23 Abril 2022
As respostas do Papa Francisco nessa sexta-feira, 22, na entrevista a um jornalista muito amigo do La Nación (Argentina) sobre duas questões obscuras desde o início da agressão do Kremlin contra a Ucrânia – a viagem a Kiev e o encontro com Kirill – lançaram muita luz sobre o complexo e doloroso assunto e, ao mesmo tempo, esclareceram perspectivas relevantes.
A nota é publicada por Il Sismografo, 22-04-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Além disso, essas decisões imediatamente deram origem a dinâmicas que não podem ser subestimadas ou ignoradas. As respostas vaticanas a dois desafios do momento, ainda em desenvolvimento, podem mudar muito algumas diretrizes utilizadas até agora e que muitas vezes se mostraram insuficientes.
O pontífice e os seus colaboradores mais próximos que o acompanham no conturbado caminho diplomático que começou com a guerra desejada por Putin – com a estonteante bênção do patriarca de Moscou – neste caso tomaram as melhores decisões, as mais oportunas e compreensíveis.
Não era algo fácil, tanto no caso da viagem a Kiev, quanto no caso do abraço com Kirill.
Em Kiev, além das barreiras sempre cordiais e educadas da diplomacia e das relações face a face diante das câmeras, há uma certa desconfiança em relação a qualquer pessoa que não tenha condenado abertamente Putin, o agressor. O papa, como bem se sabe, não fez isso e, ao jornal argentino, explicou o porquê da sua conduta, lembrando que “um pontífice nunca nomeia um chefe de Estado”.
Francisco, porém, nunca usou nem mesmo a palavra “agressor”, decisiva nestas circunstâncias, a qual ele sempre substituiu por dois outros substantivos: “agressão” (usado várias vezes) e “invasão” (dito no dia 27 de março). Nessa sexta-feira, o Santo Padre também acrescentou na conclusão das suas considerações: “Para que serviria que o papa fosse a Kiev se a guerra continuasse no dia seguinte?”.
Muito certo!
Para os ucranianos, a questão não se reduz a um “sim” ou a um “não” em relação à presença do papa no território da Ucrânia, sobretudo no decurso de uma guerra desumana. A questão é muito mais complexa e articulada, em muitos aspectos até dolorosa, e na sua última fase – tanto com os ortodoxos quanto com o Vaticano – estende-se desde o nascimento da Ucrânia independente (1991) e da histórica visita de São João Paulo II em 2001.
Chegará o momento certo para a visita à Ucrânia. O problema hoje é a guerra, e Francisco, tendo em mente essa angústia, acrescentou esta reflexão porque entende bem que, em essência, a ausência de um claro distanciamento vaticano em relação a Putin como agressor não é aceitável nem bem-vinda na Ucrânia. Será preciso trabalhar por muito tempo para restabelecer um caminho interrompido por alguns erros do Vaticano.
Portanto, não ir a Kiev neste momento é o melhor para a Ucrânia, para a Santa Sé e para o pontífice.
A questão com Kirill é diferente, muito diferente. Ao pontífice e à Sé Apostólica, ir abraçar Kirill, personagem questionável há muitos anos, não representa nenhum passo à frente e não traz nenhuma ajuda fraterna à ação do papa.
Ao Patriarca Kirill, um abraço e uma foto sua com Francisco – como escrevemos várias vezes – seriam convenientes, úteis e benéficos, mas para a Igreja Católica, para o movimento ecumênico, para a pessoa de Jorge Mario Bergoglio representariam desde o início um desastre de imagem – e não só – devastador.
Kirill, depois desta guerra “suja, repugnante, cruel e selvagem”, que ele abençoou e definiu como justa e santa, é um líder religioso inapresentável e, quanto mais cedo sair do patriarcado, melhor será para a Ortodoxia.
Talvez essa seja a realidade que leva o Papa Francisco a reconhecer que está entristecido pela suspensão do que estava sendo preparado para junho, mas ele está ciente de que tem que aceitar que “a diplomacia [vaticana] entendeu que um encontro dos dois neste momento poderia criar muita confusão”. Basta lembrar aquilo que, há algumas semanas, os ambientes católicos escrevem sobre esse encontro, agora inexistente: “Não em meu nome!”.
Também neste caso, é preciso retomar uma boa parte do caminho feito com sucesso, mas com muito esforço, desde o fim do Concílio Ecumênico Vaticano II. No estado atual da situação e sobretudo da guerra contra a Ucrânia, não parece possível que as coisas se ajustem em pouco tempo. Serão necessários alguns anos.
No início da crise, no rastro daquilo que se preparava há muitos meses, seis anos após o histórico abraço Kirill-Francisco em Havana (12 de fevereiro de 2016), um segundo encontro era iminente. Mas a guerra mudou radicalmente as cartas, até porque o apoio de Kirill a essa agressão demonstrou que o patriarca havia traído, desmentido ou violado aquilo que havia assinado com Francisco em Cuba.
Ora, um segundo encontro entre o papa de Roma e o patriarca de Moscou não pode mais deixar as Igrejas greco-católicas ucraniana e latina à mercê dos pedidos muitas vezes anacrônicos e imperiais do Patriarcado de Moscou.
A partir de agora, a Santa Sé, no ecumenismo com a Ortodoxia russa, não pode mais subestimar os católicos ucranianos, chamando-os novamente à fidelidade e à obediência com base em interesses pastorais universais superiores. Esse erro cometido muitas vezes é agora irrepetível.
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Francisco não viajará a Kiev nem se encontrará com Kirill. Por que o papa tomou essa decisão? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU