19 Setembro 2023
"É fácil entender porque os jansenistas de hoje são necessariamente inimigos ferrenhos do Papa Francisco", escreve o cientista político italiano Francesco Strazzari, professor de Relações Internacionais na Scuola Universitaria Superiore Sant’Anna, em Pisa, na Itália. O artigo foi publicado por Settimana News, 17-09-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Esse é o questionamento feito pelo conhecido teólogo espanhol José Gonzalez Faus, autor de livros e ensaios de considerável profundidade teológica, que afunda as suas raízes na história e na tradição dos grandes pensadores. De notável sensibilidade social, escritor odiado por conservadores e tradicionalistas, duro em criticar sistemas eclesiásticos e políticos, dotado de humor e perspicaz na interpretação dos eventos, ele atingiu a bela idade de noventa anos.
Faus, no artigo publicado em Religión digital (14 de setembro), afirma que “todas as extremas-direitas, tanto em França como na Espanha, que tanto presumem chamar-se católicas, são na realidade um resquício do jansenismo”.
Assim explica a sua crítica. “O jansenismo é uma heresia do século XVIII que teve um poder incrível na Igreja”. Embora o nome venha de Cornélio Jansênio (1585-1638), o seu desenvolvimento foi incentivado pelo abade francês de Saint-Cyran (1581-1643), seu discípulo.
Jansênio referia-se a Santo Agostinho, exagerando e distorcendo a sua abordagem doutrinária. São principalmente as últimas obras de Agostinho, que mais refletem o seu pensamento, que criam muitos problemas nas igrejas nascentes de seu tempo. Contudo, eram consideradas como filhas de um homem já idoso e pessimista, atingido pela catástrofe histórica de seus últimos anos.
É preciso admitir que Agostinho – afirma Faus – é um gênio quando fala da graça e às vezes beira a heresia quando fala do pecado. Era extremamente influenciado por sua vida antes da conversão.
O jansenismo produziu um grande fervor religioso diante de um Deus que não é o Deus de Jesus: Por isso, observa Faus, "não é um Deus de todos, mas uma espécie de ‘propriedade privada’ daqueles que dizem acreditar nele e servi-lo". A humanidade é uma “massa condenada”. Deus é certamente justo e misericordioso, mas a misericórdia é para salvar apenas aqueles que o servem, os outros devem ser condenados. É primeiro um Deus sem coração que, paradoxalmente, deu origem à devoção ao “coração de Jesus” e, em contraposição, às congregações religiosas do “sagrado coração”.
Os jansenistas sentiam-se “superiores” aos outros. Mas, nessa abordagem doutrinal e espiritual, é fácil notar que falta a figura de Jesus com o seu rosto humano. Eles não seguiam o mandamento de Jesus de amar os inimigos, que também eram filhos do Pai. A graça divina era concebida como uma espécie de privilégio, que chegava até ao esquecimento, se não ao desprezo total, dos outros.
Na política eram conservadores, servidores da monarquia, contrários à independência das colônias sul-americanas. Atacavam duramente os missionários, especialmente na China e na Índia, que se empenhavam e implementavam a inculturação, especialmente nos ritos.
O cardeal Tisserant (1884-1972), homem muito culto, confessou que foram os dias mais tristes da história das missões. Tanto é assim que, essa é a conclusão de Faus, “se hoje a China e a Índia não são muito mais cristãs, isso se deve em grande parte aos jansenistas”.
Faus pede aos políticos que se dizem católicos (e a alguns bispos) de hoje que prestem bastante atenção se algo do que foi dito possa ajudá-los a se perguntarem se realmente acreditam no Deus revelado por Jesus Cristo ou no Deus da religiosidade humana", sem Jesus de Nazaré.
É fácil entender porque os jansenistas de hoje são necessariamente inimigos ferrenhos do Papa Francisco. Faus lembra São Vicente de Paulo (1581-1660), acusado em sua época de se interessar e se preocupar mais com os pobres, marginalizados e encarcerados do que em batizá-los.
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As ultradireitas: católicas ou jansenistas? Artigo de Francesco Strazzari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU