25 Mai 2022
Sandro Magister, veterano vaticanista do semanário L'Espresso, recebe e publica esta resposta ao post de 12 de maio do Settimo Cielo. O autor da carta, Francesco Arzillo, é um magistrado de Roma e um apreciado autor de ensaios sobre filosofia e teologia.
(Enquanto isso, ao conversar a portas fechadas com os bispos italianos na tarde de segunda-feira 23 de maio e falando sobre suas condições de saúde, o Papa Francisco teria dito que não pretende se operar de forma alguma, com uma anestesia que possa causar-lhe problemas na cabeça, como depois da cirurgia do cólon há alguns meses, a ponto de agora afirmar: "Prefiro me demitir a ser operado").
A resposta foi publicada por Settimo Cielo, 24-05-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
"Não parecem longe da verdade aqueles que acreditam que a humanidade está no meio (ou talvez apenas no início) de uma transformação histórica não menos importante do que foi a transição para o Neolítico: não uma revolução (redutivamente) política, mas uma verdadeira e complexa mutação antropológica e cultural", escreve Francesco Arzillo.
Segundo ele, "neste contexto, a vida de fé e a evangelização exigiriam também uma renovada elaboração teológica e pastoral, que respondesse aos critérios enunciados por João XXIII no admirável discurso de abertura do Concílio".
E conclui:
"Deste ponto de vista, está em jogo muito mais (e muito além) do que a teopolítica de curto prazo aplicada ao papado: seria adequado colocar-se na perspectiva das necessidades da Igreja universal e ter - talvez - a ousadia de imaginar o novo Concílio do terceiro milênio, para buscar as maneiras de presença da Igreja no mundo e - ao mesmo tempo - da pacificação da Igreja em sua vida interna à luz da Palavra de seu Fundador".
A iniciativa da revista "Cardinalis", destinada a promover uma maior conscientização entre os expoentes do colégio cardinalício sobre as atuais necessidades da Igreja em vista do próximo conclave, parece ser afetada por uma forma singular de "contradição pragmática".
Trata-se, de fato, de uma análise que se propõe com modalidades que são em si mesmas reconduzíveis ao mesmo processo de secularização a que se pretenderia opor.
Praticamente acaba-se aplicando os mesmos mecanismos da política moderna para a eleição do papa, no sentido de despertar nos críticos do atual pontificado a expectativa de uma virada baseada em uma diferente plataforma programática, à semelhança do que acontece nas eleições políticas, nas quais se prefiguram e se realizam mudanças de maioria e de governo.
Aprofundando mais, podemos ler a influência - mais ou menos declarada - da teopolítica de matriz schmittiana, com sua lógica "amigo/inimigo" que, além de ser altamente questionável em si mesma como paradigma filosófico, não se presta de forma alguma à análise da Igreja, que é uma realidade totalmente "sui generis".
O texto - amplo e erudito - de Pietro De Marco, que pode ser lido no segundo número da revista, pretende oferecer suporte teórico a essa perspectiva, expondo-se, porém, plenamente à objeção que formulei.
Além disso, tendo em mente a perspectiva das "modernidades múltiplas" de Eisenstadt, que De Marco opõe a uma determinada visão "iluminista" dominante, dever-se-ia dizer que na própria Igreja os efeitos dos processos de modernização não são univocamente descritíveis, nem mesmo na identificação das causas e dos tempos.
Essa abordagem também coloca o papado atual em excessivo contraste com os anteriores, segundo uma difundida modalidade de leitura que parece querer prescindir do confronto com os textos pelo que eles dizem em sua objetividade (o que representa mais uma contradição por parte daqueles que criticam a rendição dos teólogos contemporâneos às filosofias de molde hermenêutico).
Uma leitura integral da encíclica "Fratelli tutti" (com sua base bíblica e evangélica precisa) ou da "Laudato si'" (com suas referências precisas à mística eucarística, trinitária e mariana) mostra de maneira simples e clara que aqui se trata da Revelação, sem nenhuma rendição à lógica do imanentismo cosmocêntrico ou antropocêntrico.
É claro que existem diferenças de acentuação, desenvolvimentos, mas não fraturas.
A este respeito, gostaria apenas de recordar que o impacto da "Populorum progressio" de Paulo VI sobre as questões sociais certamente não foi menos forte do que aquele dos pronunciamentos de Francisco; e que João Paulo II pôde dizer no Canadá, em 1984, que “à luz das palavras de Cristo, este pobre Sul julgará o Norte rico. E os povos pobres e as nações pobres - pobres em vários modos, não só por falta de alimentos, mas também por falta de liberdade e outros direitos humanos - julgarão aqueles povos que lhes tiram esses bens, arrogando-se o monopólio imperialista da economia e da supremacia política às custas dos outros".
Como, da mesma maneira, são bastante explícitas as expressões deste papa sobre o aborto ou a respeito das teorias de "gênero", também aqui em plena continuidade com o ensinamento de seus predecessores.
E coisas semelhantes poderiam ser ditas, por exemplo, em matéria de ecumenismo: uma leitura sinótica precisa dos discursos de João Paulo II, Bento XVI e Francisco sobre Lutero poderia ser interessante.
Se tudo isso for verdade, também é justo reconhecer que existem problemas e que não devem ser subestimados.
Não parecem longe da verdade aqueles que acreditam que a humanidade está no meio (ou talvez apenas no início) de uma transformação histórica não menos importante do que foi a transição para o Neolítico: não uma revolução (redutivamente) política, mas uma verdadeira e complexa mutação antropológica e cultural.
Neste contexto, a vida de fé e a evangelização exigiriam também uma renovada elaboração teológica e pastoral, que respondesse aos critérios enunciados por João XXIII no admirável discurso de abertura do Concílio.
Deste ponto de vista, está em jogo muito mais (e muito além) do que a teopolítica de curto prazo aplicada ao papado: seria adequado colocar-se na perspectiva das necessidades da Igreja universal e ter - talvez - a ousadia de imaginar o novo Concílio do terceiro milênio, para buscar as maneiras de presença da Igreja no mundo e - ao mesmo tempo - da pacificação da Igreja em sua vida interna à luz da Palavra de seu Fundador.
É lícito esperá-lo também "contra spem"? Eu acredito que sim.
Cordialmente.
Francesco Arzillo
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Ar de conclave. Uma crítica fundamentada à revista “Cardinalis” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU