03 Junho 2022
"Certamente este Sínodo poderia ser a ocasião fecunda para fazer o povo de Deus caminhar rumo a uma compreensão da Eucaristia. Existe um paralelo entre Sínodo e Eucaristia. Nunca se deveria celebrar um Sínodo sem a direção suprema e absoluta da Eucaristia e da oração", escreve Enzo Bianchi, monge italiano fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por Vita Pastorale, junho de 2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Não há de minha parte nenhuma tentação de explicitar a sinodalidade como palavra de ordem, palavra focal com realidades diversas e heterogêneas. Mas, na realidade, a ligação entre sinodalidade e oração tem raízes profundas. Essa abordagem não é de forma alguma artificial, pelo contrário, é primordial para reconhecer ao Sínodo a qualidade de evento eclesial despertado, animado, guiado pelo Espírito Santo prometido por Jesus Cristo ressuscitado para a sua comunidade. A essa relação entre Sínodo e oração até o momento pouca atenção foi dada, mas justamente essa carência poderia ser uma causa da fraca fecundidade do caminho sinodal percorrido até aqui, nas Igrejas locais e na universal.
A prática da sinodalidade combinada com oração e liturgia, de minha parte, eu a havia introduzido na vida comunitária já no início dos anos 1970, muito antes de Francisco fazer dela a fronteira para a Igreja do terceiro milênio.
já está atestada nas origens da comunidade cristã, depois da ressurreição do Senhor, quando os discípulos dispersos voltaram a estar juntos na "câmara alta" em Jerusalém. Naquela primeira assembleia, os discípulos reconhecem a urgência de reconstituir o número dos apóstolos, pois um dos doze, o traidor, se foi. Pedro levanta-se e, citando em um contexto de assembleia e liturgia as Sagradas Escrituras por ele analisadas e rezadas, atesta que esse ofício deve ser assumido por outro discípulo, cujo retrato ele esboça: um escolhido entre aqueles que Jesus chamou para o seguir; que Jesus instruiu com palavras e sinais; que Jesus quis como testemunhas de sua ressurreição. Essas qualidades são reconhecidas em dois discípulos que são seguidores de Jesus desde o batismo de João. E eis aqui, no momento decisivo da designação, todos os presentes batizados rezam e depois confiam a escolha ao Senhor lançando as sortes, sorte que recai sobre Matias.
Estamos diante de um processo sinodal, o primeiro atestado pelo Novo Testamento, no qual há um discernimento comunitário, mas todo o processo é guiado pela conformidade com as Sagradas Escrituras e se realiza na oração. Eis aqui a sinodalidade: caminhar juntos, sob o primado da Palavra e na oração. Essa dinâmica se reapresenta nos Atos dos Apóstolos quando se manifestam para a comunidade em crescimento novas necessidades e novas escolhas. É o caso dos "sete", "sete irmãos" escolhidos pela comunidade porque o serviço dos doze apóstolos não parece suficiente para o serviço de comunhão (koinonía) necessário. A assembleia dos crentes é convocada na cidade santa, sete discípulos são propostos para o serviço das mesas, apresentados aos apóstolos que “tendo orado” impõem as mãos sobre eles. Também aqui a oração acompanha todo o processo sinodal da pequena comunidade na instituição de um novo ministério de que se sentia necessidade.
Mas tornou-se tradicional citar origem dos nossos Sínodos o encontro apostólico em Jerusalém narrado em At 15, 1-35. Quando o conflito entre judeus-cristãos e helênicos-cristãos estourou em Antioquia, a notícia chegou à igreja de Jerusalém que estava sempre à escuta e, portanto, decidiu uma assembleia na qual Pedro e Tiago se confrontam ouvindo os missionários Paulo e Barnabé. A confrontação é dura, sem reticências perante os apóstolos e os presbíteros, mas vivida numa contínua escuta das Sagradas Escrituras, do seu valor profético e da sua autoridade.
A palavra de Deus tem a primazia naquele "Sínodo", e o fruto é um discernimento feito em conjunto pelas Igrejas e pelo Espírito Santo. "Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós...": este é o esboço de um caminho sinodal futuro; um traço de comunhão em que a dimensão da escuta da Palavra (a verdadeira oração cristã) e da epiclese (invocação do Espírito Santo) são condição absoluta para fazer da assembleia uma epifania da Palavra e do Espírito Santo.
Como pode ser percebido pela leitura desses textos, a oração parece atestada e absolutamente necessária na sinodalidade. E do Novo Testamento até o tempo dos Padres da Igreja, podemos dizer que a celebração dos Sínodos se desenvolveu a partir da liturgia. É claro que, depois do século II, houve um desenvolvimento extremamente significativo da sinodalidade na Igreja, com uma clara tomada de consciência de que se a liturgia é "agir juntos", então ela é "sínodo". E se o Sínodo é um caminhar juntos na busca da comunhão, então a Eucaristia é seu elemento constitutivo, porque acima de tudo gera a unidade do corpo de Cristo! Sínodo e Eucaristia têm a mesma finalidade: levar os batizados a uma intensa comunhão entre si e com o próprio Deus. E, inclusive, não é a assembleia eucarística o ícone do Sínodo, do caminhar juntos do povo de Deus para se tornar um com Cristo?
João Crisóstomo, em seu comentário ao Salmo 149.1, diz que a Igreja pode ser chamada de synodos. E esta afirmação já bastaria para compreender que não pode haver Sínodo sem o primado, a hegemonia da palavra de Deus; sem a oração que acompanha cada operação sinodal; como oração penitencial, epiclética, doxológica; como celebração eucarística na qual a assembleia se torna corpo de Cristo, finalidade de todo Sínodo. O Sínodo não é um fato organizacional ou um órgão administrativo, nem uma instituição necessária para dar coesão a um corpo, mas é uma celebração, uma liturgia, que é vivida em assembleia diante de Deus e reunida por Ele, inspirada por Ele através da Espírito Santo, tornada por ele corpo de Cristo. Como escreveu Yves Congar, o Sínodo, sendo uma assembleia litúrgica de irmãos e irmãs, é um evento de graça em que é o Senhor quem deve reinar e agir.
A proposição syn, "com, junto", que forma a palavra "sínodo", expressa primeiramente a ligação com o Senhor. Os discípulos estavam syn auto, com ele, num envolvimento de vida e de comunhão que os levava sempre a estar onde está ele, o Senhor. Esta concretude da relação entre Sínodo e Senhor deve ser absolutamente realçada: é caminhando junto com o Senhor que se torna Sínodo nas estradas do mundo!
Confesso que me preocupo com o desenvolvimento atual de cada caminho sinodal na Igreja.
Parece-me que falta justamente essa consciência da qualidade litúrgica da assembleia sinodal, que é sentida como é vivida no mundo: uma forma de parlamento, um trabalho de busca e estudo, um momento de debate, uma oportunidade de comunicação para ouvir a todos.
Uma oração inicial dita mais por hábito do que por convicção não é suficiente: todo o percurso deve ser realizado na oração.
Certamente este Sínodo poderia ser a ocasião fecunda para fazer o povo de Deus caminhar rumo a uma compreensão da Eucaristia. Existe um paralelo entre Sínodo e Eucaristia. Nunca se deveria celebrar um Sínodo sem a direção suprema e absoluta da Eucaristia e da oração.
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Forte ligação entre sinodalidade e oração - Instituto Humanitas Unisinos - IHU