19 Novembro 2020
Ataques por insurgentes contra civis no norte de Moçambique já forçaram mais de 400 mil pessoas a deixarem a zona de conflito.
A reportagem é de Eduardo Campos Lima, publicada por Crux, 17-11-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A crise humanitária na província de Cabo Delgado escalonou nas últimas semanas, quando rebeldes – que afirmam estarem ligados ao Daesh – atacaram 14 vilarejos no distrito de Muidumbe.
“Esse é um distrito onde a maioria dos moradores já sofreu ataques. Todas as pessoas saíram de lá e vieram para o Sul”, relata dom Luiz Fernando Lisboa, brasileiro e bispo da diocese de Pemba.
Foi noticiado que no começo de novembro mais de 50 pessoas foram decapitadas em um campo de futebol, embora o governo de Cabo Delgado negue as notícias.
O site Voa Português confirmou a história com pessoas que testemunharam e fugiram da matança.
Em outra área, 20 jovens que estavam fazendo um ritual de iniciação foram mortos e mutilados.
O novo fluxo de deslocados internos fugindo dos insurgentes se deu com a chegada de 14 mil pessoas em Pemba, por barco, desde outubro, quando as áreas costeiras e ilhas no norte foram ocupadas pelo grupo islamista.
“Em 16 de outubro, as pessoas começaram a chegar em mais de 250 barcos. Por 21 dias, a praia de Pemba esteve lotada de refugiados, até o governo local enviar todos para casas de famílias de outros distritos”, falou Manuel José Nota, diretor da Caritas diocesana de Pemba.
A Caritas tem trabalhado na ajuda aos refugiados na praia desde que eles chegaram, afirma Nota, dando cuidado às condições de higiene na área, distribuindo comida e apoiando com serviços de saúde.
“Quando a evacuação começou, nós alugamos caminhões para levar as pessoas para os distritos vizinhos”, acrescentou Nota.
Agora, existem 100 mil refugiados da violência apenas em Pemba, a maioria deles necessitando de alimentos, remédios e abrigo adequado.
“Em nossa província, existem agora 400 mil refugiados. Cada distrito tem pelo menos 30 mil deles”, disse Lisboa.
Organizações humanitárias e a Igreja têm trabalhado para evitar a fome generalizada entre os deslocados.
“Recebemos a ajuda de organizações internacionais da Caritas, como a americana, a espanhola e a portuguesa, e por dioceses específicas da Espanha, por exemplo”, disse ao Crux a religiosa brasileira Aparecida Ramos Queiroz.
Apesar de toda a ajuda, os recursos disponíveis não têm sido suficientes para fazer face à situação, disse Lisboa.
“Temos muitas pessoas empenhadas em ajudar na crise e o dinheiro está sempre chegando, mas as necessidades são gigantescas”, disse o bispo.
Os campos de refugiados estão sendo estruturados para receber parte dos recém-chegados, mas muitas pessoas ainda estão superlotando as casas nas aldeias locais.
“Visitei casas onde viviam 58 pessoas. Em quarto projetado para cinco pessoas, estavam 20”, disse Nota.
A Caritas diocesana distribui kits de alimentos para famílias com mais de 20 membros.
As grandes aglomerações podem aumentar os riscos de contágio com o novo coronavírus, disse Queiroz.
“Medidas de distanciamento social são absolutamente impossíveis em tal contexto. Muitas pessoas não usam máscaras”, disse ela.
Nota confirmou que os casos de covid-19 têm crescido em Pemba, mas apenas duas pessoas morreram até agora.
Em 13 de novembro, a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, declarou que as autoridades moçambicanas devem “garantir a proteção dos civis dentro e fora das áreas afetadas pelo conflito e que as agências humanitárias tenham acesso seguro e desimpedido para prestar assistência vital e proteção”.
“Isso é particularmente crucial, dado o risco de cólera e a propagação da pandemia de covid-19”, acrescentou ela.
Segundo Lisboa, a Igreja tem sensibilizado sobre a pandemia e distribui máscaras e kits de higiene, mas “os riscos são elevados”.
“Já existe contágio comunitário em Cabo Delgado. É a terceira província com maior número de casos em Moçambique”, disse.
A saúde mental é outra questão importante, disse Queiroz. Ela coordena as equipes pastorais e de atenção psicológica desde o início da crise.
“As pessoas sofreram uma violência terrível. Eles viram seus familiares e vizinhos morrendo e tiveram que deixar todos os seus pertences para trás quando fugiram da zona de conflito. Eles têm muitas cicatrizes emocionais”, disse ela.
O brasileiro Pedrinho Secretti, cuja paróquia faz fronteira com a província de Nampula, disse que pelo menos 1.600 refugiados já chegaram à área, que fica a mais de 400 quilômetros da zona de conflito.
“Estamos ajudando-os com recursos da Caritas diocesana. As pessoas agora estão construindo casas com materiais locais. Em dezembro, começa a estação das chuvas e as coisas podem ficar ainda mais difíceis”, disse ao Crux.
Secretti disse que os insurgentes espalharam a notícia de que têm membros em todos os distritos de Cabo Delgado, pelo que todos temem que novos ataques possam acontecer naquilo que agora são regiões pacíficas.
Em meio a tantas histórias de morte e violência, alguns eventos às vezes lhe dão esperança, disse Secretti.
“Uma das pessoas que chegou aqui foi uma mulher grávida que conseguiu fugir do conflito. Ela não sabe onde está o marido, mas pelo menos chegou aqui em segurança”, disse ele.
A mulher morava embaixo de uma mangueira e ali nasceu sua filha Rosa.
“Agora ela tem sua própria casa”, acrescentou Secretti.
Lisboa disse que a situação é muito incerta e ninguém sabe quando o conflito pode acabar.
“Mesmo se os ataques terminassem agora, levaria vários anos para reconstruir tudo o que foi destruído”, disse o bispo.
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Moçambique. Mais de 400 mil fogem de insurgentes islâmicos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU