25 Novembro 2022
A 22ª edição da Copa do Mundo está acontecendo no Catar. Mas, por várias razões, muitas pessoas questionaram se a nação muçulmana conservadora deveria ter o privilégio de sediar o torneio de 20 de novembro a 18 de dezembro.
Ludovic Lado, um padre jesuíta e antropólogo do Chade, no centro-norte da África, é um deles. “Na minha humilde opinião, países conhecidos por violarem os direitos humanos não deveriam sediar a Copa do Mundo, que é um evento esportivo que celebra a unidade na diversidade da humanidade”, diz Lado, diretor do Centro de Estudos e Capacitação para o Desenvolvimento – CEFOD, uma escola de negócios administrada por jesuítas na capital N'Djamena.
Nesta entrevista, ele compartilha também suas opiniões sobre o direito do Chade de realizar o famoso torneio de futebol – no qual cinco das 32 seleções são africanas.
A entrevista é de Lucie Sarr, publicada por La Croix International, 24-11-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
As principais competições esportivas estão frequentemente ligadas a controvérsias relacionadas a direitos humanos, proteção ambiental e corrupção. É o caso da Copa do Mundo no Catar. Esses tipos de questões devem estar envolvidos em competições esportivas?
No caso do Catar, por exemplo, eles estão sendo criticados por construir a infraestrutura da Copa com o suor, e até o sangue, de trabalhadores estrangeiros. Esta é uma questão de dignidade e ética humana que merece ser levantada. A paixão pelo futebol, que quase se tornou uma religião moderna, não deve nos cegar para o essencial. Nada está acima da dignidade humana e, portanto, qualquer atividade em que seja violada é imoral.
Isso também vale para o futebol, principalmente porque é uma área onde muito dinheiro está envolvido e onde há muita corrupção em todos os níveis. Você não pode jogar futebol com calma em cadáveres.
Na minha humilde opinião, países conhecidos por violarem os direitos humanos não deveriam sediar a Copa do Mundo, que é um evento esportivo que celebra a unidade na diversidade da humanidade. Um país que não respeita o ser humano não deve sediar um evento esportivo que simbolize a união de toda a humanidade.
Por que o futebol profissional inspira tanta paixão?
Por si só, praticar esportes em nível profissional requer muitas qualidades, incluindo disciplina e trabalho duro. Então é formativo. Mas quando dinheiro e paixão se envolvem, tudo é possível. Houve um tempo em que os jogadores de futebol não ganhavam muito dinheiro. Fizeram o possível por amor ao esporte ou ao país.
Hoje é diferente. Por exemplo, o bônus de participação para jogadores da seleção camaronesa na Copa do Mundo é de 60 milhões de francos CFA, apenas pela participação. A do treinador é de 120 milhões de FCFA. Em um país onde o índice de pobreza é de 40%, o governo camaronês liberou bilhões para a participação da seleção. É uma loucura!
Mas as pessoas acham normal porque é futebol. A paixão é um assunto emocional e, quanto mais forte, menos a razão funciona. As capelas podem estar vazias, mas os estádios de futebol profissional estão sempre cheios. É uma religião com seus próprios seguidores, símbolos, rituais, clero, deuses (estrelas do futebol), etc.
Na sua opinião, por que os países africanos nunca passaram das quartas de final da Copa do Mundo?
É basicamente uma questão de governança. É como se nos perguntássemos por que os países africanos não têm o mesmo nível de desenvolvimento de países acostumados a ganhar Copas do Mundo. A má governança de nossos países afeta tudo, inclusive o esporte. Você não pode remendar e colher excelência. Poucos países africanos têm uma política robusta de promoção do futebol.
Os talentos geralmente brotam como cogumelos. Quando as ligas nacionais são medíocres, não se podem fazer milagres. É por isso que os jogadores que descobrem seu talento se exportam para terem melhores condições de trabalho e destaque. Você verá que nossas seleções são compostas por 98% de profissionais que jogam fora do continente.
Seria interessante comparar esse percentual com os países que costumam ganhar a Copa do Mundo. Em suma, não vamos longe nesse tipo de competição porque não investimos o suficiente no surgimento e cultivo de talentos. Só colhemos o que plantamos.
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Jesuíta africano questiona o direito do Catar de sediar a Copa do Mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU