23 Dezembro 2022
Falando aos jornalistas em 14 de dezembro, o superior geral dos jesuítas, pe. Arturo Sosa, recordou a extensão dos protocolos de garantia para os menores em todas as unidades administrativas da Companhia de Jesus e acrescentou: “No que diz respeito aos adultos vulneráveis, ainda há um longo caminho a percorrer tanto da nossa parte como da Igreja Católica Igreja e da sociedade".
O artigo é de Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 22-12-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma admissão que ilumina a fala seguinte a respeito do Pe. Marko Rupnik: "É um bom exemplo do muito que ainda temos que aprender, especialmente sobre o sofrimento das pessoas." As leis canônicas e civis são importantes, assim como a capacidade de se comunicar com eficácia, mas resta "entender e nos sintonizar com o sofrimento das pessoas envolvidas".
Em 18 de dezembro, em carta ao clero de seu próprio setor de Roma, D. Daniele Libanori, ex-jesuíta (os bispos deixam sua congregação quando são ordenados) e visitador da comunidade eslovena "Loyola" (lugar de onde vieram as denúncias de abusos contra o padre Rupnik na década de 1990) escreveu: "As pessoas feridas e ofendidas, que viram a sua vida arruinada pelo mal sofrido e pelo silêncio cúmplice, têm o direito a serem ressarcidas também publicamente em sua dignidade, agora que tudo veio à luz”.
Temos "o dever de um sério exame de consciência e aqueles que sabem que têm responsabilidades devem reconhecê-las e pedir humildemente perdão ao mundo pelo escândalo". As duas posições são diferentes, mas não opostas e marcam as polaridades do debate na Companhia.
O debate interno sobre o caso Rupnik não é entre encobridores e denunciantes, mas entre aqueles que, com alguma incerteza, estão dispostos a procurar outros caminhos diante dos abusos e aqueles que pedem maior autocrítica, coragem e decisão.
Os testemunhos das vítimas pesam como pedras sobre todos. Devastador aquele publicado por Domani em 18 de dezembro.
A interessada recorda a espiral progressiva das intrusões de Rupnik, os filmes pornográficos vistos juntos, os abraços e cópulas até os jogos eróticos a três, “porque a sexualidade tinha de ser – segundo ele – livre da posse, à imagem da Trindade onde, ele dizia, ‘o terceiro recolhia a relação entre os dois’”.
“Foi um verdadeiro abuso de consciência. A sua obsessão sexual não era extemporânea, mas profundamente ligada à sua concepção da arte e ao seu pensamento teológico”.
A referência às posições de distintos jesuítas é funcional para a reconstrução da constelação de posições não desprovidas, pelo menos algumas delas, de incertezas e contradições, mas convergentes em conduzir a Companhia para além de qualquer ambiguidade sobre o tema dos abusos.
O superior geral, Pe. Arturo Sosa, em uma primeira declaração (2 de dezembro) recorda apenas uma das investigações, que terminou com a prescrição de acordo com o direito canônico (aquela relativa à "comunidade de Loyola", após a visita canônica de D. Libanori), sem mencionar uma condenação anterior relativa à "absolvição do cúmplice" (ou melhor, à confissão da vítima) que prevê a excomunhão, posteriormente revogada. Ele atribui as medidas cautelares (proibição de confissão, direção espiritual, pregação de exercícios) ao segundo caso e não ao primeiro.
A substituição do Pe. Rupnik na direção do Centro Aletti é atribuída à rotatividade interna e não ao resultado da condenação. Um relato impreciso que deixa aos meios de Comunicação a impressão de alguma contradição e de cobertura dos crimes, pelo menos parcial. Aliás, logo resolvidas em entrevistas posteriores e tomadas de posição.
O delegado geral de algumas casas e das comunidades jesuítas de Roma, pe. Johan Verschueren, assina a declaração de 2 de dezembro e a subsequente comunicação sobre a cronologia das investigações e das acusações ao pe. Rupnik tanto pelo caso da "absolvição do cúmplice" quanto pelas acusações das consagradas da "comunidade Loyola".
"Minha principal preocupação em tudo isso é com aqueles que sofreram e convido qualquer pessoa que deseje entrar com um novo recurso ou discutir aqueles já apresentados a entrar em contato comigo." Como expressão direta da autoridade do geral, o delegado não se sobrepõe àquela dos superiores das comunidades (como no caso do Centro Aletti), mas garante o desenvolvimento e a comunicação geral.
Cabe se perguntar o quanto o caso Rupnik fosse do conhecimento ou não dentro da tarefa de coordenação das comunidades. Miran Ẑvanut, provincial dos jesuítas eslovenos, interveio na mídia e sobre a sua modalidade de noticiar o caso, denunciando exageros e "muita falsidade", expondo-se à fácil acusação de querer minimizar os fatos e salvar o coirmão das acusações. Dois outros jesuítas são chamados a se explicar.
Em primeiro lugar, o card. Luis Ladaria, prefeito do dicastério para a doutrina da fé. Os processos de Rupnik ficaram sob sua competência e o fato levantou suspeitas de favoritismo que não se confirmaram. Pelo menos até agora.
Outro nome importante é o do cardeal falecido Tomas Spidlik que, em seus últimos anos, morou no Centro Aletti e é considerado o grande mentor de Rupnik. Ele sabia de alguma coisa? Uma das vítimas diz que não encontrou nenhum apoio nele. Talvez ele não tenha ligação com o fato em questão, mas, no momento em que se pensava no início de um processo de canonização de sua pessoa, algumas vozes sugeriam adiar.
Do lado daqueles que, dentro da Companhia, pedem maior autocrítica, coragem e decisão, pode-se colocar Hans Zollner, membro da Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores e responsável pelo Centro de Estudos sobre os abusos da Gregoriana.
Ele primeiro apresentou o pedido de esclarecimento do dicastério para a doutrina da fé, depois pediu para ir além dos limites da prescrição do direito canônico e, finalmente, invocou a total transparência. “Precisamos conhecer quem sabia algo, como e quando e o que aconteceu depois. Poderíamos ter descoberto os diferentes níveis de responsabilidade. O que poderia ter evitado tudo isso." Ele admite que não pode responder pronta e completamente aos muitos pedidos que recebeu nos últimos meses.
O primeiro jesuíta a assumir uma posição crítica foi Gianfranco Matarazzo, ex-provincial da província euro-mediterrânea. “O caso Rupnik é um tsunami (…) de injustiça, falta de transparência, gestão questionável, atividade falha, de obra personalizada, de comunidade apostólica sacrificada ao líder, de tratamento desigual. Um dano mortal para a ordem dos jesuítas, mas ainda mais para a santa mãe Igreja”. Ele pede que as responsabilidades sejam plenamente assumidas, uma reconstrução detalhada dos fatos, um esclarecimento público, a abertura dos arquivos, a palavra de Zollner.
A investigação sobre a "Comunidade Loyola", como já foi escrito, foi conduzida por D. Daniele Libanori, agora bispo auxiliar em Roma. Depois de um confronto no conselho episcopal com o cardeal vigário, Angelo De Donatis, pegou papel e caneta e escreveu aos padres de seu setor pastoral.
Depois de apontar a plausibilidade dos relatos dos jornais sobre os abusos do Pe. Rupnik, escreve: “Estou me esforçando para silenciar os sentimentos que sinto diante de testemunhos chocantes, provocados por silêncios arrogantes”. As pessoas que se tornaram vítimas, “que viram a sua vida arruinada pelo mal que sofreram e pelo silêncio cúmplice, têm o direito de ver a sua dignidade restituída, inclusive publicamente, agora que tudo veio à tona”.
Elas têm e nós temos direito à verdade: “Procurá-la é um dever preciso. Existe a terrível verdade dos fatos controvertidos que exige que a Igreja assuma sua responsabilidade declarando sem ambiguidades quem é a vítima e quem é o agressor e tomando as medidas necessárias para que o ministério da Igreja não seja profanado”.
Ele espera "que também neste caso (a Igreja) seja coerente com seu próprio ensinamento". Em carta aos membros da "comunidade eslovena Loyola " ele insiste: "É ignóbil pensar em reduzir responsabilidades e diminuir o mal desqualificando quem denuncia, com juízos sumários sobre sua saúde mental ou, pior, sobre sua seriedade".
A onda de acusações atinge e revira a vida e a obra do Pe. Rupnik, entregue a um silêncio absoluto. Pe. Sosa não se esquiva de defender as consagradas do Centro Aletti, “mulheres do mais alto nível intelectual e espiritual”. O futuro do Centro e de suas atividades é incerto. Chegam os cancelamentos de pedidos de obras de mosaico ao redor do mundo.
Alguns questionam o destino de seus mosaicos com uma damnatio memoriae pouco coerente com a tradição eclesial. A avaliação de sua teologia é mais complexa e apenas hipotética. Havia quem não compartilhava de sua pretensão de produzir a única teologia verdadeiramente oriental; quem discordava de sua estrutura "ideológica" da sucessão de idades críticas e idades orgânicas nos moldes de V. Ivanon; quem defendia a pertinência da competência da psicologia contemporânea nos percursos espirituais e formativos em relação à desvalorização que vinha da escola de Rupnik.
Muito resta a ser esclarecido para um juízo mais equitativo de todo o caso. Mas não está em discussão a cultura de salvaguarda de crianças, jovens e pessoas vulneráveis, como uma das dimensões cruciais da justiça social.
Pe. Sosa disse: “Foi feito um grande esforço para que todo o corpo da Companhia de Jesus, enraizado em contextos muito diferentes, com percepções muito diferentes do problema e das vias de solução, chegasse ao mesmo nível de compreensão e resposta para os distintos casos e a claras políticas de prevenção. Todas as 69 unidades administrativas da Companhia, sustentadas pelas conferências regionais, participaram desse esforço”.
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Rupnik não é a Companhia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU