norte de Gaza. Metade da população de Gaza está enfrentando atualmente níveis catastróficos de fome, quase o dobro do número de pessoas do ano passado. As crianças já estão morrendo de desnutrição e desidratação - pelo menos 27 morreram por essas causas, de acordo com o Ministério da Saúde do território.
Enquanto isso, o governo israelense continua restringindo a ajuda no cruzamento de fronteira com Gaza e a comunidade internacional continua observando. A escassa ajuda que recebe permissão para entrar não chega a todos, especialmente no norte, ou é distribuída de forma caótica, então as pessoas estão lutando desesperadamente para conseguir o mínimo possível. Isso está privando minha comunidade de sua dignidade e deixando os mais vulneráveis sem nenhum tipo de assistência. Centenas de pessoas até perderam a vida tentando conseguir alimentos para suas famílias.
A ONU alertou que a deterioração do estado nutricional da população atingiu níveis sem precedentes globalmente. E o mundo ainda não está fazendo nada.
Famine is imminent in #Gaza.
— UNRWA (@UNRWA) March 19, 2024
1 in 3 children under 2 in the north are acutely malnourished. At least 23 have already died.@UNRWA teams are working tirelessly to reach families with critical aid and health assistance. Only sustained access and more supplies will save lives. pic.twitter.com/XK6hT3ms6d
Quando vou ao mercado no campo de refugiados de Jabalia, antes movimentado, não há mais barracas ou alimentos à venda. O arroz, as lentilhas e os feijões desapareceram, e só restam especiarias e frutos secos caros. Até os pequenos lanches que costumávamos dar aos nossos filhos se tornaram luxos inalcançáveis.
Algumas pessoas que conheci sobrevivem com uma xícara de café por dia. Elas sacrificam qualquer alimento ao qual possam ter acesso por seus filhos famintos. Todas as pessoas que conheço em Gaza perderam peso, uma média de 10 a 30 kg. Eu e meus filhos também emagrecemos, meus colegas ficam surpresos ao ver nas fotos quanto peso perdi.
Recentemente, vi um homem dar batatas fritas aos seus dois filhos e me lembro que disse a eles: "Certifiquem-se de calcular bem a porção de cada um, porque não tenho mais nada e esta é a comida de vocês para o dia". As crianças até começaram a sair às ruas com pratos e panelas vazias, batendo nelas com colheres e gritando que querem comer.
Meus colegas dos hospitais do norte de Gaza me disseram que ultimamente não conseguiram nem mesmo uma refeição por dia e que só estão consumindo tâmaras e líquidos, como sopa feita com plantas silvestres. Os profissionais de saúde estão esgotados e se sentem fracos enquanto trabalham 24 horas por dia, sete dias por semana para tratar os pacientes. Hussam Abu Safiya, chefe de Pediatria do hospital Kamal Adwan, disse que diariamente são admitidas entre 25 e 30 crianças, metade das quais sofrem de desidratação e desnutrição.
Não se enganem: o governo israelense está usando a inanição como arma de guerra em Gaza. Esta é uma crise de origem humana, totalmente evitável e que pode ser encerrada imediatamente. Os gestos superficiais dos Estados Unidos, Reino Unido e outros estados, como os lançamentos aéreos e os portos marítimos temporários, não são soluções para acabar com a fome. Os moradores me contaram que os pacotes de alimentos lançados dos aviões só alimentam duas ou três pessoas por dois ou três dias.
Como potência ocupante de Gaza, Israel tem a responsabilidade legal de garantir que a população ocupada receba alimentos e suprimentos médicos. Para cumprir essa obrigação, Israel deve suspender imediatamente o bloqueio total de Gaza, reabrir todos os postos fronteiriços terrestres e permitir o acesso irrestrito à ajuda e aos trabalhadores humanitários. Se a entrada imediata de mais alimentos em Gaza não for permitida, temo que o pior aconteça e cada vez mais pessoas morram de fome.
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“Todas as pessoas que conheço perderam entre 10 e 30 quilos”: a fome está deixando sua marca no norte da Faixa de Gaza - Instituto Humanitas Unisinos - IHU