06 Outubro 2022
A Copa do Mundo no Catar divide a França, seus políticos, jogadores de futebol e dirigentes esportivos. Assisti-la ou não? Ir ou não ir? Viajar ou não viajar? Boicote completo?
A reportagem é de María Laura Avignolo, publicada por Clarín, 04-10-2022. A tradução é do Cepat.
A forma como se obteve a nomeação para sede na FIFA, as suspeitas de corrupção, o histórico de desrespeito aos direitos humanos no país e a exploração dos trabalhadores imigrantes que construíram os estádios com ar-condicionado em pleno deserto estão criando um dilema moral e político na república francesa.
Paris, Lille e Marselha vão boicotar a Copa do Mundo no Catar. Seus prefeitos se recusam a instalar telas gigantes para que seja exibida, como normalmente acontece em suas cidades. Entre 20 de novembro e 18 de dezembro, os franceses que quiserem assistir ao mundial terão que fazer isto de suas casas.
Martine Aubry, a prefeita socialista de Lille, disse que “não transmitiremos nenhuma festa em uma tela gigante”. O prefeito de Reims, Arnaud Robinet, menciona um dos “eventos mais controvertidos da história do esporte”.
Paris se somou na noite de segunda-feira. “Para nós, não é o caso de instalar espaços de transmissão das partidas por várias razões: a primeira é pela organização desta Copa do Mundo, tanto pelo aspecto ecológico como pelo social. A segunda é o momento, o fato de acontecer em dezembro”, disse o responsável pelos esportes em Paris, Pierre Rabadan.
O prefeito ambientalista de Bordeaux, Pierre Hurmic, esclareceu: “Não quero ser acusado de conivência com esta manifestação, com esta má gestão energética. Esta retransmissão será indecente, pois chamamos nossos concidadãos à sobriedade”, declarou.
O Catar decidiu adiar a Copa do Mundo para o inverno, para evitar as sufocantes temperaturas do verão dos meses de julho e agosto, que podem chegar a 50 graus na região. Foram construídos estádios com ar-condicionado ao ar livre, uma estupidez para os prefeitos ambientalistas de Paris e Bordeaux. Em Paris, o ar-condicionado é praticamente um tabu nas casas das famílias.
Os apelos para boicotar a Copa do Mundo no Catar começaram há dois meses, na França, e estão se multiplicando. O ex-presidente socialista francês, François Hollande, não quis fazer pesar sobre os jogadores a opção de ir ou não, mas sobre o presidente Emmanuel Macron, outro fanático por futebol como ele.
“Se eu estivesse na função de chefe de Estado no Eliseu, não iria”, disse François Hollande, que estava no Stade de France quando os atentados terroristas islâmicos começaram na França, neste estádio e nos cafés.
“Não posso pedir aos jogadores de futebol que não participem de uma competição para a qual se preparam há anos”, disse. “Penso que para um jogador do PSG (Paris Saint-Germain) evocar o Catar não é necessariamente simples em relação ao seu empregador”, explicou, quando o proprietário é ninguém menos que o Emir do Catar, que estudou na escola militar na França.
Mas Hollande aconselhou considerar “o papel social de um jogador de futebol” como Kylian Mbappé.
“Por outro lado, um jogador ou atleta de elite, e são muitos, souberam agir para lutar contra o racismo do qual foram vítimas. Puderam se comprometer com certas causas, em particular na questão climática ou nos direitos humanos”, lembrou François Hollande.
“Talvez alguns se pronunciem quando estiverem na Copa do Mundo. Mas isso não é certo, porque não é o lugar onde convém apresentar o seu ponto de vista, quando se espera que um jogador primeiro cumpra sua missão, que é vencer a competição”, disse.
“Quando Mbappé se posiciona sobre um tema, mobiliza consideravelmente certo número de jovens. Quando vemos o número de seguidores nas redes sociais”, acrescentou. “Ser atleta não é apenas jogar com uma bola e correr rápido. É também ter um papel social, e não é tão fácil impor esta responsabilidade aos jogadores”, disse Hollande.
A Copa do Mundo do Catar está gerando as mesmas polêmicas que a Copa do Mundo de 1978, na Argentina, quando a Junta Militar governava e os campos de concentração e extermínio foram denunciados na Europa, bem como os desaparecidos.
Naquele momento, os jogadores holandeses vice-campeões se recusaram a cumprimentar a Junta Militar, que estava no estádio, quando a Argentina venceu a Copa do Mundo na final contra a Holanda.
Os direitos humanos são o outro aspecto que questiona o regime do Catar. Os prefeitos franceses criticam a falta de respeito aos direitos humanos por parte dos catarianos, principalmente no tratamento aos trabalhadores estrangeiros, aqueles que construíram os estádios e os que morreram na tentativa, em acidentes de trabalho.
Martine Aubry, ex-ministra socialista e prefeita, acredita que “não faz sentido em termos de direitos humanos”. A prefeita ambientalista de Estrasburgo, Jeanne Barseghian, explicou que sua cidade, “capital europeia, sede do Tribunal dos Direitos Humanos, não pode permitir maus-tratos e fechar os olhos quando os direitos humanos são violados”.
Marselha foi a última cidade a aderir ao boicote. “A cidade de Marselha se compromete com uma prática esportiva mais justa e inclusiva. Marselha, comprometida com a construção de uma cidade verde, não pode contribuir para a promoção desta Copa do Mundo 2022 no Catar”, disse a administração, em comunicado, após chamar o evento de “catástrofe humanitária e ecológica”.
O partido que reúne os Insubmissos na França lançou uma petição e apelou a um boicote. Considerou o evento “um escândalo puro” e “uma aberração ecológica”.
“Pode-se amar o futebol e detestar esta Copa do Mundo”, afirmou o deputado Alexis Corbière, dos Insubmissos.
O ex-jogador do Manchester United, o francês Éric Cantona, foi outro dos que disse que “esta Copa do Mundo não faz o menor sentido. Não vou assistir a uma única partida”, prometeu.
O ator francês Vincent Lindon falou sobre “uma aberração climática e ecológica”.
O jornal Le Quotidien, da ilha de Réunion, publicou em sua capa, em negrito: “Sem nós”. “Em nome dos valores, Le Quotidien boicota a Copa do Mundo 2022”.
O ar-condicionado em plena crise energética, as terríveis condições de trabalho dos operários, que foram deportados para seus países de origem após terminarem as obras e não conseguiram acabar de pagar suas dívidas com os agentes que os trazem da Índia, Paquistão, Bangladesh e Filipinas para o Catar e as denúncias e suspeitas de corrupção são algumas das razões.
Fala-se em criar um fundo de solidariedade para esses trabalhadores imigrantes, para os mortos na construção dos estádios e suas famílias, e para as minorias sexuais. Os jogadores discutem o uso de uma faixa de solidariedade em sua camisa.
O ex-jogador de futebol David Beckham foi nomeado embaixador especial do Catar para a Copa do Mundo e há fortes críticas.
“É a perfeição para mim”, diz Beckham em sua divulgação do país. “É a mistura da modernidade e a tradição”, acrescentou, após o recebimento de 11,5 milhões de euros pela publicidade. Foi muito criticado nas redes sociais e entre a comunidade LGBT no Catar
A Anistia Internacional também declarou que o país tem “um recorde lamentável em matéria de direitos humanos”.
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Direitos humanos e ecologia: Paris adere ao boicote à Copa do Mundo do Catar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU