28 Janeiro 2021
George Weigel prestou um grande serviço à Igreja na semana passada, quando publicou um artigo no First Things aplaudindo a declaração grosseira do arcebispo José Gomez, de Los Angeles, sobre Joe Biden no dia da posse.
A reportagem é de Michael Sean Winters, publicada por National Catholic Reporter, 27-01-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Aparentemente, e sem surpresa, Weigel conhece o funcionamento interno do grupo de trabalho dos bispos dos Estados Unidos formado para lidar com o governo Biden e confirmou aquilo que muitos de nós suspeitávamos. Não contente por ter jogado um balde de água fria no desfile inaugural de Biden, a “segunda iniciativa proposta pelo Grupo de Trabalho foi o desenvolvimento de uma declaração da Conferência sobre a coerência eucarística da Igreja”.
A admiração de Weigel pelo tom e pelo conteúdo da declaração de Gomez como presidente da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos era previsível. Você quase poderia pensar que ele ajudou na sua redação. Ambos reclamaram, além do aborto, sobre a posição de Biden em favor do casamento gay, a sua compreensão diferente da necessidade de equilibrar as reivindicações de liberdade religiosa com outros direitos legais e o seu compromisso de tornar a contracepção mais disponível para as mulheres, não importa onde elas estejam empregadas.
A coluna de Weigel, assim como a declaração de Gomez, não reconhece que o antecessor de Biden havia levado o país ao abismo de várias maneiras:
Suponho que nem Weigel nem Gomez acham que Trump levou a nação à beira do abismo. Eles achavam que ele estava conduzindo a Igreja ao limiar da esperança?
Weigel afirma que a declaração de Gomez foi pastoral. Como ele concebe o fato de ser um pastor? Gritar itens do Catecismo para as pessoas? Você não precisa de um pastor para isso. Um algoritmo serve.
Além disso, se essa declaração era genuinamente pastoral por natureza, por que o grupo de trabalho e Gomez não consultaram os verdadeiros pastores de Biden? Ele perguntou que abordagem pastoral eles adotariam? O presidente da Conferência Episcopal é agora o “grão-imã” de todo católico estadunidense?
A referência à elaboração por parte do grupo de trabalho de uma declaração sobre a “coerência eucarística”, entretanto, é a mais alarmante. Isso fecha a cortina sobre o objetivo real de estabelecer esse grupo de trabalho. Eles não procuram se engajar com o novo presidente com o objetivo de fazer avançar o bem comum, nem de lhe fornecer um cuidado pastoral. Eles querem posicionar todo o episcopado dos Estados Unidos de forma a ser inevitável que Biden seja declarado impróprio para receber a Comunhão.
Como Weigel, eu acho que o nosso novo presidente está errado sobre o aborto. No entanto, eu não acho que eu domino completamente os mistérios de Deus a ponto de me sentir confiante em barrar Biden da Sagrada Comunhão. Na verdade, espero que Biden, assim como eu, veja a eucaristia como o remédio da misericórdia que ela é.
Como ensinou o Santo Padre na Evangelii gaudium, citando Santo Ambrósio: “A Eucaristia, embora constitua a plenitude da vida sacramental, não é um prêmio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos” [n. 47].
A postura de Weigel evidencia a arrogância do fariseu na sinagoga: “O fariseu, de pé, rezava assim no seu íntimo: ‘Ó Deus, eu te agradeço, porque não sou como os outros homens, que são ladrões, desonestos, adúlteros, nem como esse cobrador de impostos’” (Lucas 18,11).
Weigel acha que a graça pode vir ao encontro dele e de outros como ele, mas ele pode decretar de quem a graça não pode ir ao encontro. Ele parece não reconhecer que a graça age de maneiras misteriosas, que raramente vem em um instante, mas penetra gradualmente na alma humana. Ele deveria reler as observações do Papa Francisco na Gaudete et exultate:
“Quem se conforma a esta mentalidade pelagiana ou semipelagiana, embora fale da graça de Deus com discursos edulcorados, ‘no fundo, só confia nas suas próprias forças e sente-se superior aos outros por cumprir determinadas normas ou por ser irredutivelmente fiel a um certo estilo católico’. Quando alguns deles se dirigem aos frágeis, dizendo-lhes que se pode tudo com a graça de Deus, basicamente costumam transmitir a ideia de que tudo se pode com a vontade humana, como se esta fosse algo puro, perfeito, onipotente, a que se acrescenta a graça. Pretende-se ignorar que ‘nem todos podem tudo’, e que, nesta vida, as fragilidades humanas não são curadas, completamente e de uma vez por todas, pela graça. Em todo o caso, como ensinava Santo Agostinho, Deus convida-te a fazer o que podes e ‘a pedir o que não podes’; ou então a dizer humildemente ao Senhor: ‘Dai-me o que me ordenais e ordenai-me o que quiserdes’” [n. 49].
A comparação histórica é óbvia: a ameaça representada por Weigel hoje é semelhante à ameaça do jansenismo no século XVII. Ele está flertando com o cisma.
Em 1640, quando os colaboradores e discípulos do recém-falecido Cornelius Jansen publicaram seu livro “Augustinus”, eles não planejavam iniciar um cisma. Quando o colaborador de Jansen, o abade de Saint-Cyran, se tornou o diretor espiritual do mosteiro cisterciense de Port-Royal em 1634 e começou a implementar suas políticas devocionais para as freiras de lá, ele não pretendia iniciar um cisma. Eles também estavam convencidos de que estavam resgatando a Igreja da lassidão. Eles também tinham um talento especial para se fixar na pureza sexual como o indicador-chave da identidade católica.
A política e a teologia, então como agora, estavam totalmente misturadas. Alguns políticos do século XVII, principalmente o cardeal Richelieu, perceberam isso e, como Joseph Bergin explica em seu livro “Society, and Religious Change in France, 1580-1730” [Igreja, sociedade e mudança religiosa na França, 1580-1730], temeram que suas visões extremistas “se tornassem uma vida normal na sociedade leiga incompatível com a vida cristã, e que levaria os sujeitos a ela ao desespero total ou à retirada do mundo”. Graças a Deus, os nossos líderes governamentais não colocam e não podem colocar ninguém na prisão como Richelieu fez com Saint-Cyran!
Havia muitas questões teológicas profundas e difíceis em jogo no cisma jansenista. Curiosamente, a questão mais central à época, assim como ocorre com os jansenistas de hoje, tinha a ver com a recepção da Sagrada Comunhão. Os jansenistas, então como agora, estavam tentando limitar a liberdade de opinião aberta aos católicos – e os seus oponentes eram os jesuítas!
Bergin escreve que o Concílio de Trento, “na realidade, temia os perigos de fazer pronunciamentos definitivos sobre questões que permaneceram indecisas durante séculos”.
E acrescenta: “Seus decretos sobre questões fundamentais do pecado original, da liberdade da vontade humana e da predestinação à salvação ou condenação (...) foram compromissos que deixaram a porta aberta para novas discussões e, portanto, desacordos”.
Jansen queria fechar essa porta, assim como Weigel e, aparentemente, o grupo de trabalho dos bispos.
A Igreja Católica da França não pôde resolver o problema de jansenismo por conta própria. O Papa Clemente X, na bula Unigenitus de 1713, condenou 101 dogmas específicos do jansenismo. Demorou anos para a recepção da bula papal estar completa: ninguém menos do que um personagem como o cardeal Louis Antoine de Noailles, de Paris, abrigava inclinações jansenistas e só entregou sua submissão incondicional à bula pouco antes da sua morte em 1729, 16 anos após a promulgação do decreto papal. Esses anos intermediários foram um tempo de cisma funcional.
O jansenismo de hoje também só será resolvido com a intervenção da Santa Sé. Francisco deveria entender que existe um cisma funcional jansenista na Igreja e que isso infectou a hierarquia e o clero, assim como seu antecessor fez há 300 anos.
O furúnculo deve ser lancetado, e a cura não será rápida. É tolice pensar que somos imunes ao tipo de turbulência que afligia os católicos em tempos anteriores. Para o nosso horror, aprendemos que a democracia é mais frágil do que pensávamos. O mesmo acontece com a comunhão da Igreja de Jesus Cristo.
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Biden, a Comunhão e o cisma funcional na Igreja dos EUA. Um novo jansenismo? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU