24 Mai 2023
“As guerras sempre foram entre aspirantes a impérios. Quando todos estamos enredados em uma realidade global, qualquer ilusão imperial pode acabar em catástrofe. Enquanto isso, o planeta se torna inabitável e a violência e o medo permeiam nosso cotidiano”, escreve Manuel Castells, sociólogo espanhol, em artigo publicado por La Vanguardia, 20-05-2023. A tradução é do Cepat.
Quando a União Soviética se desintegrou, sem motivo aparente, ideólogos estadunidenses proclamaram o “fim da história”. Restava apenas um império, o seu, que era um hegemon benevolente, preservando a paz no mundo.
O sonho durou pouco. Veio a Guerra dos Balcãs, que seguiu à provocada divisão da Iugoslávia. E se aproveitaram da estupidez de Saddam Hussein para ir à Guerra do Golfo e, pouco depois, invadir o Afeganistão (em resposta ao bárbaro ataque terrorista de Bin Laden, em Nova York) e o Iraque com mentiras. Resultado: após longos e sangrentos anos de guerra, o Iraque foi desestabilizado e a maioria xiita, com suas milícias pró-iranianas, governa hoje o Iraque. Ao passo que no Afeganistão, depois de vinte anos, nós, ocidentais, procedemos com uma retirada caótica, deixando as mulheres afegãs abandonadas à sua sorte sob o domínio dos talibãs. Custoso e torpe império.
Pior está indo o sonho neoimperial de Putin, emulador de Pedro, o Grande, que faz um papel ridículo, apesar de seu arsenal de mísseis e drones, contra uma Ucrânia armada e treinada pela OTAN, mas que não é exatamente uma potência militar. Os ucranianos se sustentam por sua coragem e determinação, enquanto os russos de bem fogem do país ou se escondem do recrutamento porque não veem sentido nessa guerra atroz entre irmãos eslavos.
Putin acreditava em um desfile militar de suas legiões de tanques apoiado pela superioridade aérea, invocando a Grande Guerra Patriótica. Contudo, os tempos mudaram. Os russos invadem quem não os invadiu e ainda que houvesse uma corrente neonazista na Revolução da Maidan, os ucranianos defendem sua terra e suas famílias e sofrem bombardeios diários. Enquanto isso, a mais eficiente força de combate russa é um bando de mercenários que aterrorizam as pessoas onde quer que vão (África, por exemplo) por um punhado de dólares ou pelo perdão de suas condenações, manchando a memória do Exército Vermelho.
A outra potência proto-imperial, a China, estava tranquila fazendo negócios e estabelecendo sua influência econômica e tecnológica no mundo, quando começou a sofrer as investidas ideológicas dos Estados Unidos, provocando assim uma nova guerra fria. O princípio de legitimação da China é o nacionalismo, mais do que o comunismo. É a rejeição na população a qualquer supremacia estrangeira. E, portanto, o Governo usa seu novo poder para evitar que os Estados Unidos inflijam seus desígnios. E ainda que sempre tenham dito que Taiwan acabaria se reunificando, também não seria imediato.
Agora, quem sabe? Não há possibilidade de um império dominante neste mundo, apesar da superioridade militar estadunidense, que está limitada pela capacidade nuclear da Rússia e China. E seu mastim de ataque, a Coreia do Norte, que pode lançar a primeira onda de mísseis. As guerras sempre foram entre aspirantes a impérios. Quando todos estamos enredados em uma realidade global, qualquer ilusão imperial pode acabar em catástrofe. Enquanto isso, o planeta se torna inabitável e a violência e o medo permeiam nosso cotidiano.
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Mortíferos impérios de papel. Artigo de Manuel Castells - Instituto Humanitas Unisinos - IHU