22 Junho 2023
Segundo Juan Carlos Cruz, quem assinou o Responsum sobre a bênção de casais homossexuais não trabalha mais no Dicastério para a Doutrina da Fé. Um erro foi feito. Mas qual?
A reportagem é publicada por Il Sismógrafo, 20-06-2023.
Ainda nestes dias, como acontece periodicamente, voltou a amarelar a assinatura do Papa em um importante documento do Dicastério para a Doutrina da Fé. É o "Responsum da Congregação para a Doutrina da Fé a um dubium sobre a bênção de uniões de pessoas do mesmo sexo", publicado com a assinatura do prefeito cardeal Luis F. Ladaria, SJ, e do secretário, dom Giacomo Morandi, em 15-03-2021.
O Responsum, datado de 22-02-2021, festa da Cátedra de São Pedro Apóstolo, que na verdade não traz a assinatura gráfica do Papa Francisco, conclui com esta frase: "O Sumo Pontífice Francisco, no curso de uma Audiência concedida ao abaixo assinado Secretário desta Congregação, foi informado e deu seu assentimento à publicação do mencionado Responsum ad dubium, com a Nota explicativa anexa."
Poucas horas depois da publicação deste Responsum (Texto em sete idiomas), pelo qual o Papa recebeu muitas críticas, nos Estados Unidos, em círculos próximos a uma revista jesuíta americana, começaram a circular rumores de que o Papa Francisco não concordava com a resposta do Dicastério (Congregação) sobre o assunto, em suma, que não compartilhou o conteúdo do Responsum.
Nada de novo. Vozes idênticas foram amplificadas na noite do próprio dia em que foi publicado o Responsum. Em poucas horas, a versão segundo a qual o Papa discordava já circulava amplamente nos Estados Unidos, Itália e Argentina. Imediatamente pareceu uma operação orquestrada que buscava criar confusão, introduzir dúvidas, abafar as críticas e dar argumentos para apoiar o Papa Francisco.
Nada de novo. Coisas semelhantes aconteceram em outras passagens do pontificado, no caso de outras palavras ou frases, felizmente menos delicadas e importantes do que esta sobre uniões entre pessoas do mesmo sexo. [1]
Nestes casos - e em 10 anos houve inúmeros idênticos - no fim do jogo, porém, nenhuma autoridade jamais esclareceu nada e tudo permaneceu ambíguo, opaco e misterioso até a próxima onda, como a dessas horas, com a questão da bênção aos casais do mesmo sexo.
A mudez do Vaticano sempre foi inflexível e provavelmente será o mesmo agora.
Vamos tentar contar este último episódio. Há poucos dias, o Santo Padre enviou uma carta manuscrita, datada de 6 de maio, ao Pe. James Martin, famoso jesuíta americano, com a qual o Pontífice saudou os participantes do evento "Outreach LGBTQ Catholic Ministry Conference" (Fordham University, Nova York) realizado de 16 a 18 de junho. Bem, durante esta manifestação, o chileno Juan Carlos Cruz, membro da Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores e uma das três vítimas mais famosas do ex-padre pedófilo em série encoberto pela Igreja chilena por anos, Fernando Karadima, foi convidado para falar de sua amizade com o Papa Francisco. Em um discurso que durou mais de uma hora, Cruz disse:
“O Papa ficou muito triste quando a Congregação para a Doutrina da Fé publicou uma carta, que ele não assinou, afirmando que casais homossexuais não podem ser abençoados (...) Mas é preciso acreditar em mim (...) as pessoas que escreveram aquela carta já não trabalham na Congregação para a Doutrina da Fé" [aplausos].
Quem é a pessoa que, segundo o Santo Padre, não trabalha mais no Dicastério?
É claro que a referência diz respeito a D. Giacomo Morandi, que já não é secretário do Dicastério porque foi nomeado bispo de Reggio Emilia-Guastalla.
O que estamos dizendo é muito sério, muito sério mesmo. As coisas são lineares se o horizonte é a verdade.
Ou Juan Carlos Cruz está mentindo, abusando de sua relação pessoal com o Papa Francisco, relação sobre a qual contou em seu discurso que há cinco anos, todo dia 13 de agosto, comemora seu aniversário junto com Francisco e cada vez que encontra "Fanta Zero" na mesa que ele gosta.
Ou o Papa está mentindo?
Não há uma terceira via, a menos que você queira manipular o texto do Responsum para deslegitimá-lo.
A esta altura – mas certamente não haverá resposta – o Dicastério para a Doutrina da Fé deveria esclarecer estas dúvidas com outro Responsum:
- definitivamente o Papa autorizou ou não a publicação do documento que contém a proibição das bênçãos?
- pode a publicação de uma norma deste tipo ser autorizada e ao mesmo tempo negada como se nada tivesse acontecido?
- por que depois de dois anos, desde o início desta história, o Vaticano nunca esclareceu autorizando a circulação de mentiras doutrinárias com seu silêncio?
Esse assunto é sério, muito sério. O conteúdo pode ser discutido com opiniões diferentes.
Queremos apenas colocar o problema do método utilizado nesta ocasião e em outras, ou seja, a convivência na Igreja com verdades diversas e contraditórias.
Notas
[1] Na Itália, um jornalista querendo defender o Papa das duras críticas de alguns setores por ter autorizado este Responsum, chegou a insinuar que Francisco recebeu o documento no exato momento em que estava prestes a partir para o Iraque (5 a 8 de março de 2021) e, portanto, foi forçado a verificá-lo rapidamente.
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- A Igreja e as uniões do mesmo sexo: O Responsum e suas implicações pastorais. Artigo de Michael G. Lawler e Todd A. Salzman. Cadernos Teologia Pública, Nº 153
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Papa Francisco versus Papa Francisco? Sobre a proibição de bênção aos casais gays, eis a outra narrativa: o Pontífice não concorda - Instituto Humanitas Unisinos - IHU