28 Outubro 2023
"Agora cabe ao Sínodo, à luz de um caminho que se desenvolveu de forma coerente em dez anos de pontificado, identificar quais os “espaços” a abrir e quais os “passos concretos” a realizar para que ninguém se sinta excluído da vida eclesial devido à sua orientação sexual ou à sua identidade de gênero", escreve Luciano Moia, em artigo publicado por Avvenire, 25-10-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
As reflexões da assembleia sinodal sobre afetividade e sexualidade “difíceis”. O debate, iniciado a partir do esboço do Instrumentum laboris, chamado a sugerir novos caminhos de acolhimento.
“Como podemos criar espaços onde aqueles que se sentem feridos pela Igreja e indesejados pela comunidade possam se sentir reconhecidos, acolhidos, não julgados e livre para fazer perguntas? À luz da exortação apostólica pós-sinodal Amoris laetitia, que passos concretos são necessários para ir ao encontro das pessoas que se sentem excluídas da Igreja devido à sua afetividade e sexualidade (por exemplo, divorciados recasados, pessoas em casamentos polígamos, pessoas LGBTQ+, etc.)? ” (Instrumentum laboris, B, 1.2)
É uma das muitas questões que o Sínodo discutiu nos últimos dias. O espírito não foi identificar uma receita boa para todos os fins, porque algumas questões parecem divisivas, enquanto sobre outras o debate teológico que questiona as dinâmicas entre amor e verdade ainda parece longe de assumir uma posição partilhada. Além disso, é preciso ter a capacidade de viver um aparente paradoxo: “Proclamar com coragem o próprio ensinamento autêntico e ao mesmo tempo oferecer um testemunho de inclusão e aceitação radical".
É preciso dizer que sobre algumas questões complexas, como o acolhimento das pessoas LGBTQ+ (usamos a expressão dos documentos sinodais) definir o ensinamento autêntico é um caminho nada fácil. Elementos de descontinuidade foram introduzidos pelo próprio Papa Francisco que, poucos dias antes do início do Sínodo, respondendo às Dubia postas por alguns cardeais a respeito da oportunidade de conceder uma bênção aos casais homossexuais, explicou que se não se pode confundir o casamento sacramental com outras formas de união que só o realizam “de certa forma parcial e analógica", da mesma maneira "nas relações com as pessoas não se deve perder a caridade pastoral, que deve permear todas as nossas decisões e atitudes. A defesa da verdade objetiva não é a única expressão dessa caridade, que também é feita de gentileza, paciência, compreensão, ternura e encorajamento. Portanto, não podemos ser juízes que apenas negam, rejeitam, excluir".
É, portanto, possível conceder o que é pedido à luz da prudência pastoral que “deve discernir adequadamente se existem formas de bênção, solicitadas por uma ou mais pessoas, que não transmitam um conceito errado de casamento”. Por que o conforto de uma bênção não deve ser negado a casais homossexuais? O Papa explica-o com grande clareza: “Porque quando se pede uma bênção, está sendo expresso um pedido de ajuda a Deus, uma súplica para poder viver melhor, uma confiança num Pai que pode nos ajudar a viver melhor”. E falando da situação de “irregularidades” em que viveriam os casais homossexuais que pedem a bênção, o Papa Francisco esclarece, retomando um conceito já expresso na Amoris laetitia: “Por outro lado, embora podem verificar-se situações que do ponto de vista objetivo não são moralmente aceitáveis, a própria caridade pastoral exige que não tratemos simplesmente como ‘pecadores’ outras pessoas cuja culpa ou responsabilidade pode ser atenuado por vários fatores que influenciam a imputabilidade subjetiva (cf. São João Paulo II, Reconciliatio et Paenitentia, 17). E então? Sinal verde para todas as bênçãos de modo indiscriminado à luz de uma nova normativa introduzida precisamente por essas respostas? Não, mesmo nesse caso deve haver discernimento caso a caso: “Decisões que, em determinadas circunstâncias, podem fazer parte da prudência pastoral, não devem necessariamente se tornar uma norma. Isso significa que não é apropriado que uma Diocese, uma Conferência Episcopal ou qualquer outra estrutura habilite constante e oficialmente procedimentos ou ritos para todo tipo de questão, pois tudo o que faz parte de um discernimento prático diante de uma situação particular não pode ser elevado ao nível de uma norma" porque isso "geraria uma casuística insuportável" (Amoris laetitia 304). “O Direito Canônico não deve e não pode abranger tudo, nem mesmo as Conferências episcopais com seus variados documentos e protocolos deveriam pretendê-lo, pois a vida da Igreja flui através de muitos canais além daqueles normativos”.
Alguém falou de virada em relação ao Responsum (15 de maio de 2021) com que a Congregação para a doutrina da fé proibiu a bênção de casais homossexuais. Talvez seja melhor falar de um desenvolvimento coerente com o que já foi afirmado na Amoris laetitia, sobre a necessidade de “garantir um acompanhamento respeitoso, para que quantos manifestam a tendência homossexual possam dispor dos auxílios necessários para compreender e realizar plenamente a vontade de Deus na sua vida" (Al, 250). De fato, é difícil argumentar que mesmo uma bênção, se solicitada com um coração sincero e um desejo de acolhimento, não possa se tornar um “auxílio necessário” no caminho da fé.
Mas o que o Papa Francisco explicou sobre o acolhimento das pessoas LBGTQ+ é compreendido melhor à luz das suas muitas intervenções sobre o tema, a começar pelo já famoso “Se uma pessoa é gay e procura o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?” (28 de julho de 2013).
Para seguir com o pedido de desculpas aos homossexuais (26 de julho de 2016) e o apelo dirigido aos pais a nunca condenarem um filho homossexual (26 de agosto de 2018). E depois – entre muitas outras intervenções – não deve ser esquecida a resposta dada a um grupo de pais com filhos LGBT+ da associação Tenda di Gionata no final da audiência na Praça de São Pedro: “O Papa ama seus filhos como são, porque são filhos de Deus” (16 de setembro de 2020). Até o convite aos bispos que apoiam leis que criminalizam a homossexualidade ou discriminam a comunidade gay para “fazer um processo de conversão”. Claro, são respostas informais, entrevistas que, se formalmente não podem ser definidas como “magistério autêntico” (exceto o parágrafo da Amoris laetitia), ainda asssim representam inequivocamente o pensamento do Papa Francisco sobre o tema, na lógica de uma misericórdia pastoral que, como repetiu muitas vezes, tem por objetivo permitir a todos – sem exceção – participar na vida da Igreja.
Agora cabe ao Sínodo, à luz de um caminho que se desenvolveu de forma coerente em dez anos de pontificado, identificar quais os “espaços” a abrir e quais os “passos concretos” a realizar para que ninguém se sinta excluído da vida eclesial devido à sua orientação sexual ou à sua identidade de gênero.
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Crentes gays, um caminho à luz das indicações de Francisco. Artigo de Luciano Moia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU