14 Junho 2022
O papa tem dito que a renúncia de Bento XVI não foi um “um caso único” e ele, também, renunciaria se entender que não tem mais forças.
O comentário é de Robert Mickens, publicado por La Croix International, 10-06-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O Vaticano anunciou na sexta-feira que o Papa Francisco foi forçado a cancelar sua visita a dois países na África devido à lesão no joelho, a exata natureza disto nunca foi tornada pública.
O abrupto cancelamento da viagem, a qual havia sido confirmada em 28 de maio, intensificou as preocupações sobre a saúde do papa e do seu pontificado.
Francisco, quem em seis meses completará 86 anos, está obrigado a usar cadeira de rodas há algumas semanas, e tem se tornado cada vez mais óbvio que tem perdido forças. A única questão é: quão grande é o seu problema?
A reposta para isso – como ele tem dito em várias ocasiões – determinará se ou não ele decide seguir os passos de Bento XVI e renunciar ao papado.
“Eu farei o que o Senhor me disser para fazer. Rezo e procuro a vontade de Deus. Mas eu acredito que Bento XVI não foi um caso único”, disse Francisco em maio de 2014, durante uma entrevista coletiva no voo de volta da Terra Santa.
“70 anos atrás, quase não existiam bispos eméritos. E agora, nós temos muitos desses. O que acontecerá com os papas eméritos? Eu acredito que nós o veremos (Bento XVI) como uma instituição: ele abriu a porta, a porta dos papas eméritos”, disse Francisco naquela ocasião.
“Haverá outros? Deus sabe. Mas essa porta está abeta. Eu acredito que o Bispo de Roma, um papa, que sente que está perdendo as forças – porque hoje em dia vivemos mais tempo – deve fazer as mesmas perguntas que Bento XVI”, acrescentou.
Francisco já teria começado a fazer essas perguntas? Muitos dos seus apoiadores recusam até mesmo se entreter com o assunto.
O cardeal hondurenho Óscar Andrés Rodríguez Maradiaga – um dos mais próximos conselheiros do papa argentino – acusou, nesta semana, as pessoas de estarem abertamente especulando sobre uma renúncia papal enquanto criam uma “novelinha”.
O cardeal, que é seis anos mais jovem que o papa, disse a Francisco nunca ter pensado sobre renunciar e acrescentou que essas sugestões estão vindo dos inimigos papais.
Maradiaga insiste que o papa “não está por renunciar, nem doente”. Na verdade, ele disse que Francisco está “perfeitamente bem” apesar das dores que o afligem (novamente o Vaticano nunca falou o que é) e “continuará governando a Igreja”.
Mas outro cardeal em Roma – um anglófono de nascimento que já chefiou uma importante pasta no Vaticano – tem dito a pessoas de pelo menos três continentes nos últimos meses que o papa tem uma doença terminal.
Qual cardeal está certo? E quais deles realmente sabem de alguma coisa?
Definitivamente, alguma coisa não está bem para o Papa Francisco, mas como eu escrevi em outro texto, em 20 de maio, a única coisa que as autoridades vaticanas dirão é que ele tem um problema no joelho.
Mesmo que isso o esteja impedindo de andar, ele segue o ritmo de suas atividades diárias.
Pessoas como o cardeal Maradiaga dizem que isso prova que o papa está bem. Mas não sejamos tolos.
O arcebispo argentino Victor Manuel Fernández, um dos ghostwriters e teólogos pessoais do Papa Francisco, disse que isso significa algo a mais:
“Se um dia ele intuísse que seu tempo acabou e ele que não tem mais como fazer o que o Espírito Santo está pedindo, tenha certeza que ele vai acelerar”, disse dom Fernández em 2015.
Será que é isso que está acontecendo? O papa sente que seu tempo está acabando?
Seu anúncio em 27 de maio para um novo consistório ao final de agosto surpreendeu a todos.
Os papas não realizam consistórios em agosto. A última vez que isso aconteceu foi em 1807 quando Pio VII anunciou um cardeal in pectore sem revelar e lhe deu o chapéu onze anos depois!
E os papas também não costumam anunciar os consistórios com três meses de antecedência. Isso também é inédito.
Foi sugerido que Francisco fez isso para garantir que todos os membros do Colégio de Cardeais possam chegar a Roma para esse evento e os dois dias de reuniões que ele está programado para imediatamente depois.
Oficialmente, o encontro é para discutir planos para implementar a nova constituição apostólica para a reforma da Cúria Romana. Mas essa não é uma questão que diz respeito apenas aos cardeais.
Como observado na semana passada, o papa pode realmente querer envolver os cardeais em discussões sobre um assunto que é peculiar apenas a eles – a eleição de seu sucessor.
Bento XVI anunciou sua renúncia em fevereiro de 2013 em um consistório para a aprovação das causas de santidade. Apenas os cardeais que moravam em Roma e alguns outros na cidade a negócios estavam nesse evento.
Se Francisco está planejando anunciar uma data para sua renúncia, ele pode querer fazê-lo perante a todos os cardeais do mundo.
Não é provável que ele renuncie imediatamente e provavelmente nem mesmo em algumas semanas, como fez Bento. E se, em vez disso, ele iniciasse um período mais longo de discernimento que durasse vários meses ou mais?
Não há precedente para isso no papado romano, até onde sei. Mas agora há outra instituição que moldou profundamente Francisco – a Companhia de Jesus.
O Superior-Geral dos Jesuítas, como o Bispo de Roma, é eleito vitalício.
Mas o padre Hans Peter Kolvenbach foi o primeiro a renunciar voluntariamente (excluindo seu antecessor Pedro Arrupe, a quem o Vaticano praticamente expulsou). Kolvenbach, que foi eleito superior-geral em 1983, informou aos membros da Companhia de Jesus em 2006 que pretendia deixar o cargo em 2008, ano em que completaria 80 anos.
O padre Adolfo Nicolás foi eleito seu sucessor e, em maio de 2014, escreveu aos jesuítas de todo o mundo informando que ele também renunciaria no final de 2016, também aos 80 anos.
Nicolás enviou uma carta a todos os jesuítas do mundo convidando-os a “entrar no processo de um profundo e genuíno discernimento espiritual sobre nossa vida e missão” no período que antecedeu sua renúncia e a eleição de seu sucessor.
Cada um desses líderes jesuítas deu dois anos de antecedência. E se o papa fizesse algo semelhante? Qual seria o propósito?
Tudo isso é colocado, é claro, sobre se Francisco chega à conclusão de que deve renunciar por motivos de saúde ou porque sente que suas “forças estão falhando”.
Nos meses seguintes ao consistório de agosto, o papa completará 86 anos (17 de dezembro) e marcará o 10º aniversário de sua eleição como bispo de Roma (13 de março). Embora um ou outro aniversário possa ser uma data simbólica para deixar o cargo, há outra coisa a considerar.
Francisco decidiu criar 16 novos cardeais-eleitores, elevando seu número total para 132. Por que esse número e não apenas 8 ou 10, ou talvez 20?
Salvo qualquer morte, levará pouco mais de um ano (17 de setembro de 2023) para que o número de cardeais-eleitores caia para o teto de 120 que Paulo VI estabeleceu.
Nesse período, 10 cardeais criados por Bento XVI e dois por João Paulo II envelhecerão. Apenas um dos cardeais de Francisco perderá a votação. Esse é o cardeal Gregorio Rosa Chávez, de El Salvador, que completa 80 anos uma semana após o consistório de agosto.
E se o papa anunciasse sua renúncia para setembro de 2023? Daria aos cardeais um ano inteiro para discernir a futura liderança e trajetória da Igreja e uma chance de conhecer melhor uns aos outros.
E poderia incluir também o discernimento de todo o Povo de Deus.
A questão que todos na Igreja estariam ponderando é se queremos continuar no caminho reformador e expansivo da sinodalidade que Francisco forjou ou se queremos retornar a um porto mais seguro. Seria, em certo sentido, uma espécie de referendo sobre o pontificado.
A última foi no conclave de junho de 1963 após a morte de João XXIII. Mas mais do que um referendo sobre o programa do papa, foi uma pesquisa sobre o Concílio Vaticano II, que havia começado no outono anterior.
Os cardeais elegeram Paulo VI, alguém que estava comprometido com a continuidade do Concílio e realizou mais três sessões de outono.
Uma das principais razões pelas quais a maioria das pessoas parece acreditar que falar sobre a possível renúncia de Francisco é “bobagem”, como um de meus colegas chamou, é porque já existe um papa aposentado e ele ainda está vivo.
O raciocínio é que seria muito confuso ter dois papas eméritos vivendo ao mesmo tempo. Mas esse não é o tipo de lógica que Francisco segue.
Na verdade, ele mostrou que não tem medo de criar um pouco de confusão de tempos em tempos – com o objetivo de levar as pessoas a uma compreensão mais profunda de certas situações ou ensinamentos.
Durante seu voo de volta da Armênia em junho de 2016, Francisco foi questionado sobre a questão de ter um papa reinante e um emérito e se isso estava causando perplexidade.
“Há apenas um papa. O outro, ou às vezes como os bispos eméritos, pode haver dois ou três deles, mas agora estão aposentados”, disse ele.
Portanto, Francisco não parece estar preocupado com qualquer confusão que possa ocorrer se ele se aposentar enquanto Bento XVI ainda estiver vivo. Seu sucessor seria o “único papa”, enquanto ele e Bento seriam simplesmente aposentados.
Quanto à emissão de novos protocolos que regem o processo de renúncia e os direitos e deveres de quem renuncia ao papado, eles não necessariamente teriam que ser aplicados a Bento XVI ou vistos como uma repreensão à forma como ele organizou sua própria renúncia e vida de aposentadoria.
E, de qualquer forma, Francisco não teve medo de derrubar leis significativas que seu antecessor pôs em prática. O mais notável foi a revogação do “motu proprio” Summorum Pontificum de Bento XVI de 2007, pondo fim ao uso irrestrito da liturgia pré-Vaticano II.
Para ser absolutamente claro, não estamos falando de “rumores” de que o papa está por renunciar.
Como o anúncio surpresa do consistório de agosto, provavelmente há apenas uma ou duas pessoas – como o médico pessoal do papa – que têm alguma ideia sobre a natureza exata da situação de saúde de Francisco que alimentaria quaisquer rumores.
Nunca recebemos um relatório detalhado em julho passado, depois que ele passou por uma grande cirurgia para a remoção de um terço de seu intestino grosso. Descobriu-se, no entanto, que a cirurgia demorou mais do que o esperado e o papa creditou a um enfermeiro o salvamento de sua vida.
Então, rumores? Não. É apenas a confluência da deterioração da saúde de Francisco, a súbita aceleração de suas atividades diárias (e a esperança de viagens) e sua decisão de criar 16 novos cardeais votantes que levou algumas pessoas a se perguntarem se ele planeja fazer um grande anúncio sobre o futuro de seu pontificado.
Algumas semanas atrás, em uma reunião a portas fechadas com a conferência dos bispos italianos, ele aparentemente disse algo como: “Renuncio antes de fazer outra cirurgia!”.
Certamente, depois da cirurgia intestinal do ano passado, que evidentemente foi um pouco difícil, o papa não suportava pensar em colocar os médicos sob a pressão de realizar o que poderia ser uma operação de vida ou morte nele.
Uma coisa é absolutamente clara, no entanto: o Papa Francisco tem uma confiança inabalável no Espírito Santo, que, segundo ele, o encheu de consolo momentos antes de aparecer na varanda da Basílica de São Pedro em 13 de março de 2013 como o bispo recém-eleito de Roma.
Ele disse que essa sensação de paz nunca o deixou. E é por isso que o que quer que ele esteja contemplando para o próximo estágio de sua vida e ministério, podemos ter certeza de que ele está fazendo o melhor que pode em harmonia com o Espírito.
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Por que o Papa Francisco pode renunciar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU