11 Abril 2023
"O instinto nos leva a não acreditar que seja possível um diálogo com aqueles que romperam a coexistência pacífica europeia. Uma reflexão mais lúcida e pragmática nos convida a fazer o contrário. Por mais agressiva e ideológica que seja, a liderança russa não pode se permitir uma guerra sem fim que, a longo prazo, irá sangrar o país, assim como não pode se permitir tal guerra a União Europeia", escreve o cientista político italiano Mario Giro, professor de Relações Internacionais na Universidade para Estrangeiros de Perúgia, na Itália, em artigo publicado por Domani, 05-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Enquanto continua uma escalada lenta, mas aparentemente inexorável (Finlândia na OTAN contra mísseis Iskander na Bielo-Rússia), o secretário-geral da aliança atlântica, Jens Stoltenberg, declara: “Não sabemos quando esta guerra vai acabar, mas quando acabar teremos que estruturar arranjos para que a história não se repita".
Abandonando por uma vez a retórica da vitória e o anúncio de iminentes ofensivas decisivas, Stoltenberg reconhece dois fatos: a guerra pode se tornar eterna; ainda não há garantias para que isso não se repita. Nas palavras do mais alto representante da OTAN, faltam duas razões caras aos que apoiam a guerra sem fim: a convicção de que a Rússia possa ser vencida (mais ou menos rapidamente); que tal vitória seria necessária para não haver repetição da agressão.
Quem em vez disso, sustenta que a negociação deve ser tentada, considera que somente a negociação pode representar uma garantia realista.
Entre essas duas posições – ambas baseadas na aliança com Kiev e no apoio à sua resistência – o debate está em pleno andamento. Não se trata de pacifismo, mas de realismo geopolítico: procurar a melhor solução (alguns a chamam de paz justa) não apenas para o conflito, mas também para o futuro arranjo de segurança na Europa.
Em outras palavras: o que melhor pode nos garantir uma paz estável, contendo ao mesmo tempo (pelo mais longo tempo possível) a possibilidade de um estado agredir outro? Essa pergunta pode ser respondida de duas maneiras: pela força ou pelo acordo. A primeira forma é aquela clássica e antiga, já tinha sido codificada pelos romanos: si vis pacem para bellum.
A segunda também é antiga, mas menos utilizada: a paz se preserva com negociações que estabeleçam regras, limites a se ater.
Qualquer tipo de acordo pode ser quebrado, mas certamente um balanço das forças resulta sempre muito mais instável. No presente caso, a única verdadeira garantia realista que temos é reconstruir uma ordem negociada com a Rússia, em que a Europa (re)encontre a sua segurança.
O problema com o conflito em andamento é que tais raciocínios se misturam com reações devidas à agressão russa. Depois do 24 de fevereiro é difícil pensar em negociar com quem desencadeou esta guerra é quase impossível acreditar que é com Moscou que deve ser reconstruída uma arquitetura de segurança para o futuro comum. Consequentemente, se volta para trás e se releem as várias fases da história contemporânea pós-guerra fria, através das lentes da agressão, como se o conflito tivesse sido planejado em Moscou muito tempo antes. O resultado é uma impressão generalizada de guerra inevitável, para alguns até de plano estratégico posto em ato desde 1991.
Os historiadores nos explicarão no futuro que não existe inevitabilidade e as decisões podem ter concatenamentos, mas nunca se reduzir a mecânicos automatismos não controláveis pelo homem. A política é uma arte prática que se mede todos os dias com a realidade e é moldada por ela. Porém um véu de forte desconfiança e ceticismo cobre todo raciocínio e acaba se voltando para trás, pensando que só a força pode nos garantir uma paz estável.
O instinto nos leva a não acreditar que seja possível um diálogo com aqueles que romperam a coexistência pacífica europeia. Uma reflexão mais lúcida e pragmática nos convida a fazer o contrário. Por mais agressiva e ideológica que seja, a liderança russa não pode se permitir uma guerra sem fim que, a longo prazo, irá sangrar o país, assim como não pode se permitir tal guerra a União Europeia.
Acima de tudo, a Ucrânia não pode suportá-la por muito tempo, pois está perdendo uma geração inteira de homens (e também muitas mulheres) e está sofrendo uma hemorragia humana e material pesadíssima.
Não vamos nos deixar deslumbrar pela retórica e pela propaganda: o pós-guerra será muito duro. O fato do próprio secretário-geral da OTAN dizer que não sabemos quanto tempo vai durar o conflito, também significa que nenhuma vitória é garantida apenas pelo envio de mais armas.
A história ensina que toda guerra - especialmente com a Rússia - tem aspectos indecifráveis e leva a possíveis mudanças de destino: nada é garantido. Temos diante de nossos olhos demasiados exemplos de guerras inicialmente vencedoras, mas depois perdidas devido ao desgaste ou exaustão. Especialmente quando a estratégia e os objetivos permanecem ilusórios ou até mesmo ausentes. Quais poderiam ser os “arranjos” de que fala Stoltenberg para conter a Rússia? No nevoeiro da guerra se pode entrever o aparecimento do monstro da arma nuclear, cada vez mais banalizada como "arma mais poderosa". Realmente é isso o que poderá nos garantir e proteger as gerações futuras?
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A guerra infinita não convém a ninguém. Artigo de Mario Giro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU