05 Janeiro 2022
Se autorizarmos, se participarmos, se colaborarmos com uma competição tão mortal, o que resta dos valores do esporte? Se as mortes de 6.550 trabalhadores são tratadas como triviais, se o sofrimento de milhões de trabalhadores no Catar é invisível: o que resta de nossa dignidade? As indagações integram Manifesto publicado pelo portal francês Mr. Mondialization, 04-01-2022. A tradução é de Cesar Sanson.
Foto: Action Maquis @maximefaury.com
"A Copa do Mundo de 2022 no Catar é um pouco de esporte, muito dinheiro e violações massivas dos direitos humanos", resumiu recentemente a presidente da Anistia Internacional França, Cécile Coudriou, em um artigo no Le Monde.
Trabalho forçado, milhares de mortes em canteiros de obras, corrupção, falta de transparência... A Anistia Internacional pediu que a FIFA pressionasse o Catar. Mas o pedido não fez eco. A copa está mantida para o inverno de 2022 sem maiores preocupações. Ao menos uma coalizão local, a Maquis d'Alsace-Lorraine, fornece a cada cidadão informações para um boicote formal. A plataforma citoyen.ne é um guia prático para se contrapor a este escândalo humanitário.
É tarde demais para boicotar a Copa do Mundo de 2018 na Rússia. É tarde demais para boicotar a Copa do Mundo de 1978 na Argentina. Mas ainda não é tarde para boicotar a Copa do Mundo de 2022 no Catar!
Se autorizarmos, se participarmos, se colaborarmos com uma competição tão mortal, tão corrupta, tão privatizada, o que resta dos valores do esporte? Se as mortes de 6.550 trabalhadores, milhares dentre eles escravizados, são tratadas como triviais, se o sofrimento de milhões de trabalhadores no Catar é invisível: o que resta de nossa dignidade?
Um ar putrefato e persistente exala no Catar e todo mundo que passa por lá e finge não sentir o cheiro pútrido está apenas mentindo para si mesmo.
Por que David Beckham concorda em se comprometer dessa forma? [1] Ele já não é rico o suficiente? Ele nunca ouviu falar das milhares de mortes? Da corrupção da FIFA? Do financiamento ao Talibã? Por que pessoas como Marc Keller e Albert Gemmrich, que são respeitados e admirados por seus pares, se recusam a abrir um debate [2] em nome da dignidade dos jogadores de futebol? Eles consideram normal, por exemplo, o uso de estádios com ar-condicionado no meio do deserto?
Eles afirmam que as condições de trabalho melhoraram, mas as novas leis não são implementadas: os trabalhadores continuam morrendo, têm moradias precárias, às vezes sequer recebem. [3] Eles afirmam que a competição será neutra em carbono [4], ao mesmo tempo em que milhares de pessoas, por exemplo, terão que voar para lá.
É hora de admitir que pedir educadamente não tem sido suficiente [7]. Os holofotes sobre o que tem acontecido não tem sido suficiente [8]. A pressão não tem sido suficiente [9].
Ele ignorou todas as pessoas sérias que lhe pediram para parar o massacre. Chegou a hora de dar a ele um cartão vermelho. Esta Copa do Mundo deve ser cancelada, pois os pedidos foram ignorados e as reformas acordadas não foram adotadas. A Copa do Mundo é um mercado de televisão que corresponde a 3,7 bilhões de seres humanos [5].
Durante um mês, metade do planeta estará sujeito à propaganda de um regime escravista, misógino e homofóbico. Durante um mês, uma em cada duas pessoas no mundo terá seu cérebro parasitado por empresas poluentes e nada éticas [6]: McDonald's, Coca-Cola, Adidas, Hyundai, Qatar Airways...
Qual é o limite? Quantas competições abjetas teremos que aceitar patrocinadas por ditaduras e a sérico de lucro dos acionistas?
E se a França tivesse boicotado a Copa do Mundo de 1978 na Argentina, talvez o Brasil não tivesse ousado violar os direitos humanos dessa forma [10] em 2014.
Se a França tivesse boicotado a Copa do Mundo de 2018 na Rússia [11], talvez o Catar não ousasse perseguir homossexuais. É hora de definir um limite.
Pela dignidade dos trabalhadores e trabalhadoras, vítimas do Daesh e do Talibã, pelas pessoas LGBTQIA+.
Para reafirmar os valores do esporte.
Pela beleza do gesto.
Os jogadores devem boicotar esta competição!
A Federação de Futebol Francesa deve apoiá-los e incentivá-los.
E devemos estar presentes para lembrá-los de que é inaceitável apoiar tal regime.
Se você também deseja dar um cartão vermelho ao Catar, acesse nosso portal: https://carton-rougeqatar-2022.org
[2] – La FFF n’a pas donné suite à nos courriers ou a l’entretien proposé par Amnesty International:https://www.lequipe.fr/Football/Article/Des-activistes-envisagent-une-action-contre-le-mondial-au-qatardevant-le-siege-de-la-fff/1302380
[4] https://reporterre.net/A-la-COP26-la-Coupe-du-monde-au-Qatar-fait-son-greenwashing
[6] Section « Partners & sponsors » : https://www.fifa.com/tournaments/mens/worldcup/qatar2022
[7] https://www.marketingweek.com/fifa-sponsors-break-silence-over-qatar-world-cup-row/
[9] https://www.theplayerstribune.com/posts/tim-sparv-finland-world-cup-2022-qatar-soccer
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Manifesto: “Ainda não é tarde para boicotar a Copa do Mundo no Catar” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU