08 Mai 2023
A sinodalidade espera abordar, mais do que a doutrina, a patologia da “doença comunicativa”. No fundo, é a ideia básica da “escuta sinodal” – que devemos prestar mais atenção ao que as outras pessoas dizem do que às nossas próprias suposições. Caso contrário, estamos praticando uma “escuta desconectada”.
O comentário é de Curtis McKenzie, doutorando em Teologia na Fordham University, nos Estados Unidos, subdiácono da Igreja Ucraniana Greco-Católica e membro da Companhia de Jesus. O artigo foi publicado por Sapientia, 05-05-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quando ouvimos o nome Alan Alda, muitos de nós ainda pensam em seu papel como o capitão Benjamin Franklin “Hawkeye” Pierce, o engraçado cirurgião da comédia dramática M*A*S*H, sobre a Guerra da Coreia dos anos 1970. Poucos de nós pensam no Alda que cresceu no Bronx. Ou que seu diploma de Artes Liberais foi obtido sob os auspícios dos jesuítas da Fordham.
De fato, nesse ponto, a maioria das pessoas pode estar mais familiarizada com Alan Alda como o autor do best-seller “If I Understood You, Would I Have This Look on My Face?” [Se eu o entendesse, estaria fazendo esta cara?], de 2018. O subtítulo é “Minhas aventuras na arte e na ciência de se relacionar e de comunicar”, e o impulso do livro é como comunicar melhor ideias complexas e fomentar o entendimento e relações mais sólidas.
“Se eu o entendesse, estaria fazendo esta cara?”, em tradução livre (Foto: Divulgação)
O foco principal de Alda é o avanço do conhecimento científico. Mas ele pode ser o professor de que a Igreja Católica precisa hoje, enquanto tentamos mergulhar na prática da sinodalidade – um termo que Alda provavelmente nunca ouviu falar, apesar de sua boa-fé na Fordham. Para ser honesto, até mesmo os católicos mais devotos estão tentando descobrir o que significa a sinodalidade.
É aqui que entra Alan Alda. Comunicar ideias científicas é um desafio semelhante ao levantado pelo processo sinodal na Igreja. Trata-se de esclarecer uma paisagem que, caso contrário, seria confusa. Como diz Alda, “as pessoas estão morrendo porque não conseguimos nos comunicar de uma forma que nos permita nos entendermos uns aos outros”.
No caso da sinodalidade, nada é mais desafiador ou importante do que a comunicação necessária para desemaranhar uma ideia religiosa complicada – particularmente aquela que ainda busca uma epistemologia definitiva para explicar seu amplo querigma, a proclamação do Evangelho.
Na verdade, a sinodalidade não é apenas uma nova linguagem, mas também uma esperança para resolver aquilo que Alan Alda chama de “desengajamento” [disengagement]. Como afirma Alda, “desengajamento significa estar separado da pessoa que esperamos que nos entenda”. É como a experiência de Alda em seus primeiros dias na série da PBS “Scientific American Frontiers”. Ele tinha que atrair uma audiência, que ficasse ligada para entender conceitos complexos. Por causa disso, Alda teve que primeiro entender por que as pessoas poderiam trocar de canal ou, em termos congregacionais, por que poderiam ir embora. Para Alda, é como ver clientes e funcionários se dirigirem para a saída até que só reste a gerência. Se a gerência é científica ou clerical, isso realmente não importa.
Alda nos conta por que comunicar parece tão difícil – a saber, diz ele, “nós tendemos a perder o ingrediente fundamental da comunicação: a empatia”. Para Alda, “empatia é aprender a reconhecer o que a outra pessoa está pensando e sentindo”. Isso é mais do que a capacidade de ouvir. É saber reagir de forma a nos abrirmos à outra pessoa. Temos que nos sintonizar com ela, nos engajar com ela em uma dança de ideias, e isso pode nos levar a direções desconhecidas.
A questão é que a empatia é como a sinodalidade: significa que caminhamos juntos.
O Papa Francisco espera essa “junção”. Ele continua convidando as lideranças da Igreja para um caminho juntos. Para mudarem juntas. Para alguns, isso significa expandir o papel das mulheres. Para outros, é uma esperada revisão do sacerdócio e do episcopado históricos. E, para muitos, é ter mais clareza sobre as pessoas que se identificam como LGBTQIA. De fato, a participação ou inclusão pode ser a linha de falha mais significativa atualmente na Igreja. Suspeito que deixar isso sem resposta desencadearia um eventual cisma.
Mas o que a sinodalidade espera abordar, mais do que a doutrina, é a patologia da “doença comunicativa”. Em suma, geralmente assumimos que sabemos mais do que a outra pessoa. Como escreveu certa vez o analista junguiano James Hollis, “todas as gerações são seduzidas pelo antropocentrismo. Tendemos a defender a nossa visão do mundo como superior à dos outros”.
Parte da nossa realidade contemporânea é que vivemos em uma cultura que descartou os mapas míticos. São os mapas que uma vez nos ajudaram a localizar quem somos em um contexto maior. “Sem essas visões tribais dos deuses e sua rede espiritual, os indivíduos são deixados vagando à deriva. Muitas vezes sem orientação, modelos ou ajuda nas várias etapas da vida”, escreve Hollis.
A sinodalidade espera consertar isso, pelo menos de alguma forma. No fundo, é a ideia básica da “escuta sinodal” – que devemos prestar mais atenção ao que as outras pessoas dizem do que às nossas próprias suposições. Caso contrário, estamos praticando uma “escuta desconectada”.
Como diz Alda, “em nossa mente, dizemos a nós mesmos que estamos nos relacionando. Mas, na verdade, estamos apenas esperando que a outra pessoa termine de falar”. Tomando emprestada uma analogia de Alda, seria um erro pensar que a sinodalidade é a cereja que o papa espera colocar no bolo. Não é. É o próprio bolo!
Essa metáfora do bolo lança alguma luz sobre a intuição do Papa Francisco. O papa acredita que a sinodalidade se tornará “o elemento constitutivo da Igreja para o próximo milênio”. Não porque a sinodalidade seja fácil. Pelo contrário, Francisco está fomentando a sinodalidade devido a uma ideia básica implantada na sinodalidade. Trata-se da prática de “estar tão atento à outra pessoa que, mesmo que você esteja de costas para ela, você a está observando”, de acordo com Alda. Como ele afirma, esse tipo de relação envolve “deixar tudo se infiltrar em você, de tal forma que tenha um efeito sobre como você responde à outra pessoa”.
Alguns podem argumentar que esse tipo de sinodalidade é apenas encenação e faz-de-conta. Afinal, os sínodos e a sinodalidade não são ideias novas. De fato, os sínodos e os concílios têm sido parte da Igreja desde os primeiros tempos do cristianismo e especialmente entre as Igrejas históricas do Oriente.
Mas eles realmente mudarão alguma coisa? Será que alguma coisa “acontecerá”, como eles dizem? Como afirma Alda, “existe uma diferença entre planejar como se comportar, que é a encenação, e encontrar a nossa relação nos olhos de outra pessoa, que é a vida”. Em sua essência, a sinodalidade é responder um ao outro. De fato, a sinodalidade insinua que estamos dispostos a ser mudados pela outra pessoa. “Se eu escuto – aberta, ingênua e inocentemente – há uma chance, possivelmente a única chance, de que um verdadeiro diálogo e uma comunicação real ocorram entre nós”, escreve Alda.
Quando isso ocorre, as rodas de escuta deixam de ser entrevistas e se transformam em conversas. São lugares onde podemos entrar armados apenas com a nossa curiosidade e a nossa ignorância natural. Esse tipo de escuta se torna contagioso. Como resultado, a curiosidade genuína nos posiciona a querer entender a outra pessoa. Isso inclui seu trabalho, sua vida e suas crenças. Tudo isso nos afasta dos perigos da formalidade e dos jargões que nos impedem de nos relacionarmos. Ou seja, paramos com a linguagem enigmática que rompe os laços humanos, quase que imediatamente.
Obviamente, os jargões nem sempre são ruins. Como explica Alda, “está tudo bem com os jargões, desde que as pessoas com quem estamos conversando saibam exatamente o que queremos dizer. Mas muitas vezes não compartilhamos o mesmo vocabulário técnico”. Esquecemos que a outra pessoa é um parceiro crucial na relação. “É como tomar emprestada a mecânica da improvisação”, diz Alda. Se houver um solavanco na conversa sinodal, devemos nos relacionar com esses solavancos em vez de ignorá-los. Os solavancos devem ser reconhecidos e servir de base.
Como observa Alda, “a comunicação não ocorre porque contamos algo a alguém”. A comunicação ocorre quando observamos a outra pessoa. Ou seja, rastreamos sua capacidade de seguir o que estamos compartilhando. Isso ocorre porque a sinodalidade, assim como a comunicação, é uma experiência de grupo. Temos que nos sentir confortáveis com a presença uns dos outros e nos relacionar de maneira pessoal.
De fato, não há sinodalidade sem comunicação. Mas ouvir uma boa comunicação não é suficiente. É preciso treinamento para aprendermos a nos comunicar e a ser sinodais. “Durante toda a minha vida eu tenho ouvido bons pianistas e ainda não sei tocar piano”, como afirma Alda, com seu humor característico.
Agora, uma crítica justa é que eu não disse a vocês o que é ou não sinodalidade. Nem quais problemas ela resolverá ou não. Para um jesuíta, abster-se de dar uma opinião parece incomum. Se eu tivesse que escolher uma metáfora concisa para explicar a sinodalidade aos meus amigos, eu tomaria emprestada uma ideia de Alda: que a sinodalidade é um pouco como uma “discussão encantadora entre dois cavalos, amarrados um ao outro, puxando em direções opostas e ressentindo-se da influência do outro”.
Infelizmente, a sinodalidade ainda não é o diálogo que já foi uma vez e que agora espera ser. Ainda é preciso trabalhar. Mas por quê?
Por uma série de razões, o coração e a mente da Igreja muitas vezes lutam para trabalhar juntos para resolver conflitos. É como tentar negociar um tratado de paz entre a emoção (coração) e a razão (mente), em que nenhum dos dois lados pode ganhar ou perder. A sinodalidade nos pede para fazer o mesmo e evitar o antagonismo. Temos que aceitar que estaremos envolvidos em uma espécie de colaboração confusa.
Como escreve Alda, “temos que estar abertos à possibilidade de que a experiência possa muito bem emergir com a conclusão de que nenhum dos lados está certo. Poderíamos descobrir outro mecanismo que ninguém havia pensado ainda”.
Nesse sentido, estou menos interessado nos resultados – não que eles não importem. Por enquanto, estou mais interessado em saber se a sinodalidade pode nos levar a nos comunicar. Como aprendi na formação jesuíta, a comunicação é tanto um “meio” quanto um “fim”. O meio pelo qual louvamos, reverenciamos e servimos a Deus para salvar as nossas almas está ligado a um fim provisório nesta vida: a sinodalidade.
Assim como na vida, a sinodalidade evoluirá de tempos em tempos. Às vezes, ficaremos felizes com a forma como ela avança, às vezes não. É como a diferença apontada por Alda entre praticar piano e se tornar um pianista. A prática é o meio, não o fim. Mas ouvir durante a prática significa que ouvimos música, não apenas barulho.
A minha oração é que a sinodalidade seja aquilo que o povo de Deus espera que ela seja. Será que a sinodalidade poderia ser a próxima introdução para fazer uma escolha por um bom estilo de vida na Igreja? Veremos. Mesmo que não fosse para a Igreja como um todo, pelo menos poderia ser para as pessoas que rondam a sua porta. As pessoas que estão paradas ali e que se perguntam se devem ficar ou ir embora. Eu diria: “Entrem! Está uma bagunça aqui. Somos como uma tropa de cavalos amarrados, tentando descobrir o que fazer. Mas vamos descobrir!”.
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Se eu entendesse o que é sinodalidade, estaria fazendo esta cara? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU