"Vale a advertência do Papa Francisco em sua encíclica Laudato Si': sobre o cuidado da Casa Comum (2015), dirigida a toda a humanidade e não apenas aos cristãos: 'todos devemos fazer uma global conversão ecológica'", escreve Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor.
Mesmo dentro do quadro sombrio em que a humanidade vive atualmente, cabe sempre colocar a questão: em que medida a humanidade, todos os países e as pessoas podem e devem colaborar para um possível e desejável bem-estar minimamente possível? Para os 730 milhões de pessoas que passam diariamente fome, este desejo se vê continuamente frustrado. O dado representa uma desumanidade, pois temos condições econômicas e políticas para permitir que todos vivam de forma decente. Mas faltam-nos coração e sensibilidade para com quem padece.
Vale a advertência do Papa Francisco na encíclica Laudato Si': sobre o cuidado da Casa Comum (2015), dirigida a toda a humanidade e não apenas aos cristãos: ”todos devemos fazer uma global conversão ecológica” (n. 5). Sem esta disposição para a mudança, não superaremos as ameaças que pesam sobre a Terra, como as mudanças climáticas e as tragédias que já temos visto. Podemos até chegar a um ponto de inflexão, de não retorno. Estaríamos diante do colapso de nossa civilização e mesmo de nossa existência sobre esse planeta. Na encíclica Fratelli tutti (2021), Francisco foi enfático: ”estamos no mesmo barco; ou nos salvamos todos ou ninguém se salva” (n. 4).
Alimentamos, no entanto, a esperança da Carta da Terra (2003), segundo a qual “nossos desafios ambientais, econômicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados e juntos poderemos forjar soluções includentes” (Preâmbulo, d). Eis o desafio a ser enfrentado corajosamente.
Aclaremos antes, o que se entende por “bem-estar nacional e planetário”. A resposta não pode ser antropocêntrica, como se o ser humano fosse o centro de tudo e o único a ter um fim em si mesmo. Ao contrário, ele é um elo da corrente da vida e parte inteligente da natureza. Vale o que assevera a Carta da Terra: precisamos “reconhecer que todos os seres são interligados e cada forma de vida tem valor, independentemente, de sua utilidade para os seres humanos” (I, 1.a).
No plano infraestrutural, o bem-estar é o acesso justo de todos aos bens básicos como alimentação, saúde, moradia, energia, segurança, educação, comunicação e lazer. No plano social, é a possibilidade de levar uma vida material e humana satisfatória, na dignidade e na liberdade num ambiente sem violência, de cooperação, de solidariedade e de convivência pacífica. Este seria o grande ideal para a humanidade inteira e para as pessoas. Esse tipo de bem-estar que equivale ao que chamamos de bem comum, vale para todos os países e povos. Como somos parte da natureza e sem ela não poderíamos viver, o bem-estar inclui a comunidade biótica, os ecossistemas e todos os representantes das diferentes espécies que possuem o direito de existirem, de serem respeitados como portadores de direitos.
Pertencem também ao bem-estar o respeito ao mundo abiótico, como as paisagens, as montanhas, os rios, lagos e oceanos, pois formamos com todos eles a grande comunidade terrenal.
Dada a religação de todos com todos, é a cooperação entre todos a seiva secreta que nutre o bem-estar nacional e planetário como um todo. Todo o planeta, entendido como um super Ente que sistemicamente articula o físico, o químico e o biológico, alcança um bem-estar à condição de todo ele se fazer sustentável, manter o equilíbrio de todos os elementos que o compõem e conseguir permanentemente se manter e se autorreproduzir. É o que significa a categoria sustentabilidade.
A Carta da Terra sabiamente colocou as pilastras que sustentam o bem-estar comum: uma mudança na mente e no coração. Quer dizer, ter uma visão da Terra realmente como nossa Mãe que devemos amar, respeitar e cuidar. Uma mudança no coração no sentido de estabelecer um laço afetivo com todos os seres, pois são nossos irmãos e irmãs com os quais conviveremos em harmonia. O bem comum resulta de um sentido de interdependência global entre os humanos e com a natureza. Também requer um sentido de responsabilidade universal pelo bem comum válido para toda a humanidade e para a natureza.
Somente assim alcança-se um modo de vida sustentável que, mais que um desenvolvimento econômico sustentável, nos níveis local, nacional, regional e global, é expressão de um bem-estar possível e alcançável por todos nós. Talvez o grande desafio humanístico e ético é criar condições que possibilitem esse tão ansiado bem-estar nacional e planetário. Esse bem inestimável deve ser buscado e construído dia a dia, momento a momento para garantir a sua realização possível.