04 Janeiro 2022
"Todas as manhãs, é preciso quebrar de novo os pedregulhos do terreno, para alcançar a semente quente e viva."
O comentário é do cardeal italiano Gianfranco Ravasi, prefeito do Pontifício Conselho para a Cultura, publicado em Il Sole 24 Ore, 02-01-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Para quem tem a sorte de ter um sono tranquilo e profundo, o despertar matinal é como uma dilaceração, até porque, muitas vezes, é confiado ao trinado imperioso de um despertador ou de um celular.
Abrir as pálpebras para se assomar à luz do dia, rasgar a tela dos sonhos, erguer-se na posição ereta dos bípedes é um exercício de renascimento, se for verdade – como escrevia Cícero nas suas “Tusculanas” – que “somnus est imago mortis”, isto é, o sono é a imagem da gélida morte, como Ovídio também repetia nos “Amores”.
Pois bem, o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein assume esse ato como uma metáfora da existência humana, e nós o propomos como símbolo para o novo ano que está dando seus primeiros passos.
Ele faz isso recorrendo, porém, a outro símbolo, o de escavar um terreno pedregoso para ali depositar uma semente viva, destinada a crescer em talo e espiga. É uma imagem cara também a Cristo, que atravessou campos bastante áridos, onde as sementes brotavam com esforço, e que transfigurou a obra do agricultor em uma parábola do Reino de Deus e da sua palavra que se esforça para “quebrar os pedregulhos” da história para fazer brotar a flor da esperança e do amor.
Como Tasso escreveu na “Jerusalém libertada”, “é o sono, ócio da alma, esquecimento dos males”. A vida é despertar, é empenho, é lançar-se com os pés que pisam os pedregulhos das provações, porque – é o escritor François Mauriac quem no-lo recorda – “a nossa vida vale aquilo que nos custou em esforço”.
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Os pedregulhos da vida. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU