22 Dezembro 2022
Principal suspeito de mandar matar Bruno e Dom, ele violou prisão domiciliar e teve nova prisão preventiva decretada. Testemunhas dizem tê-lo visto na cidade de Benjamin Constant, a poucos quilômetros de onde ocorreu o duplo homicídio.
A reportagem é de Cícero Pedrosa Neto, publicada por Amazônia Real, 20-12-2022.
A Polícia Federal prendeu nesta terça-feira (20) o comerciante Ruben Dário da Silva Villar, mais conhecido como “Colômbia”, que estava foragido da Justiça Federal. “Colômbia”, que também atende pelo nome de Rubens Villar Coelho, teve prisão decretada no último dia 17 pelo juiz Fabiano Verli, da Comarca de Tabatinga, no Alto Rio Solimões, no Amazonas, por ter violado as condições impostas para sua liberdade provisória, segundo divulgou a PF. Para evitar nova fuga, a PF vai solicitar seu encaminhamento a um presídio federal de segurança máxima. “Colômbia” também é suspeito de ser o mandante dos assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, em 5 de junho deste ano, em Atalaia do Norte.
“Colômbia” estava em liberdade provisória desde o dia 21 de outubro e cumpria prisão domiciliar. Entre as condições da Justiça Federal, estava a proibição de ele sair de Manaus, capital do Amazonas. Ele também deveria usar tornozeleira eletrônica. Mas há pelo 40 dias ele era visto na cidade de Benjamin Constant, onde possui residência fixa, cidade vizinha de Atalaia do Norte.
Nesta semana, o superintendente da PF no Amazonas, Eduardo Fontes, confirmou à Amazônia Real que ele estava foragido. “Diligências estão sendo realizadas visando cumprir a nova ordem de prisão preventiva do acusado”, disse Fontes à reportagem.
O advogado de “Colômbia”, Eduardo de Souza Rodrigues, negou que seu cliente estaria foragido. “Ele não violou nada”, disse Rodrigues, referindo-se à prisão domiciliar. O advogado afirmou que seu cliente continuava residindo no endereço informado à Justiça e que até segunda-feira (19) não havia sido intimado sobre a decisão judicial que mandou prender novamente “Colômbia”.
A Amazônia Real, ao longo das duas últimas semanas, recebeu denúncias de que “Colômbia” teria voltado para Benjamin Constant, retomando sua atividade associada à venda de pirarucu e tracajás, produtos cuja origem está associada aos crimes pelos quais ele é investigado pela PF.
Conforme relatos de indígenas dados à Amazônia Real, “Colômbia” estaria “tocando seus negócios normalmente” e teria, inclusive, promovido festas em sua residência após sua “saída” de Manaus.
Nos últimos dias, lideranças indígenas que denunciam os crimes cometidos pela quadrilha financiada por Rubens Villar Coelho passaram a temer por suas vidas e decidiram sair de Atalaia do Norte para proteger suas vidas. Essas lideranças, por questões de segurança, não terão seus nomes revelados.
“O fato de nós sabermos que o ‘Colômbia’ está solto por aí, caminhando livremente, deixa a gente numa situação de muito risco. Se ele é o chefe da organização criminosa, isso significa que ela está funcionando normalmente, não parou com a morte do Bruno”, diz um líder indígena. “A verdade é que qualquer um de nós pode ser assassinado a qualquer instante.”
O retorno de “Colômbia” à área onde ele atuava como comerciante não aconteceu recentemente, segundo apurou a Amazônia Real. Pescadores da região o teriam visto há mais de um mês.
“Há 40 dias esse ‘Colômbia’ já estava sendo visto em Benjamin. Logo que foi colocado em prisão domiciliar, ele foi visto na cidade. Os negócios dele são lá, nas três fronteiras”, disse à reportagem uma fonte indígena do Vale do Javari. Segundo o indígena, a cidade de Benjamin Constant notou a presença de “Colômbia” na região entre os meses de novembro e dezembro.
“Esse rapaz, o ‘Colômbia’, comanda a cidade como um todo. E houve, inclusive, festa. A PF não se manifesta, o MPF está inerte”, conta, apontando para a falta de ações mais efetivas dos órgãos de justiça e da Polícia Federal.
No último sábado (17), Fabiano Verli, o mesmo juiz que decidiu por sua liberdade condicional, decretou a prisão preventiva de “Colômbia”, após ele não ter sido encontrado no endereço informado à justiça, em Manaus.
A advogada Adriana Inori, indígena Kanamari, assessora voluntariamente o seu povo do Vale do Javari. Para ela, a morosidade do poder judiciário, somada às brechas na legislação, gera para os criminosos a “sensação de impunidade e para os povos indígenas, sensação de insegurança e medo diário”.
“Infelizmente, hoje a luta do meu povo Kanamari do Vale do Javari está sendo pelo simples direito de continuar existindo, direito à vida. As violações contra nossa dignidade na TI do Javari são reais. Porém, para parte da sociedade, vidas indígenas não importam”, diz a advogada Adriana Inori, que é presidente da Comissão de Amparo e Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Seccional Amazonas.
Beto Marubo, diretor da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), afirma que era “esperado que ‘Colômbia’ não cumprisse com as determinações impostas pela Justiça”. Ele afirma também que a Univaja ainda não foi comunicada oficialmente sobre a fuga de Rubens Villar Coelho.
À reportagem, a Justiça Federal informou que a investigação contra o foragido corre sob sigilo e que a decisão sobre sua prisão preventiva ainda não poderia ser disponibilizada.
Porto de Benjamin Constant, no Amazonas (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
O delegado da PF em Tabatinga, Ellison Cocino, ao ser procurado pela Amazônia Real, disse que havia tomado conhecimento da presença de “Colômbia” em Benjamin Constant e que estaria investigando o caso. Mas a PF já trabalha com a hipótese de que ele possa estar em algum dos países que fazem fronteira com o Brasil na região, Colômbia ou Peru.
“Colômbia” foi preso no dia 7 de julho, após comparecer voluntariamente à sede da Polícia Federal, em Tabatinga, cidade que faz fronteira com a cidade de Letícia, na Colômbia. Na ocasião, apresentou documentos falsos, com nomes e nacionalidades divergentes, o que motivou sua prisão em flagrante.
Ele é investigado em inquéritos instaurados pelo Ministério Público Federal, tanto como suspeito de ordenar os assassinatos de Bruno e Dom, como por chefiar a organização criminosa que ameaça a vida de indígenas, inclusive de povos isolados, da TI Vale do Javari – local onde Bruno Pereira atuava como indigenista e militava pela proteção ambiental e dos povos originários que vivem naquele território.
“Quando você vê um simples empresário… ao lado dele [‘Colômbia’], estão autoridades, prefeitos, deputados. É pra você ver o tamanho do poder dele. Não é apenas uma organização criminosa, tem a questão da madeira, exploração etc”, disse uma das fontes indígenas ouvidas pela reportagem, denunciando a amplitude das relações do foragido com o poder local.
O juiz Fabiano Verli, que concedeu liberdade condicional a Rubens Villar Coelho – e, agora, decidiu por sua reclusão – foi também quem decidiu pela liberdade de Laurimar Alves, o “Caboco”, no último dia 7. Acusado pelo MPF de ter envolvimento com as mortes de Bruno Pereira e Dom Phillips, além de integrar a rede de pescadores ilegais que invadem a TI Vale do Javari, ele é o quarto indiciado do caso a ganhar liberdade condicional.
Além de “Colômbia” (antes em prisão domiciliar) e “Caboco”, segundo o MPF foram soltos também Otávio da Costa de Oliveira e Eliclei Costa de Oliveira (o “Sirinha”), postos em liberdade provisória. A Justiça determinou “medidas cautelares diversas, como fiança de 3 mil reaisl; comparecimento mensal à Justiça Federal de Tabatinga ou na Justiça Estadual de Atalaia do Norte; permanecer em reclusão domiciliar por tempo integral, menos em caso de emergência de saúde comprovada e nos casos de saída para comprimento de deveres com a Justiça”.
Também estão em liberdade provisória com imposição de medidas cautelares Manoel Raimundo Corrêa (o “Deo”), Francisco Lima Correia (o “Chico Tude”) e Paulo Ribeiro dos Santos. Eles foram denunciados por associação criminosa.
No total, 12 pessoas já foram denunciadas pelo MPF pelos crimes de homicídio e associação criminosa para a pesca ilegal. Pelo duplo homicídio, seguem presos: Amarildo da Costa Oliveira (o “Pelado”) – também indiciado por associação criminosa; Oseney da Costa de Oliveira (o “Dos Santos”), irmão de “Pelado”; Jefferson da Silva Lima (o “Pelado da Dinha”). Por associação criminosa estão presos: Amarílio de Freitas Oliveira (filho de “Pelado”) e Jânio Freitas de Souza.
Comunidade São Rafael, última parada de Bruno Pereira e Dom Phillips, antes de sofrerem a emboscada que os vitimou (Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)
As decisões do juiz Fabiano Verli não só têm desagradado os indígenas da TI Vale Javari, como tem causado tensão e aflição por receio de eles voltarem a ser alvos de ameaças.
“Isso afeta diretamente a gente. Toda vez que a Justiça decide colocar esses caras na rua, quer dizer que a gente voltou para a mira deles. Nós indígenas, somos os alvos desses caras”, conta a liderança indígena. “Se acontecer algo com a gente aqui de novo a culpa será da Justiça.”
Segundo a fonte indígena, em entrevista concedida à Amazônia Real, a rede criminosa de “Colômbia” “está se reorganizando”, graças às recentes solturas de acusados no caso Bruno e Dom.
“Se ele é o chefe, vai querer saber como estão as coisas e voltar a mandar aqui dentro. Na verdade, ele nunca parou, ele continuou tendo os capangas dele aqui no Javari fazendo tudo o que eles já faziam. Com essas solturas, eles só vão ganhando mais força”, disse.
No dia 9 de novembro, uma embarcação com indígenas do povo Kanamari foi atacada por pescadores ilegais, após os infratores terem sido flagrados invadindo a TI Vale do Javari. Na ocasião, uma liderança indígena foi ameaçada e intimidada com o cano de uma arma contra o seu peito.
O acusado, identificado como “Romário”, e que seria sobrinho de Amarildo da Costa Oliveira, o “Pelado”, chegou a ser ouvido pela PF sob a acusação de ameaça, mas não foi detido. Questionada pela Amazônia Real, a PF não deu detalhes sobre o caso e também não informou se o acusado faz parte da rede criminosa que está sob investigação dos órgãos de Justiça.
“Ser indígena no Brasil não é fácil. Nós, Kanamari da TI Javari, estamos em área de difícil acesso, onde os criminosos se sentem à vontade para atuar, pois a presença do Estado não existe. Estamos sozinhos. Diariamente indígenas perdem a vida, são ameaçados, e muitas das ameaças, quando chegam a ser registradas (feito boletim de ocorrência), os parentes indígenas sequer tem acesso a segunda via da denúncia, como é relatado por eles”, conta a advogada iindígena Adriana Inori.
Ela se refere ao ataque ocorrido em novembro contra o grupo de indígenas Kanamari. Segundo Adriana, apesar de terem dado depoimento e relatarem o caso à PF, em Tabatinga, os indígenas não tiveram acesso à cópia do boletim de ocorrência.
“A Comissão de Amparo e Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas têm cobrado providência da PF, quanto às denúncias de não liberação da segunda via do boletim de ocorrência para os indígenas. Contudo, sem nenhum retorno até o momento”, explica a advogada.
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Amazonas. “Colômbia” é preso novamente, após ficar vários dias foragido - Instituto Humanitas Unisinos - IHU