Nos primeiros dias de 2020, já se ouviam rumores da tragédia em Cabo Delgado, de grupos jiadistas que assolavam o norte da província, massacrando gente e incendiando aldeias. Mas tropas moçambicanas selaram a região, não havia jornalista que conseguisse passar, ouviam-se apenas relatos isolados, sempre com as autoridades a garantir que tudo não passava de mero banditismo. Até que, finalmente, o bispo de Pemba, dom Luiz Fernando Lisboa, veio a público denunciar a escala da tragédia, que uma maré de refugiados fugia de suas casas, inundara a capital distrital e precisava de ajuda imediata. Já havia pelo menos 500 mortos na província, garantiu o bispo, cuja mensagem ressoou na imprensa internacional.
Não foi uma denuncia sem consequências. Da última vez que o Jornal I falou com Dom Luiz, acusavam-no de alarmismo, “bispo semeia ódio”, acusava o jornal moçambicano Público, que apelava à sua expulsão do país – desde então, registaram-se milhares de mortos, com centenas de milhares de deslocados. O sacerdote brasileiro, que chegou a Pemba há vinte anos, como missionário, nunca desarmou. Deixa Moçambique a pedido do Papa Francisco, para Cachoeiro de Itapemirim, em Espírito Santo, recebendo o título de arcebispo. Regressa ao Brasil onde cresceu, onde enfrentou a ditadura militar, que o chegou a prender, numa época de padres revoltosos e movimentos populares – “na América Latina toda, temos muitos mártires desses tempos de militarismo”, lembra Dom Luiz.
Nota com alegria que, sob a alçada do Papa Francisco, “a Igreja não é mais eurocêntrica”, mas lamenta reencontrar um Brasil em plena “onda neoconservadora”. Volta com a consciência de ter feito o que podia fazer por Cabo Delgado, sem nunca se impor aos costumes locais. “Nós lembramos sempre aquele texto de Moisés, quando Deus lhe diz: Cuidado, tire as sandálias porque essa terra é santa”, diz o missionário. “Quando vamos em missão, vamos para dialogar, não para transportar ideias da nossa igreja de origem”.
A entrevista é de João Campos Rodrigues, publicada por Sapo, 15-02-2021.
Após tantos anos em Pemba, quão difícil vai ser a despedida?
É uma sensação um pouco de dor, porque eu amo muito aquele povo, e sempre quis ser missionário em África. Mas também saio com a tranquilidade que fiz aquilo que podia ter feito. A nossa vida é a missão, e é missão em qualquer lugar. Você vai e continua o trabalho.
Imagino que seja particularmente difícil sair numa altura em que a província enfrenta tantas dificuldades, em que há uma insurreição terrorista.
Sim, é um pouco complicado. Mas todos os missionários e missionárias em Pemba procuram dar o máximo de si a ajudar as pessoas que estão deslocadas naquela guerra. Então o bispo sai, vem outro, e os missionários e missionárias continuam a seguir.
Pode dizer-se que foi das primeiras vozes a expor o que se vivia na província. Até denunciar o que se vivia, falava-se muito menos da situação. Sente orgulho nesse papel, de chamar a atenção internacional para o conflito em Cabo Delgado?
Na verdade, a voz da Igreja sempre esteve presente. Nós nunca deixámos de falar. E isso ajudou a chamar a atenção, a despertar Moçambique e algumas pessoas noutras partes do mundo. Penso que esse é o trabalho da Igreja. Ser voz daqueles que não têm voz, fazer a sua parte na construção de um mundo melhor.
Da última vez que falámos foi logo após fazer esse apelo, e recordo-me que houve uma oposição muito dura de meios de comunicação moçambicanos, as próprias autoridades não ficaram satisfeitas que se soubesse o que se passava na província. Imagino que tenha sido uma altura complicada.
Sim. Houve, de certa forma, uma tentativa de negar ou de esconder a guerra. Mas chegou a um ponto que não era possível mais esconder a guerra, não há mais como, porque está escancarada. E foi muito, muito importante a palavra e o trabalho do Santo Padre, ao aproximar-se mais de Moçambique, ao falar conosco, ao mandar mensagens, ao telefonar para nós, ao colaborar. Ele acabou escancarando a guerra, e provocando mais pessoas a ajudar, a não serem indiferentes a Cabo Delgado.
Imagino que nos seus últimos anos em Pemba, subitamente a sua atividade tenha deixado de poder ser apenas pastoral. Passou a focar-se no apoio à maré de gente que chegava à cidade.
Sim, mas isso também é pastoral. Esse é o trabalho da Igreja. A Igreja, Jesus ele pregava, mas também ele curava os doentes, dava pão para quem tinha fome. Então à pessoas que acham uma coisa especial, quando a Igreja faz um trabalho social, quando a Igreja fala a verdade. Jesus fazia tudo isso. Quer dizer, evangelizar não é só pregar a palavra de Deus. A palavra de Deus se prega também com atitudes concretas. Quando havia uma multidão seguindo Jesus, ele disse aos discípulos: ‘Dai vós mesmos de comer a essa gente’. E com os discípulos ele ensinou a multidão a repartir. E houve pão, e sobrou, e todo o mundo comeu. Eu penso que nós precisamos de ajudar a sociedade hoje a repartir mais. Se houvesse mais partilha, ninguém passaria fome. Se houvesse mais recursos, ninguém morreria; mesmo agora nesta situação de vacinas. Não e justo que os países mais ricos corram a vacinar todo o mundo e deixem África e outros lugares para ultimo. São pessoas que importam. É preciso que haja essa fraternidade maior, que nós nos preocupemos uns com os outros.
Do seu tempo em Pemba, o que guarda com maior orgulho?
São muitas coisas. Mas ultimamente vemos uma coisa muito bonita, que é a capacidade que os pobres têm de se ajudar uns aos outros. Vi famílias muito pobres recebendo mais uma, duas, ou até três famílias. Famílias que têm tão pouco, mas tiveram a coragem de repartir o teto, o quintal, as panelas, a comida, a roupa. Os moradores de Cabo Delgado são um grande exemplo de fraternidade, acolhimento e compaixão para todo o mundo. Isso deve estimular-nos, a todos, a aceitarmos o convite do Papa Francisco, que escreveu na sua última carta encíclica, ‘todos somos irmãos’. Todos somos responsáveis uns pelos outros, devemos ajudar-nos mutuamente. Não pode haver uma pessoa, sobretudo um cristão, que vá à Igreja, que ouve a palavra de Deus, comungue, que não ajude o seu próximo. Esse não é cristão. Isso nos ajuda a não sermos indiferentes.
Em que momento é que sentiu que Cabo Delgado precisava de ajuda? Ao longo do tempo, como foi vendo a situação da insurreição a escalar?
Desde que moro em Cabo Delgado, desde 2001, percebo a necessidade de ajuda. Porque a Igreja do terceiro mundo, em África, e noutros lugares, ela tem um trabalho social muito forte. Porque não é possível evangelizar quem está de barriga vazia. Por isso é que Jesus fez a multiplicação dos pães. Nós já pedíamos ajuda, mas chegou a um momento, quando começou a guerra, que víamos que precisávamos ainda mais de apoio. Porque as pessoas começavam a ser despejadas das suas aldeias, queimavam as suas casas, e nós não tínhamos como acolher essas famílias. Aí começámos a falar, a pedir ajuda, e as ajudas começaram a chegar, graças a Deus. Nós recebemos um bom volume de ajudas, para ajudar bastante gente, e ainda continuamos a precisar. Porque a guerra não acabou, e, mesmo que a guerra acabe, para reconstruir a vida daquelas pessoas vai levar muito tempo. Onde estiver, tentarei ajudar Cabo Delgado
Quando olha para Pemba em 2021, e recorda Pemba em 2001, que grandes diferenças vê?
Vejo um povo mais pobre do que antes, infelizmente. Embora se tenha conseguido algumas coisas, tenha havido escolas construídas, mais um ou outro hospital, aquele é um povo mais empobrecido, por falta de políticas públicas, e, ultimamente, por causa da guerra.
Ou seja, é uma tendência de antes do começo da insurreição, em 2017?
É uma coisa que vem de trás, sim. Aquilo que vejo é que nós estamos sofrendo o perigo de uma nova colonização. As grandes empresas, as grandes multinacionais, chegam e expulsam as pessoas das suas terras. Muitas vezes não dão qualquer apoio, emprego ou formação para as populações locais. Enfim, são tantas coisas que têm acontecido, há um desgaste do meio ambiente, uma invasão predatória Tudo isso empobrece a população e o país, infelizmente.
Sempre que falámos, e noutras suas declarações à imprensa, reparei que tem sempre o cuidado de não se referir à guerra como uma insurreição islâmica, salientando que muçulmanos estão a ser mortos pelos insurrectos, tal como cristãos. Vê-se uma preocupação para fomentar a coexistência pacífica entre religiões.
Essa preocupação quanto ao diálogo entre religiões existe, e é uma das grandes questões fundamentais, como tem salientado o Papa Francisco. Veja que ele tem ido ao encontro de muitos grandes líderes religiosos, e vai agora novamente, ao Iraque. Porque a religião é muito importante no mundo todo. Em Moçambique, nós nunca tivemos um problema entre religiões, há uma boa convivência, há trabalho em conjunto. A capa que tentam colocar na guerra, como se fosse uma guerra religiosa, não é verdadeira. Podem usar o nome de Deus, o nome de Alá, mas o que está por trás disso são interesses económicos, isso é o principal.
Ou seja, a tal segunda colonização de que me falou anteriormente?
Sim, sim.
Por que acha que o Papa Francisco entendeu que fosse tão necessário sair de Pemba, sobretudo agora, para regressar ao Brasil?
Talvez o Papa tenha algumas informações que a gente não tem. E ele achou por bem tirar-me neste momento. Talvez seja porque quer que tenha outro tipo de experiência.
Acha que poderá ter alguma a coisa a ver com o desagrado das autoridades moçambicanas, por ter denunciado o que se passava na província?
Olhe, o Papa é muito conhecedor, muito esperto, muito inteligente. E com certeza que tem os seus motivos. Eu fico tranquilo, porque confio muito nele.
Na sua juventude como é que lhe surgiu esta vocação missionária?
Sempre tive muito interesse de ler relatos missionários, desde pequeno participei de uma igreja que tinha missionários passionistas. Isso me despertou essa vontade de ir para África ajudar, de procurar fazer alguma coisa, de servir o próximo. E pedi durante muitos anos para que Deus me desse essa oportunidade. E Deus me deu. Fiquei cerca de 20 anos trabalhando em África. Agora, o Papa achou por bem que eu voltasse. E como nós obedecemos, sabemos que a missão é de Deus, em qualquer lugar em que a gente esteja, então volto tranquilo, e sem nenhum problema. Claro que estou triste por deixar Pemba. Gostei muito de ter estado lá, e de ter servido aquele povo, e de ter trabalhado junto. Mas sou consciente que a minha missão dentro da Igreja é servir onde é preciso, onde a Igreja acha que tenho que estar.
Porquê a vocação tão particular por África, entre outros continentes?
Talvez porque sempre ouvimos falar que África é um continente muito sofrido. Todos nós conhecemos a história de África, ela foi colonizada, foi repartida como se reparte um pedaço de bolo. É um povo que teve o seu território, o seu espaço cultural retalhado. Nós víamos programas de TV, aqui no Brasil, onde passava o sofrimento, na Etiópia, noutros países, e isso chocava muito. Se para alguns chocava só no âmbito de ter pena, para mim chocava e me estimulava. Quero servir, quero ajudar esse povo, estar junto. E depois, estudando, procurei entender melhor o contexto de África, e tudo o que aconteceu, com essa divisão. E também, ultimamente, tenho entendido que África passa por uma nova colonização, com a exploração dos seus recursos. Deu vontade de ir trabalhar lá, agradeço muito a Deus essa possibilidade.
Não posso deixar de reparar que cresceu num meio onde era muito forte a teologia da Libertação, com todo o ênfase no apoio aos mais necessitados, e na doutrina social da Igreja. Imagino que esse meio o tenha influenciado bastante na sua missão.
Com certeza me estimulou, sempre estive muito ligado à pastoral mais popular, às comunidades eclesiais de base, ao movimento nacional dos direitos humanos aqui no Brasil. Estava junto na formação do segundo centro de defesa dos direitos humanos, trabalhei sempre na formação de leigos, teologia popular. Isso me ajudou a ter abertura, uma visão diferente. E me estimulou o desejo de ser um missionário das gentes, ou seja, além das fronteiras. Não queria ficar naquela pastoral de conservação apenas, do dia-a-dia. Queria fazer algo diferente, que exigisse mais de mim.
Na sua juventude, nos tempos da ditadura militar, imagino que fossem tempos muito difíceis para quem estava envolvido em ação social.
Sim, no Brasil passámos por esse período muito difícil, que desejo que nunca mais retorne. Esse tempo dos militares no lugar indevido, porque militar e política, é lugar indevido, e o Brasil sofreu muito com isso. Nós, aqueles que trabalhavam com direitos humanos, sofremos muito, na América Latina toda, temos muitos mártires desse tempo do militarismo. Poderia pensar assim, bom, na América Latina também tem tanto problema, no Brasil tem tanto problema, vai para África? Mas, na medida que eu fui entendendo, a Igreja é missionária, que onde quer que eu esteja sou Igreja, estou junto do povo, caminhando junto.
Nesse período negro da ditadura militar, houve algum episódio que o tenha marcado particularmente?
Aconteceram muitos episódios. Mas, uma coisa normal, infelizmente, que aconteceu comigo, que aconteceu com muitos militantes e ativistas pastoralistas, foi ser preso num grande movimento popular por moradia. A população estava a reclamar na frente de uma prefeitura, diante das autoridades. Estavam lá milhares de pessoas, e alguns padres dando apoio às comunidades. Eram pessoas que foram despejadas, não tinham onde ir. Então acamparam na frente de um prédio público e ficaram ali durante muitos dias. A polícia estava sempre presente, era violenta, e tentava prender aqueles que eles achavam que eram líderes, os cabeças. Nós não éramos, mas dávamos apoio. Dizíamos para o povo: ‘Nós estamos com vocês, a Igreja está com vocês’. Nessa altura fui preso, mas era normal. E às vezes também sofria de ameaças, essas coisas todas. Só fiquei preso por algumas horas, porque, naquele tempo, por volta de 1984, nós tínhamos um trabalho muito forte com advogados dos movimentos populares. Imediatamente moveu-se todo um trabalho de defesa, o bispo, que estava fora daquele local, viajou e veio ao nosso encontro, e em poucas horas nós fomos soltos. Eu era um padre jovem, mas o simbólico de colocar o padre no camburão – é como chamamos no Brasil a parte de trás do carro da polícia – e algemar, tudo isso, para a polícia naquela época, era um trunfo. Mas nós ultrapassámos o pior disso, mas era, e continua sendo, uma das situações que enfrentam defensores dos direitos humanos. Essa incompreensão e perseguição era normal.
Imagino que seja algo que o marcou profundamente.
Sim. Uma pessoa não podia dizer alguma coisa, questionar, porque era tachado de comunista, baderneiro, de tantas outras coisas. Me lembro sempre de uma frase de Dom Hélder Câmara, um grande profeta do Brasil, que, se Deus quiser, brevemente será santo. Ele dizia: ‘Quando eu dou pão para os pobres, me chamam de santo. Mas quando eu pergunto porque é que os pobres não têm pão, me chamam de comunista’. Então, naquela época, você dizer alguma coisas, dizer a verdade, questionar, era visto como alguém perigoso. E aliavam sempre isso à teologia da libertação, às comunidades eclesiais de base, aos sindicatos. Para a polícia e para os que estavam no poder, era tudo uma coisa só. O que não era verdade. Em muitos momentos havia lutas comuns mas, a Igreja sempre fez o seu papel no Brasil e sempre foi ameaçada por causa disso. Grandes pastores que ousaram levantar sua voz tiveram momentos de forte perseguição.
Pelo que sei, houve períodos em que a posição do Vaticano em relação a esses padres que se insurgiam contra a ditadura militar, foi dúbia. E até anos depois falou-se da questão da repartição da arquidiocese de São Paulo, todo um conjunto de fenómenos vistos como sendo feitos para enfraquecer a Teologia da Libertação. Assistiu a estes processos e a essas estas disputas?
Sim, passámos por tudo isso. Mas isso sempre aconteceu, na sociedade e também na Igreja. A Igreja é feita também de seres humanos. Há pessoas que acham que esse Papa foi assim, outro foi assado, um fez melhor que o outro, isso sempre aconteceu. E a mesma coisa nos encontros interdiocesanos com os bispos, com as conferências entre episcopais, é normal.
Hoje em dia temos o Papa Francisco, o primeiro Papa oriundo da América Latina, influenciado por tradições relativamente progressistas. Sente que há mais abertura dentro da Igreja para tradições progressistas, como as que floresciam no Brasil na sua juventude?
Não diria para posições progressistas. Penso que o Papa Francisco é o Papa que este século precisava, é o Papa certo, no lugar certo. O próprio Papa Bento disse, na sua renúncia, que ele não conseguia mais. Ele não conseguia ter respostas para este momento atual do mundo. E o Papa Francisco tem tido respostas muito claras e corajosas. E faz com toda a tranquilidade, não perde sono. Esse encontro que tive com ele em dezembro foi muito bonito. Cheguei a dizer para ele assim: ‘Santo Padre, vejo-o muito bem de saúde, disposto, alegre’. Ele disse: ‘Realmente estou. Estou muito bem’ Então é o Papa que o mundo precisava neste momento. O Espírito Santo tem aí a sua atuação, a sua força, a sua dinâmica.
E como é que o Papa Francisco, no encontro que teve, reagiu à situação em Moçambique, que preocupações é que mostrou?
Ele sempre se preocupou muito com a nossa situação lá. Fez vários gestos de proximidade, falando quando visitou Moçambique, depois rezando em vários momentos, telefonando lá para nós, e depois convidando-nos para ir até ao Vaticano, fazendo oferta para ajudar os deslocados. Então ele quis muito saber, o que estávamos a passar, fez muitas perguntas, deixava que eu falasse. Pensei que o nosso encontro seria de 3 a 5 minutos, foi de 45 minutos. Só nós! Foi muito bom. Foi assim um gesto de grande interesse pela periferia. Ele é mesmo um Papa do fim do mundo, da periferia, e está a trazer a periferia para o centro. A Igreja já não é mais eurocêntrica. É uma Igreja muito mais universal. Veja os cardeais todos que ele nomeou, é uma Igreja que mostra o rosto verdadeiro, de várias partes do Mundo. Isso é muito bom porque a Igreja é católica, e católica significa Universal. Ela não poder ter o nome e ser depois da Europa.
Mencionou que uma das coisas que o chamou a África foi o rescaldo da colonização, da destruição e separação de povos. O próprio Brasil foi vítima desses processos. Quando estava no Brasil, sentia-se isso?
Sim, senti muito isso. Quando fiz a minha formação, na época do militarismo, víamos como eram tratadas essas populações oprimidas, os indígenas, os negros, os sindicalistas, aqueles que levantavam a voz. O Brasil passou muito para conseguir conquistar direitos. Por isso é que hoje nos estarrece quando vemos os direitos sendo roubados. Estamos dando passos para trás, regredindo na história. Todas as conquistas populares estão em perigo no Brasil, por causa dessa onda neoconservadora, e até de certa forma fascista, que tem assustado a população. De isso tudo nós tivemos experiência, e depois olhamos para África vimos essas tendências de forma ampliadas. Estão a passar aquilo que já passámos, mas claro que nós aqui temos muitos mais anos de independência. Nós já vimos esse processo acontecer, por isso dá essa vontade de ajudar nos processos deles.