20 Julho 2023
"Com o Threads tentando suplantar o Twitter, me encontro em outra encruzilhada, desesperado sobre se vale a pena pular de um barco para o outro ou simplesmente me afastar de tudo", escreve Daniel Horan, franciscano estadunidense, professor de Filosofia, Estudos Religiosos e Teologia no Saint Mary’s College, nos Estados Unidos, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 13-07-2023.
Com a chegada do novo aplicativo de mídia social Threads, pela Meta (empresa controladora do Facebook, Instagram e WhatsApp), muitos usuários do Twitter estão discernindo ativamente o futuro de seus envolvimentos com a plataforma que o magnata da tecnologia Elon Musk comprou por US$ 44 bilhões em 2022.
Até um ano atrás, seria impensável que outra empresa de tecnologia, mesmo uma tão grande e rica como a Meta ou a Google, poderia representar um desafio legítimo para o Twitter, embora algumas pequenas empresas tenham tentado. Mas com a compra aparentemente impulsiva do Twitter por Musk e que foi descrita como uma série de decisões e ações pessoais de seu novo proprietário, a outra plataforma importante e relevante se transformou em um espaço digital problemático, hostil e cada vez menos atraente.
Estou entre os milhões de usuários do Twitter que basicamente já cansaram de usar a plataforma. E não tenho certeza se quero ir para outro lugar ou deixar as redes sociais por completo.
Minha experiência nos últimos meses no Twitter ecoa as experiências de Natalie Kitroeff e Mike Isaac, jornalistas do New York Times, que, em um episódio recente do The Daily, discutem como o contexto do Twitter se tornou decepcionante e negativo: trolls e má-fé vozes proliferam, políticas que pressionaram os usuários a monetizar a plataforma azedaram o espírito orgânico do diálogo, e cortes de pessoal e más decisões administrativas afetaram a qualidade fundamental do serviço.
No ano passado, meses antes da compra do Twitter por Musk, desisti de todas as minhas contas de mídia social para a Quaresma. E como compartilhei nestas páginas, foi uma experiência em geral boa e que continua a ter impacto em meu relacionamento com o Twitter e outras plataformas. Ainda estou refletindo sobre o quanto quero ser engajado e se vale a pena permanecer nestes ambientes digitais.
Com o Threads tentando suplantar o Twitter, me encontro em outra encruzilhada, desesperado sobre se vale a pena pular de um barco para o outro ou simplesmente me afastar de tudo.
Por esta razão, voltei esta semana a um documento emitido em maio pelo Dicastério para a Comunicação intitulado “Rumo à presença plena: uma reflexão pastoral sobre a participação nas redes sociais”. É, na minha opinião, um dos melhores e mais úteis documentos publicados por um dicastério vaticano em algum momento.
Já de início o documento esclarece que vivemos numa época em que a maioria das pessoas não conseguirá evitar totalmente a “digitalização” das nossas sociedades.
O parágrafo de abertura observa: "Os progressos tecnológicos tornaram possíveis novos tipos de interações humanas. Com efeito, a questão já não é se, mas como devemos participar no mundo digital".
Esta questão, de "como" tem relação com o que Bento XVI chamou de "continente digital" ou o que este documento chama de "rodovias digitais", vai direto ao cerne do que muitas pessoas estão lutando neste momento. O documento é um exame de consciência útil, uma ferramenta útil que muitas pessoas de fé podem usar para ajudá-los em sua própria reflexão sobre como proceder com os envolvimentos das redes sociais neste momento de nossa história compartilhada.
Organizado em quatro partes, o texto traz observações e questionamentos pungentes para a reflexão sobre o que significa ser cristão no mundo digital e nas redes sociais hoje. Inspirando-se claramente na carta encíclica Fratelli Tutti, do Papa Francisco, publicada em 2020, o Dicastério para a Comunicação baseia-se na parábola do Bom Samaritano para enquadrar o texto.
A primeira parte concentra-se em algumas das armadilhas e desafios que enfrentamos nesta era digital, incluindo ameaças futuras que estão apenas começando a aparecer no horizonte, como a inteligência artificial.
Em vez de oferecer palestras pedantes que simplificam demais as realidades complexas em que todos vivemos e nos movemos hoje, o documento reconhece o cenário intrincado e complicado de maneira realista. Entre as armadilhas destacadas estão a divisão crescente e a polarização que surgem nas redes sociais por causa de câmaras de eco de nossa escolha, algoritmos projetados para nos manter nas plataformas e gatilhos destinados a amplificar a raiva e o ressentimento entre os grupos.
A conclusão desta seção inclui três questões relevantes para consideração:
A segunda seção nos convida a ir além de simplesmente reconhecer os desafios diante de nós e os algoritmos capitalistas e outras tecnologias que aumentam os perigos que experimentamos hoje, para nos tornarmos pessoas de encontro autêntico.
Aludindo à parábola do Bom Samaritano, o documento explica: “A parábola pode inspirar relacionamentos nas redes sociais, pois ilustra a possibilidade de um encontro profundamente significativo entre duas pessoas completamente estranhas”.
Encontrar estranhos, seja pessoalmente, seja on-line, não é uma coisa ruim nem é algo que devemos evitar. Mas como os encontramos é a chave, como a famosa parábola do Bom Samaritano explora.
O documento convida a nos engajar nas redes sociais de maneira mais profunda, reflexiva, atenta e gentil do que costumamos ser. Em vez de rejeitar, ignorar ou mesmo atacar o desconhecido "outro" ou estranho on-line, tentamos reconhecê-los como nossos irmãos no mundo?
O objetivo desta seção pode ser resumido pela simples pergunta feita a Jesus no Evangelho: "Quem é o meu próximo?" Na era digital, aqueles que encontramos on-line são incluídos tanto quanto o homem ferido à beira da estrada na parábola está no tempo de Jesus.
A terceira seção enfoca o próximo passo neste processo de engajamentos cristãos on-line, que parte do encontro autêntico com o estranho e busca construir uma comunidade genuína de indivíduos amados. Isso começa com conexões forjadas em plataformas digitais, mas deve retornar ao mundo físico corporificado. Podemos nos perguntar como o que fazemos e dizemos on-line se conectam ou se relacionam com a maneira como somos no chamado "mundo real".
Há também uma dimensão profundamente eucarística nesta seção, pois os autores do documento nos lembram que, como cristãos, somos chamados à comunhão uns com os outros à mesa, assim como Jesus fez em seu próprio ministério terreno. Não podemos simplesmente "viver on-line", mas também viver um com o outro em comunidade na carne.
Como afirma o documento: "A encarnação é importante para os cristãos. A Palavra de Deus tornou-se carne em um corpo, sofreu e morreu com seu corpo e voltou a ressurgir na Ressurreição do seu corpo".
Finalmente, o documento sugere algumas maneiras pelas quais podemos cultivar um estilo particular de comunidade que somos chamados a construir. Precisamente como cristãos, somos chamados a ser uma comunidade de amor, uma comunidade de narrativa, uma comunidade que cura e uma comunidade que dá testemunho ao Deus de Jesus Cristo no qual professamos acreditar e seguir.
Dito de forma simples, isso é particularmente desafiador em uma época marcada por tanta polarização e por meios de comunicação que muitas vezes fomentam o individualismo, o egoísmo, a ganância, a animosidade e a má-fé.
Quanto a mim, ainda não tenho certeza de qual é meu relacionamento de longo prazo com as redes sociais. Mas, enquanto continuo a viajar por essas "rodovias digitais", considerei este documento uma fonte útil de reflexão e discernimento.
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À medida que o Twitter mudou, como os cristãos devem proceder nas mídias sociais? Artigo de Daniel Horan - Instituto Humanitas Unisinos - IHU