09 Novembro 2022
"Para os terroristas, a Igreja Católica está envolvida com a má governança. O alvo dos missionários combonianos de Chipene foi demasiado fácil. A culpa deles foi ajudar os aqueles mesmos fiéis islâmicos, que o ISIS em Moçambique os obrigaram a fugir", escreve Enzo Nucci, correspondente da Rai para a África Subsaariana, em artigo publicado no site do Rivista Confronti e reproduzido por Settimana News, 08-11-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
O assassinato da Irmã Maria De Coppi, 83 anos, missionária comboniana desde 1963, relançou a atenção ao terrorismo islâmico em Moçambique, muitas vezes subestimado ou culpadamente esquecido, mas que hoje reconquista o palco também graças à crise energética determinada pelo conflito russo-ucraniano. Desde 2017, sobre as províncias do norte de Nampula e Cabo Delgado sopra a tempestade da violência terrorista, que já causou a morte de 4 mil civis e uma situação humanitária muito grave entre os 800 mil deslocados internos, impossibilitados de cultivar os campos e portanto, se alimentar. E todos esses são números destinados a crescer dramaticamente, asseguram as Nações Unidas.
Região norte de Moçambique, que compreende as províncias de Nampula e Cabo Delgado, dominadas pelo ISIS. (Foto: Screenshot from Google Maps)
A liderar a rebelião armada é o Estado Islâmico em Moçambique, um grupo nascido oficialmente há três anos como um braço local do ISIS, onde, porém, persistem fortes divisões internas. Na origem havia formações de jovens radicais que contestavam os pregadores considerados moderados demais. A escalada da violência coincidiu com a descoberta das jazidas de gás offshore que atraíram as grandes multinacionais da energia, incluindo a estadunidense Exxon Mobil. A francesa Total lançou um investimento de 20 bilhões de dólares, entre os maiores do mundo, para a produção e a exportação de gás natural liquefeito.
A italiana ENI, presente em Moçambique desde 2006, está pronta para enviar o primeiro carregamento de gás ao mercado já nestes últimos meses de 2022. E o interesse por essa preciosa substância cresceu com a invasão da Ucrânia e o bloqueio energético.
O afluxo de capitais estrangeiros foi saudado como uma oportunidade de resgate para uma das áreas mais pobres da nação africana, com generosas promessas de redistribuição da riqueza para a população sofredora. Mas compromissos não atendidos se transformaram em um perigoso bumerangue para o Estado que assistiu à proliferação dos grupos armados capazes de aproveitar o descontentamento popular recrutando novos combatentes.
Na mira está o governo acusado de corrupção e conivência com os interesses estrangeiros, firmemente mantido desde 1975 (ano da independência de Portugal) pela FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique, de inspiração socialista), que também sobreviveu ao conflito civil com a RENAMO (resistência nacional moçambicana, de inspiração anticomunista e conservadora).
A resposta do exército do governo foi péssima: maus-tratos e abusos contra pessoas indefesas, incluindo a violação da liberdade de movimento dos deslocados. E a perversa espiral rebelião-repressão favoreceu os terroristas com a chegada de novos prosélitos. Um clima tão fervente paralisou a atividade das estruturas de extração de gás, bem como as operações de organizações humanitárias, prejudicando os deslocados.
O fracasso do exército convenceu o executivo de Maputo a abrir as portas da área no outono de 2019 aos mercenários da companhia russa Wagner que, no entanto, prestaram um dos piores desempenhos da sua história, tanto que deixaram o país com o rabo entre as pernas.
Enquanto isso, os terroristas acumularam importantes vitórias militares. Em agosto de 2020 ocuparam a cidade setentrional de Mocímboa da Praia, controlando-a por um ano e obrigando a Total a interromper as atividades. Em março de 2021, eles tomaram Palma, uma cidade de 70.000 habitantes, também na costa norte por alguns dias. Enquanto isso, os islâmicos não poupam decapitações e massacres.
O governo, em agosto de 2021, entrou em campo. Enviou tropas ruandesas na província de Cabo Delgado, no centro dos ataques. A eficiência e a dureza do exército de Kigali levavam a crer numa rápida resolução do conflito, graças também ao apoio da missão militar apoiada pela Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC). Mas isso não aconteceu.
Os terroristas provaram ser ossos duros graças também à mudança de estratégia. Depois de operações de grande envergadura (ocupações de cidades inteiras), voltaram-se para a "guerra de guerrilhas" com emboscadas, incêndios em pequenas aldeias, ataques em vários pontos da região, colocando os ruandeses em dificuldade. O fim parece distante. O assassinato de Irmã Maria marca o relançamento midiático do conflito.
Para os terroristas, a Igreja Católica está envolvida com a má governança. O alvo dos missionários combonianos de Chipene foi demasiado fácil. A culpa deles foi ajudar os aqueles mesmos fiéis islâmicos, que o ISIS em Moçambique os obrigou a fugir.
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