15 Mai 2023
Para o filósofo Baptiste Morizot, só há uma maneira de preservar a habitabilidade na Terra e os meios de subsistência da vida humana: fazer alianças com os não humanos.
Baptiste Morizot é filósofo. Na esteira de Philippe Descola e Bruno Latour, ele defende o estabelecimento de novas relações entre os humanos e os demais seres vivos. Ele também está envolvido com o movimento Les Soulèvements de la Terre (Revoltas da Terra). É autor de, entre outras obras de destaque, L'Inexploré (O inexplorado), que acaba de publicar pela editora Wildproject.
A entrevista é de Hervé Kempf, publicada por Reporterre, 11-05-2023. A tradução é do Cepat.
O que significa fazer uma aliança, por exemplo, com os castores?
Na área cultural indígena ameríndia, a ideia de aliança com os seres vivos não humanos é onipresente. Entre nós, na tradição moderna, durante alguns séculos, esta ideia foi ridicularizada, porque consideramos que só podemos fazer uma aliança com criaturas dotadas de racionalidade, que podem fazer um contrato. Entretanto, há uma capacidade dos seres vivos de agirem sobre o mundo de forma a favorecer sua habitabilidade. As plantas, os polinizadores, a fauna dos solos e as minhocas tornam a terra habitável.
Torna-se assim urgente pensar que não estamos mais numa situação em que podemos tirar proveito do que eles fazem tomando-os como dados, explorando-os e destruindo-os, para passar a explorar outro estilo de relação em que possamos fazer alianças com eles, reconhecendo a importância de sua ação e valorizando-a. Por exemplo, podemos fazer uma aliança com o castor favorecendo sua presença e seus efeitos curativos no meio ambiente e inspirando-nos em sua capacidade de reidratar os continentes.
Mas, ao contrário de um serviço ecossistêmico, uma aliança não será feita entre os humanos em geral (ou seja, na verdade, a economia dominante) e os castores, mas entre eles e os usos da terra que sejam sustentáveis. Por exemplo, os camponeses da policultura, criadores que têm uma relação madura com a água, a irrigação, a terra, podem fazer essas alianças com animais não humanos contra a agricultura industrial, cujas formas, que se tornaram delirantes, são dramáticas tanto para os ambientes vivos quanto para os humanos.
Na ideia de aliança há a ideia de reciprocidade e de adversidade: um a favor e outro contra. Ou seja, não vamos simplesmente nos beneficiar da ação de um ser vivo, dos polinizadores ou dos castores, mas vamos transformar nossos usos da terra para que sejam compatíveis com as demandas e as dinâmicas da vida.
Mas como estabelecer relações com seres que não são dotados de consciência como os humanos?
Não vamos assinar um acordo com um castor sobre o tamanho das barragens; nada de excêntrico ou de místico. Mas, na geopolítica, há um nome para as alianças sem intenções, são as “alianças objetivas”. Quando dois coletivos têm objetivos comuns, são interdependentes ou se reforçam, e têm os mesmos adversários, mesmo sem chegar a um acordo voluntário.
Quem, por exemplo?
Na teoria política da esquerda, podem ser os estudantes e o movimento trabalhista em algumas situações. E o desafio é que mesmo que essas alianças não sejam divulgadas como tais, elas existem e devemos ampliá-las e fazer-lhes justiça. Por exemplo, alguns agricultores que renunciaram a insumos fitossanitários estão em formas de aliança com os insetos, pois se beneficiam da atividade dos polinizadores. E, simultaneamente, essas práticas humanas promovem a prosperidade e a expansão das populações de polinizadores.
Isso permite imaginar uma sociedade em que nós humanos renunciamos ao monopólio absoluto de desenvolver a Terra. Na verdade, nossas sociedades já são feitas de alianças danificadas com as forças da natureza vulneráveis, mas insubstituíveis.
Não podemos provar que as formigas ou as minhocas têm consciência, então deduzimos que não têm. Como você resolve este problema?
A consciência é um problema secundário na ecologia política. Serviu principalmente para o pensamento moderno desvalorizar os outros seres que não são humanos na matéria, porque não têm o mesmo espírito que nós. Mas os seres vivos, mesmo que não tenham uma consciência como a nossa ou uma inteligência racional idêntica à nossa, passam o tempo todo agindo sobre o mundo de modo a torná-lo habitável. Ao longo de quatro bilhões de anos, a vida organizou o mundo para a vida. Com uma inventividade de que nós somos incapazes e de cujos dons desfrutamos todos os dias. Portanto, qualquer condescendência é absurda.
Em vez de falar de consciência, você escreve que os não humanos “se comportam”. O que exatamente quer dizer com isso?
É necessário encontrar conceitos que abrem muito mais o leque de possibilidades do que aquele da consciência dos poderes das outras formas de vida. A de “se comportar” permite sair da oposição entre sujeito e objeto, reconhecer a diversidade da inventividade dos seres vivos e a importância de seu papel para tornar a Terra habitável.
Como começar a restabelecer este vínculo com esta extraordinária vida na Terra, mas que se encontra em uma crise tão profunda?
A crise ecológica contemporânea é antes de tudo uma crise da economia extrativista, da deriva da globalização capitalista, como sabemos. É também uma crise das diversidades do mundo vivo. E, finalmente, é uma crise da nossa relação com a própria vida.
Nós herdamos uma concepção da vida na Terra como algo passivo, baseada no modelo de uma espécie de catedral que estaria sujeita à entropia e que deveria ser reparada o tempo todo, como uma lista de espécies inertes e vulneráveis que devem ser protegidas a qualquer custo. Este é um equívoco. A vida na Terra se organiza, se recria, se reconstitui, se regenera e, consequentemente, é aliada de primeira ordem quando se trata de proteger a habitabilidade deste mundo. Porque assim que lutamos contra as forças da destruição, a vida tem uma capacidade espontânea de recomeçar, de se propagar, de irradiar.
E isso permite imaginar um caminho de ação: não devemos acreditar que cuidamos de uma coisinha frágil, mas, ao contrário, devemos reavivar as potencialidades, as dinâmicas, as capacidades da vida de se curar assim que deixarmos de maltratá-la.
O que fazer diante da violência que sofrem aqueles que agem dessa maneira?
É fascinante ver o caráter multifacetado das violências e das repressões mobilizadas contra o movimento social e o movimento ambientalista. Estou intrigado com a palavra do ministro do Interior, que acusa de terrorismo intelectual todos os pensamentos que apoiam os movimentos ecológicos e sociais. Entre os conservadores, o terrorista é o arquétipo do radicalismo e do excesso. No entanto, os movimentos ecológicos e sociais não são vivenciados como excessivos, mas como o arquétipo do bom senso. É o campo oposto que não tem mais bom senso e que se tornou perfeitamente irracional.
Quais políticas de aliança com os não humanos você imagina?
Em toda a área cultural ameríndia, a ideia de aliança com lugares, populações de não humanos, espécies é onipresente e faz parte da gama de relações políticas. Podemos levar esse tipo de pensamento a sério e interpretá-lo literalmente. Devemos imaginar outro espaço de relação com os seres vivos e revalorizá-lo, restituir-lhe importância. Eu chamo isso no meu livro de alterpolítica. Política porque, na tradição moderna, o espaço das relações políticas é o espaço das relações mais valorizado. Mas alterpolítica, porque obviamente é uma política diferente daquela que mantemos entre os humanos.
Você poderia explicar como os seres vivos também fazem alianças uns com os outros, independentemente dos humanos?
As relações mutualísticas — que são mutuamente benéficas — são onipresentes nos seres vivos: entre a vespa e a orquídea, um polinizador e sua polinizada, etc. Na verdade, a depredação não é a interação dominante nos seres vivos. Ao lado dela, existem simbioses, mutualismos, facilitações, uma série de relações coevolutivas que formam uma imagem muito melhor do que são os seres vivos.
Os seres vivos formam relações complexas, ambivalentes, que ora podem envolver oposições, ora antagonismos, ora mutualismos. Isso nos permite imaginar de maneira diferente a rica gama de relações que podemos ter com o resto da vida.
Você não quer se desligar completamente da tradição europeia de humanismo. Você defende um “humanismo relacional”. O que é isso?
Apesar das nossas errâncias e toxicidades, há coisas magníficas na nossa herança moderna, na relação com o conhecimento, nas formas políticas e jurídicas que moldamos. O problema é fazer concessões: herdar com inteligência. Quando pensamos a humanidade não como uma entidade separada e superior, mas de forma relacional, como um nódulo de relações com o resto do mundo vivo, reassumir a bandeira da defesa dos seres humanos favorece a manutenção das relações constitutivas entre os humanos e o resto do mundo vivo.
A rejeição total do humanismo em nome de seu antropocentrismo é, a meu ver, um esnobismo do ambientalismo. É mais correto pensar de maneira diferente na humanidade do que jogar fora o bebê humanista junto com a água do banho. Quando olhamos para a intensidade das violências que os seres humanos vivem hoje em todo o mundo, acredito que seria razoável manter alguns dos legados que nos ordenam a não ceder às piores inclinações da humanidade.
No livro L'Inexploré, você fala do prodigioso sentimento de incerteza que tomou conta de nós. O que é essa incerteza?
Este livro é uma tentativa de explorar uma situação profundamente complexa que considero angustiante e incerta. Estamos em um momento crucial da nossa relação com o mundo vivo e o mundo humano, que é análogo ao que foi o Renascimento ou o Iluminismo. Os quadros de pensamento que herdamos desmoronaram e estamos prestes a inventar novas relações com o mundo vivo, uma nova compreensão do que chamamos de natureza, uma nova forma de pensar a ação técnica que nos permite viver de forma sustentável na Terra.
Ainda não dispomos dos conceitos de que precisamos para isso. E, ao mesmo tempo, as forças da destruição são mais fortes do que nunca e não abrem mão do seu monopólio. O sentimento de urgência não favorece o pensamento, mas as certezas.
Como manter unida a necessidade de agir agora, de transformar nossas práticas, de lutar para que os legados destrutivos da modernidade percam sua hegemonia, aceitando honestamente que não sabemos onde estamos e que não temos certeza de para onde vamos? É um apelo a não ceder ao dogmatismo: a se comprometer com força, mas sem precisar acreditar que sabemos com clareza onde estão os bons e os maus. É da grande acrobacia interior que precisamos. Quanta incerteza uma mente pode suportar sem renunciar à ação? Isso pode ser sabedoria do futuro.
O conceito de colapso lhe diz algo?
Não. A metáfora do colapso é uma metáfora arquitetônica que considera a sociedade humana como um edifício, que o colapso transformará em ruínas fumegantes. Mas o que significa sobreviver depois que tudo desmoronou? A meu ver, o diagnóstico relevante para pensar como será o século XXI na Europa Ocidental é antes uma espécie de desintegração, de enfraquecimento generalizado dos modos de subsistência e das instituições.
Se você pensar em termos de colapso, não há nada para defender. No entanto, o século XXI exige de nós que, ao contrário, diante do risco de um governo de extrema-direita, nos empenhemos em proteger as instituições, especialmente aquelas dos contrapoderes que vão impedir que poderes iliberais ou autoritários destruam nossas formas democráticas. Do mesmo modo, as instituições de proteção social, pensões, segurança social, absolutamente merecem ser protegidas justamente para enfrentar de forma solidária as mudanças que virão.
Ao mesmo tempo, não estamos em estado de catástrofe ecológica dada a rapidez com que os seres vivos são perturbados?
O conceito de perturbação é muito relevante para substituir o conceito de colapso relativo ao mundo vivo. É um conceito que tem uma história na ecologia científica. Um ecossistema não entra em colapso como um edifício que desaba, porque um ecossistema é uma realidade autônoma, ativa, que se organiza e se reorganiza.
Quando destruímos um ecossistema, o perturbamos, ou seja, transformamos radicalmente as relações ecológicas que o animam. O que isso significa para nós? Ao perturbar um ecossistema, por exemplo, o ecossistema que envolve os insetos em ambientes agrícolas, perturbamos as relações de aliança que nos permitiram fazer agricultura. A originalidade de uma perturbação é que não é uma destruição total, mas uma reorientação de fluxos e energias. Mesmo sem entrar em colapso, podemos ser perturbados.
E se nós, humanos, nos aliarmos aos não humanos nesses ecossistemas perturbados, talvez a forma como nossos estilos de vida serão transformados nos permitirá continuar a subsistir.
É uma parte essencial. Uma possibilidade da filosofia é ser uma maiêutica, ou seja, uma prática de parir: dar à luz a inteligência já presente em todas as práticas humanas, por exemplo no campesinato, na silvicultura, na hidrologia...
No Drôme, vejo que existe essa inteligência das práticas; as alianças que são ativadas permitem imaginar formas agrícolas que são alternativas muito poderosas às formas dominantes. E dão esperança para manter as possibilidades de uma vida humana próspera, não no sentido do crescimento, mas no sentido de uma vida digna de ser vivida.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“Os seres vivos não são coisinhas frágeis, mas aliados”. Entrevista com Baptiste Morizot - Instituto Humanitas Unisinos - IHU