27 Janeiro 2023
Mais do que um quebra-cabeça, parece um beco sem saída. O escabroso caso do jesuíta Marko Rupnik, acusado por várias religiosas de violências sexuais e manipulação da consciência, tornou-se um exemplo da falta de transparência do Vaticano sobre o tema dos abusos sexuais. Os acontecimentos ligados a esse artista famoso e com importantes amizades em todos os níveis da Igreja, chegam a lançar uma sombra até mesmo sobre o pontificado. No entanto, o Papa Francisco foi incisivo sobre o assunto em uma entrevista à Associated Press, garantindo que não teve nenhum papel em sua gestão. No entanto, muitas dúvidas permanecem sem resposta.
A reportagem é de Franca Giansoldati, publicada por Il Messaggero, 26-01-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Rupnik acaba por atingir também o Papa porque, após uma investigação inicial dentro da Companhia de Jesus, o dossiê passou para o Vaticano e o artista jesuíta foi condenado pela Congregação da Fé pelo crime canônico de absolvição de cúmplice que prevê a excomunhão imediata do réu. Para a Igreja trata-se de um pecado gravíssimo. Rupnik, porém, foi misteriosamente agraciado pouco tempo depois graças a uma medida especial que, tecnicamente, caberia apenas ao pontífice. Francisco, no entanto, negou: “Foi uma surpresa para mim, realmente. Essa pessoa, um artista desse nível, foi para mim uma grande surpresa e uma ferida”. Francisco então acrescentou que queria mais transparência. “E com a transparência vem uma coisa muito bela, que é a vergonha. A vergonha é uma graça."
O Papa Francisco explicou que interveio no caso Rupnik apenas processualmente e para manter o segundo conjunto de acusações das nove mulheres vítimas de abusos no mesmo tribunal porque, caso contrário, "os trâmites processuais teriam se dividido e depois tudo se confundiria". Quanto ao fato de o Vaticano não ter renunciado à prescrição, o Pontífice concorda que é correto renunciar "sempre" aos termos de prescrição para os casos que envolvam menores e "adultos vulneráveis, para, ao contrário, manter as garantias legais tradicionais nos casos que envolvem outros sujeitos".
No entanto, as palavras de Francisco acabaram gerando mais perguntas além das já existentes. Tanto que a imprensa estadunidense logo destacou que talvez as contas não batam. Se em janeiro de 2020 os juízes da Congregação para a Doutrina da Fé reconheceram Rupnik por unanimidade como culpado do gravíssimo crime, e em maio de 2020 a excomunhão foi cancelada com um passe de borracha pelo cardeal prefeito Ladaria (que dificilmente age com autonomia, pois precisa um placet superior, portanto do Papa), a pergunta é: o que aconteceu nos bastidores? Quem interveio para ajudar o jesuíta Rupnik? Para agravar o quadro, houve outra decisão estranha: em março de 2020, o Vaticano decidiu confiar os exercícios espirituais da cúria justamente ao jesuíta que acabara de ser excomungado, tanto que foi efetivamente ele quem pregou aos cardeais e bispos antes da Quaresma daquele ano. “Como foi possível que o Vaticano tenha confiado a pregação dos exercícios espirituais ao jesuíta que acabava de ser excomungado pela Congregação para a Doutrina da Fé?”.
O jesuíta Rupnik havia sido chamado no último momento para substituir o pregador habitual, padre Cantalamessa, que estava em casa com gripe. Il Sismografo observa: “Não se sabe quem tomou a decisão de chamar Rupnik. Os principais responsáveis da Secretaria de Estado ainda estavam em Ariccia para a semana anual de Exercícios Espirituais e o Papa fazia o mesmo em Santa Marta, acometido por um resfriado. Esse tipo de decisão em tese cabe ao Substituto da Secretaria de Estado, o venezuelano Peña Parra. O Substituto é uma pessoa muito próxima do Papa e é possível que Peña Parra tenha falado com o Pontífice sobre a situação que surgiu com o impedimento do Padre Cantalamessa. O nome do jesuíta Rupnik podia surgir de forma espontânea e imediata não só pela experiência do sacerdote em matéria de Exercícios espirituais, mas também pela relação muito próxima com o Papa Bergoglio”.
Sabe-se no Vaticano que Rupnik desfrutou de amizades e coberturas influentes, a começar pelo cardeal Angelo De Donatis, vigário da diocese de Roma. Os Jesuítas da Companhia de Jesus resumiram recentemente o doloroso caso, destacando que já foi aberto um inquérito preliminar da sua parte para esclarecer as acusações de "assédios sexuais e absolvição de uma cúmplice (...) no pecado contra o sexto mandamento".
Já em 2019 a investigação preliminar havia apurado que as "acusações eram fundamentadas" e que um dossiê havia sido enviado à Congregação para a Doutrina da Fé; entretanto "medidas cautelares restritivas" haviam sido impostas a Rupnik em janeiro de 2020, algumas semanas antes do sermão para a Cúria Romana na primeira sexta-feira da Quaresma, a sentença condenatória foi emitida por unanimidade: "houve efetivamente a absolvição de uma cúmplice."
O caso Rupnik abala o Vaticano, o crime prescreveu, mas por que as vítimas não foram acolhidas e ouvidas 20 anos atrás?
Il Sismografo, um blog de autoridade para vaticano, comenta novamente: “Desses fatos incontestáveis surgiram perguntas no mundo católico que, para o bem da credibilidade de toda a Igreja, deveriam receber respostas honestas, completas e transparentes. Ao longo dos quase 10 anos do pontificado de Francisco, demasiados silêncios se acumularam, especialmente na maioria dos eventos mais graves que se seguem de 2013 até hoje. Esses silêncios são as causas últimas do desapontamento e da amargura de tantos católicos. Eles esperavam mais. Não tanto um novo organograma da Cúria – importante! – mas uma igreja de cristal fiel à lei suprema e perfeita: Jesus. Uma igreja cada vez mais distante do poder e cada vez mais profética, cada vez mais distante do silêncio conivente e culposo e dos cálculos e cada vez mais próxima da verdade e da tão invocada parrésìa”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Papa Francisco: "Nunca intervi pelo padre Rupnik", mas se abre a indagação sobre quem agraciou o jesuíta que abusou de tantas freiras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU