08 Novembro 2023
"O acordo está longe de acontecer. Enquanto houver revolta, ódio e estados islâmicos e cristãos apoiando essa guerra, ela vai continuar. O acordo exige muita renúncia de ambas as partes. Quem vai ceder? Enquanto isso, pobres inocentes civis morrem pelas armas de uma guerra sem fim. O momento é de muitas dúvidas e incertezas em relação ao futuro desses dois povos irmãos na sua origem", escreve Frei Jacir de Freitas Faria, doutor em Teologia Bíblica pela FAJE (BH), mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, professor de Exegese Bíblica. Estudou em Jerusalém, École Biblique. É membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Sacerdote Franciscano. Autor de dez livros e coautor de quinze. YouTube: Frei Jacir Bíblia e Apócrifos.
O conflito entre o Hamas e Israel tem suscitado muita polêmica. Há várias tendências na interpretação dos fatos. Quem está certo e quem está errado? O que está acontecendo no Oriente Médio, na Terra Santa para judeus, cristão e muçulmanos? Guerra entre irmãos que se odeiam?
Um passo a passo de fatos bíblicos e políticos que antecederam essa guerra de origem milenar, bem como os fatores que culminaram na criação do Estado de Israel, no fim da década de 1940, são de fundamental importância para compreender a questão.
Na sequência, você poderá terá os tópicos de cada passo. No videotexto, você encontrará a explicação de cada item. Trata-se de uma palestra ministrada por mim, no Centro Franciscano de Formação e Espiritualidade, em Divinópolis (MG), sobre a questão.
São doze pontos de origem bíblica, ocorridos no primeiro milênio de nossa história; Doze pontos políticos do conflito, no segundo milênio; Três pontos cruciais para entender o conflito a partir da criação do Estado de Israel; O que é o Hamas? Doze considerações finais sobre a atualidade e futuro dessa guerra.
1. Abraão, vindo de Ur do Caldeus, chega em Canaã (Palestina) e a ocupa em nome de Deus e (1850 a.E.C.).
2. O neto de Abraão, Jacó, tem o seu nome mudado para Israel, que significa “homem forte que lutou com Deus” (Gn 32,29), para dar ao país de Canaã.
3. No Egito, o povo vive momentos de opressão e libertação (1650-1250 a.E.C.).
4. Moisés e Josué, voltando do Egito, retomam, com a força das armas, a terra de Canaã, que estava ocupada por outros povos há quatrocentos anos.
5. A terra de Israel vive em paz, no tempo dos Juízes, tendo sido a terra distribuída para os doze filhos de Jacó (Israel) (1200-1030 a.E.C).
6. Canaã, com a Monarquia Unida (1030-970 a.E.C) dos Reis Saul, Davi e Salomão ocupa o território atual de Israel.
7. Israel se divide em norte e sul: Israel e Judá (970-587 a.E.C.).
8. Com a invasão da Babilônia (atual Iraque), ocorre a primeira dispersão (diáspora) do povo.
9. Na volta do Exílio da Babilônia, Esdras e Neemias, com a força das armas e da fé, tomam a terra dos que nela estavam habitando há 50 anos.
10. Os gregos, com Alexandre Magno, ocupam a região (333 a.E.C.) e impõem a sua cultura, anulando a religião e cultura judaica.
11. Romanos dominam os gregos. Canaã passa a ser chamada de Palestina (69 a.E.C.).
12. Judeus lutam, com as armas e fé, contra os romanos durante três anos (67 a 70 da E.C.). Perdem a batalha. Ocorre a segunda e última diáspora (dispersão) judaica.
1. O império Romano Bizantino ocupa Oriente (330 a 630). Os cristãos ocupam a Terra Santa.
2. Maomé (622) funda a religião islâmica, que passa a dominar a Palestina e os cristãos que habitavam a região. Nasce o ideal de um estado teocrático, isto é, governado por Deus.
3. Em 624 E.C., com a força das armas e da fé, os árabes muçulmanos invadem e implantam o islamismo da Arábia até a Pérsia. Lugares religiosos do cristianismo são destruídos.
4. Jerusalém foi conquistada pelos califas e ali estes se estabeleceram com mesquitas e palácio. Em 692 é construída a mesquita “Domo da Rocha”, a da cúpula de ouro.
5. Os cristãos foram perseguidos na Terra Santa pelos muçulmanos.
6. As Cruzadas (1096-1270) católicas reconquistam a Terra Santa para os cristãos.
7. Em 1187, o sultão Saladino reconquistou Jerusalém para os muçulmanos.
8. A dinastia muçulmana dos Mamelucos (1250-1516 E.C) domina a Terra Santa. Árabes continuam na região. Mamelucos foram permissivos para com os cristãos.
9. Os turcos otomanos dominam os mamelucos e ocupam a Terra Santa por 400 anos (1516 a 1917).
10. Os ingleses, em uma guerra travada em Meguido, expulsam os turcos da Terra Santa e aí permanecem até 1948.
11. Com o fim da Primeira Guerra Mundial, a região ficou dividida entre ingleses (Kuwait, Iraque, Jordânia e Palestina) e franceses (Líbano e Síria).
12. Em 1923, os ingleses reconhecem a Transjordânia como um emirado árabe autônomo, tendo Amã como capital.
Para entender o conflito atual é importante entender como tudo começou, quando ficou decidido que os judeus teriam novamente uma pátria.
Herzel escreve o livro O Estado judeu, no qual defende a ideia de se criar um estado judeu, um lar para abrigar os judeus dispersos pelo mundo, na segunda Diáspora.
O Congresso Sionista de 1897 decide pela criação do estado de Israel. Ela poderia ser na Patagônia (sul da Argentina), na África (Congo ou Uganda) ou na ilha de Chipre. A decisão final foi pela Palestina, que já estava habitada pelos árabes. Seria um estado laico com apoio dos judeus religiosos. Apoiados na ideia de Herzl, mais de 50 mil judeus, entre o fim do século XIX e início do século XX, migraram para a Palestina. Esses novos judeus são constituídos de valores éticos e culturais assemelhados. Nem todos eram praticantes do judaísmo tradicional. Ainda hoje, muitos judeus não são religiosos.
David Ben Gurion declarou a independência do Estado judeu, na Terra de Israel, no dia 14 de maio de 1948. Muitos judeus refugiados e perseguidos pelo antissemitismo imigraram para Israel. Ben Gurion iniciou um processo de limpeza étnica. Muitos palestinos morreram nesses confrontos.
Gurion queria retomar o velho Israel da época de Davi. A criação do estado de Israel teve apoio dos Estados Unidos e Rússia. Posteriormente, Israel se alia aos Estados Unidos.
Em 1948 e 1949, uma nova guerra foi travada entre árabes e judeus. Nas suas incursões militares, Israel invadiu os territórios palestinos, chegando a ocupar 80% das áreas palestinas. Jerusalém estava sob o domínio da Jordânia. Mais de 750.000 palestinos se tornaram refugiados, perdendo tudo que tinham.
Em 1956, Israel invadiu a península do Sinai, tendo que sair posteriormente.
Em 1967, durante a guerra dos Seis Dias, Israel conquistou as colinas do Golan, na região norte (Síria), o Sinai e a Faixa de Gaza e toda a Cisjordânia. Mais tarde, o Sinai foi devolvido ao Egito.
Em 1973, Egito e Síria atacaram Israel, que contra-atacou e recuperou o território perdido.
Em 1974, Yasser Arafat criou uma entidade política e paramilitar palestina, que levou o nome de Organização pela Libertação da Palestina (OLP).
Em 1979, Israel e Egito assinaram um tratado de paz.
Em 1981, Jerusalém voltou a ser a capital de Israel.
Entre 1987 e 1991, Israel conheceu os embates populares entre judeus e palestinos, chamados de Intifadas, isto é, revolta popular árabe contra a invasão israelense na faixa de Gaza e na Cisjordânia. As Intifadas foram retomadas em 2000, quando militantes palestinos começaram a disparar foguetes de Gaza contra Israel.
Em 1994, em Washington, o então presidente dos EUA, Clinton, logrou que Yasser Arafat e o primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin, assinassem um acordo de paz, em Oslo, pondo fim à guerra. Surgiu a possibilidade de criação do Estado Palestino.
Em 1995, quando um judeu radical assassinou o primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin, o acordo de paz caminhou para o fim. Esse judeu dizia que ceder seria perder a bênção divina de terra para Israel.
Surgem os homens bombas, liderados pelo Hamas, para não aceitar o Acordo de Oslo. O Hamas não aceita o Estado de Israel.
Em 2000, houve uma nova tentativa de acordo entre Israel e Palestina com a criação de dois estados. Os palestinos não aceitaram.
O ministro israelense Ariel Sharon visitou o Domo da Rocha e a Mesquita do Al-Aqsa, em Jerusalém, o que foi considerado uma afronta aos palestinos.
Em 2003, em Genebra, uma nova tentativa de criar o estado palestino foi feita. A proposta não foi aceita em Israel.
Em 2004, morre Arafat e instaura-se a luta pelo poder entre os palestinos, sob a liderança de Mahmoud Abbas.
As duas organizações pró-Palestina, OLP e o Hamas, se tornaram inimigas. Israel começa, nessa mesma época, a construção de um muro em Belém e em outras regiões do país, como a Faixa de Gaza, com o discurso de proteger o país.
Em 2005, Israel retirou todos os seus assentamentos e forças militares da Faixa de Gaza.
Em 2007, o grupo Hamas passa a governar Gaza, e o Fatah, a Cisjordânia.
Em 2009, com a eleição de Benjamin Netanyahu, o curso da paz entre israelenses e palestinos sofreu novamente um retrocesso. Nesse mesmo ano, Israel bombardeou Gaza.
Em 2010, o presidente norte-americano Barack Obama sinalizou a preocupação de restabelecer a paz no Oriente Médio por meio de uma tratativa de paz.
Seu fundador é o Sheikh Ahmed Yassin, morto em 2004, vítima de ataque israelense em Gaza. Hamas luta por um Estado Palestino em Gaza, Cisjordânia e Jerusalém oriental.
O Hamas quer um estado muçulmano. O Hamas, em árabe, significa “Movimento de Resistência Islâmica”. Esse grupo, no seu estatuto, não aceita a presença de judeus e israelenses na região. Eles defendem a aniquilação deles para a criação do Estado Palestino. O Hamas tem as vertentes política, militar e ação social.
O Hamas não tem diálogo com a Autoridade Palestina, que controla as outras regiões palestinas dentro de Israel. A Autoridade Palestina é controlada por outro grupo de resistência, o Fatah, que é oposição ao Hamas, de origem xiita.
Esses dois grupos se opõem, mas têm um inimigo comum, o Estado de Israel.
O Hamas recorda o grupo de resistência armada ao império romano, chamado de Zelotas, durante a guerra judaica, entre 67 e 70 E.C.
1. O conflito tem raízes bíblicas que fundamentam grupos extremistas religiosos numa região geopolítica importante para o mundo.
2. O problema maior, no entanto, está na criação do Estado de Israel, pelos sionistas.
3. O conflito é entre o Hamas e os sionistas e está revestido de uma violência que mata de forma bárbara.
4. Não há como negar a violência terrorista do Hamas, como a morte planejada de israelenses.
5. Não como negar que Israel repete o holocausto para o povo palestino.
6. Israel não quer a nação Palestina. O Hamas não quer o Estado de Israel, mas um estado islâmico, mas a guerra é sempre o pior caminho que povos podem tomar. Ela destrói o ser humano.
7. Há uma manipulação midiática sobre a situação geopolítica no Oriente Médio. Será que Israel já não sabia que isso iria acontecer? O Hamas não estraria agindo em legítima defesa?
8. Israel não teria criado o Hamas para ter um inimigo para combater, desacreditar Yasser Arafat, e ter apoio internacional na sua luta por um estado de Israel e retomar Gaza?
9. O sionismo do atual governo é uma doutrina racista de supremacia judaica que coloniza tirando as terras dos palestinos destinada à criação do Estado da Palestina. Os palestinos têm, tanto quanto Israel, direito à terra e a vida com dignidade.
10. O Hamas e o sionismo de Netanyahu não representam a maioria da população da Palestina e de Israel. O atual primeiro-ministro israelense, Benjamim Netanyahu, não tem apoio da maioria dos judeus.
11. Enquanto não houver diálogo entre as partes, uma solução não virá. Há atrocidades em ambos os lados. Diálogo entre radicais é muito difícil, quase impossível.
12. A criação de dois estados seria a melhor solução? Alguns especialistas falam de um estado com duas nacionalidades.
13. O acordo está longe de acontecer. Enquanto houver revolta, ódio e estados islâmicos e cristãos apoiando essa guerra, ela vai continuar. O acordo exige muita renúncia de ambas as partes. Quem vai ceder? Enquanto isso, pobres inocentes civis morrem pelas armas de uma guerra sem fim. O momento é de muitas dúvidas e incertezas em relação ao futuro desses dois povos irmãos na sua origem.
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Hamas e Israel. Passo a passo das origens bíblicas e políticas da guerra e da criação do Estado de Israel! Artigo de Frei Jacir de Freitas Faria - Instituto Humanitas Unisinos - IHU