09 Março 2023
Ao longo de seu papado de uma década, o Papa Francisco revigorou as relações católico-muçulmanas por meio de amizades autênticas e um foco em preocupações compartilhadas, disseram dois especialistas em assuntos inter-religiosos.
A reportagem é de Gina Christian, publicada por The Tablet, 07-03-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Acho que, de muitas maneiras, ele trouxe uma nova vida e uma lufada de ar fresco para o diálogo muçulmano-católico”, disse o Imã Saffet A. Catovic, gerente de programas e chefe do Escritório de Alianças Inter-Religiosas e Comunitárias e de Relações Governamentais da Sociedade Islâmica da América do Norte.
“Estamos envolvidos formalmente com a Conferência dos Bispos dos Estados Unidos desde 1996, e o papa deu um novo ímpeto às conversas que estão ocorrendo.”
Papa Francisco cumprimenta um líder religioso muçulmano durante um encontro em frente ao Coliseu, em Roma, em 7 de outubro de 2021. O encontro foi realizado para implorar e rezar pela paz (Foto: Catholic News Service)
“Tenho uma percepção muito positiva do papa”, disse Mehnaz M. Afridi, professora de Estudos Religiosos e diretor do Holocaust, Genocide and Interfaith Center do Manhattan College, em Nova York. “Ele está usando o ensino cristão para abrir as mentes cristãs em todo o mundo para olharem para os imigrantes recentes da Síria, Iraque e Afeganistão como parte do gesto de ir ao encontro do outro. Isso tem sido um grande impulso.”
Desde o início de seu papado, o Papa Francisco priorizou ir ao encontro dos muçulmanos: em março de 2013, ele lavou os pés de dois adolescentes muçulmanos como parte de uma missa da Quinta-Feira Santa que ele celebrou em um centro de detenção para jovens na Itália. Ele repetiu o gesto em 2016, lavando os pés de vários imigrantes muçulmanos em um centro para requerentes de asilo nos arredores de Roma.
“Isso mostrou uma certa humildade, graça e aceitação”, disse Afridi.
Após sua eleição, o Papa Francisco também trouxe consigo amizades inter-religiosas de longa data de sua Argentina natal: em 2014, ele viajou para Israel, Jordânia e Palestina com o rabino Abraham Skorka e com o xeique Omar Abboud, copresidente do Instituto para o Diálogo Inter-Religioso de Buenos Aires e ex-secretário-geral do Centro Islâmico da Argentina.
Em 2019, o Papa Francisco visitou Abu Dhabi, onde ele e o Grão-Imã de al-Azhar do Egito, Xeique Ahmad el-Tayeb, assinaram o “Documento sobre a Fraternidade Humana pela Paz Mundial e a Convivência Comum”. O texto convida “todas as pessoas, que trazem no coração a fé em Deus e a fé na fraternidade humana, a unir-se e trabalhar em conjunto”, ao mesmo tempo em que afirma os direitos humanos universais e pede “reconciliação e fraternidade entre todos os crentes, mais ainda, entre os crentes e os não crentes, e entre todas as pessoas de boa vontade”.
As cinco visitas do papa à África, incluindo sua viagem de janeiro de 2023 ao Congo e ao Sudão do Sul, também foram um poderoso endosso ao diálogo muçulmano-católico, disseram Catovic e Afridi.
Parte do legado do Papa Francisco é “o reconhecimento de que, em muitos lugares ao redor do mundo, com a África como um primeiro exemplo, você tem encontros que ocorrem lado a lado entre Igrejas Católicas, Igrejas cristãs mais recentes e mesquitas”, disse Catovic.
“Onde há conflito, ele pede calma e aceitação um do outro”, disse Afridi.
Em 2021, o Papa Francisco se tornou o primeiro pontífice a visitar o Iraque (uma meta que o Papa São João Paulo II não conseguiu alcançar, devido às tensões da época), descrevendo o local da antiga Ur como um “lugar abençoado (que) nos leva de volta às nossas origens” e encontrando-se privadamente com o Grão-Aiatolá Ali al-Sistani, o líder espiritual dos muçulmanos xiitas do Iraque.
O tom caloroso do envolvimento do Papa Francisco com os muçulmanos contrasta com “uma espécie de esfriamento” que ocorreu sob seu falecido antecessor, o Papa Bento XVI, disse Catovic.
Em setembro de 2006, o Papa Bento XVI gerou polêmica após um discurso na Universidade de Regensburg, no qual citou um imperador bizantino que descrevia as opiniões do profeta Maomé sobre religião e violência como “más e desumanas”.
Embora o papa tenha se desculpado rapidamente, enfatizando que a citação não representava sua visão pessoal do Alcorão, os muçulmanos de todo o mundo se ofenderam diante de “um renascimento de velhos tropos e estereótipos e descaracterizações medievais do Islã”, disse Catovic. “Foi muito doloroso para os muçulmanos.”
O incidente acabou levando ao documento “A Common Word Between Us and You”, emitido em 2007 por 138 estudiosos, clérigos e intelectuais muçulmanos que representam todo o espectro do pensamento islâmico. O texto declarava que “o futuro do mundo depende da paz entre muçulmanos e cristãos” e apontava para a necessidade do amor a Deus e ao próximo como “o terreno comum entre o Islã e o Cristianismo”.
“O Papa Francisco reviveu isso com grande estilo”, disse Catovic, observando que a encíclica do papa Fratelli tutti, de 2020, se baseava em parte no documento de 2019 assinado com o Grão-Imã de al-Azhar – como o próprio Papa Francisco afirma nos parágrafos iniciais do texto.
Afridi concordou, dizendo que a encíclica “fez uma enorme diferença na forma como os muçulmanos percebem o Papa Francisco”.
Ela e Catovic disseram que o foco do papa em preocupações compartilhadas como imigração, justiça econômica e cuidado com o meio ambiente, ao invés de diferenças teológicas, ajudou a promover consideravelmente as relações muçulmano-católicas.
“Se a Terra é nossa casa comum, nós somos vizinhos”, disse Catovic. “Isso ressoa muito bem com os membros da comunidade muçulmana.”
“O Papa Francisco tem sido muito inclusivo em relação ao diálogo muçulmano”, disse Afridi. “Isso é algo muito importante para nós.”
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Papa Francisco trouxe “ar fresco” para as relações islâmico-católicas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU