10 Junho 2015
Van Gogh (1853, Zundert - 1890, Auvers-sur-Oise),
“O semeador”, 1888, Óleo em tela, 45,1 x 162,9 cm,
Van Gogh Museum, Amsterdam
E Jesus continuou dizendo: «O Reino de Deus é como um homem que espalha a semente na terra. Depois ele dorme e acorda, noite e dia, e a semente vai brotando e crescendo, mas o homem não sabe como isso acontece. A terra produz fruto por si mesma: primeiro aparecem as folhas, depois a espiga e, por fim, os grãos enchem a espiga.
Quando as espigas estão maduras, o homem corta com a foice, porque o tempo da colheita chegou.»
Jesus dizia ainda: «Com que coisa podemos comparar o Reino de Deus? Que parábola podemos usar? O Reino é como uma semente de mostarda, que é a menor de todas as sementes da terra. Mas, quando é semeada, a mostarda cresce e torna-se maior que todas as plantas; ela dá ramos grandes, de modo que os pássaros do céu podem fazer ninhos em sua sombra.»
Jesus anunciava a Palavra usando muitas outras parábolas como essa, conforme eles podiam compreender. Para a multidão Jesus só falava com parábolas, mas, quando estava sozinho com os discípulos, ele explicava tudo.
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Locução: Márcia Junges
No texto do Evangelho que hoje é proclamado em todo o mundo e que acabamos de ler e escutar destaca-se a realidade da semente expressada em duas parábolas.
São duas parábolas que têm uma característica comum que é a potência que a semente leva no seu interior.
Desde o início do capítulo 4 do Evangelho de Mateus Jesus começa a ensinar junto ao mar. Nesse momento tinha tantas pessoas ao seu redor que ele sobe numa barca para ser escutado por todos.
Ele ensina em parábolas que é um ensino especialmente usado por Jesus para falar sobre o Reino de Deus.
Podemo-nos perguntar por que fala Jesus em parábolas? Por que usava esta linguagem?
O cardeal italiano e arcebispo emérito de Milão, Carlo Maria Martini, num artigo para o jornal dos bispos italianos, Avvenire, publicado nas notícias do dia 27-02-2011 dizia:
“A parábola de Jesus não desemboca em uma explicação plana e explícita, talvez introduzida pela fórmula ‘Esse conto nos ensina que...’. A parábola de Jesus mantém toda sua carga de enigma, deixa ao ouvinte a tarefa de compreendê-la, o interpela e o obriga a interrogar-se, o envolve em primeira pessoa e o empenha na busca do sentido”.
Muitas vezes Jesus repetirá uma frase bastante difícil de entender num primeiro momento: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (4, 9).
Jesus ao longo de sua vida tentou nos comunicar com as palavras e com sua vida o Reino de Deus como um Mistério.
Como não é compreensível num primeiro momento nós podemos deixá-lo como uma realidade difícil, inacessível, ou pode despertar em nós a inquietude, a pergunta, o desejo de conhecer mais vitalmente o sentido dessas palavras, neste caso das parábolas. E desperta perguntas, em busca do progressivo sentido.
Assim acontece com os discípulos, que perguntam para Jesus que significam as parábolas. E Jesus explica para eles: “Jesus disse para seus discípulos: para vocês, foi dado o mistério do Reino de Deus; para os que estão fora tudo acontece em parábolas, para que olhem, mas não vejam, escutem, mas não compreendam, para que não se convertam e não sejam perdoados.” (4,11-12)
Jesus está tentando despertar a inquietude de busca do sentido mais profundo naqueles que o escutavam. Ele está ensinando-lhes a estar atentos à forma como eles escutam as palavras de Jesus mas também sabe que há pessoas no seu redor que ficam discutindo, sem entender, ou ainda escutam sem entender o sentido profundo daquilo que está falando.
No texto que meditamos hoje, o Reino de Deus é comparado com sementes. Na primeira não especifica qual e na segunda se trata de um grão de mostarda.
Na primeira parábola Jesus disse para aqueles que desejam ser discípulos/as seus que há um semeador que semeia e aparentemente não está o dia todo preocupado/a com o crescimento da semente: ele dorme e acorda e a semente continua crescendo sem saber ele como.
No entanto, o desenvolvimento e a fecundidade dessa semente não depende de nós! Não é preciso que nós saibamos como isso acontece.
Jesus ensina os discípulos, e neste domingo a todos/as que desejam seguir suas pegadas e ser assim discípulos seus, que às vezes é preciso fazer uma parada, descansar um pouco das preocupações do dia a dia, das tarefas, do olhar preocupado e deixar tudo nas mãos de Deus.
Somos capazes de viver nossa fé com esta confiança nele, que é quem faz crescer a semente?
Achamos que devemos estar todo o dia preocupados/as como se o crescimento do Reino dependesse de nós?
O grão cresce sozinho, e é o tempo da paciência: ele cresce lentamente, mas certamente. Santo Inácio de Loyola escreve: «Age como se tudo dependesse de ti, mas consciente de que na realidade tudo depende de Deus» (cf. Pedro de Ribadeneira, Vita di S. Ignazio di Loyola, Milano, 1998).
Hoje a Palavra de Deus convida-nos a perguntar-nos se somos capazes de viver nossa fé em Deus com essa confiança ilimitada.
A semente cresce, mas não cresce no nosso ritmo!
Na segunda parábola também utiliza-se a imagem da sementeira. Aqui, no entanto, trata-se de uma semente específica, o grão de mostarda.
Nesta parábola o evangelista recolhe uma comparação realizada pelo profeta Ezequiel, mas ele a modifica. Nesse momento o texto dirigia-se aos judeus do seu tempo que estavam desanimados por tudo o que lhes estava acontecendo.
Ezequiel dirige-se ao povo de Deus e o compara com um cedro que será plantado nas alturas da montanha de Israel e nele os passarinhos farão seus ninhos. (Ez 17, 22-24)
Neste momento Jesus modifica o texto: a árvore aparece como um arbusto, mas que será grande e no qual os pássaros também farão seus ninhos. Não há uma aparência de árvore frondosa como é o caso do cedro.
Quando Jesus fala que a semente mais pequena será a árvore mais grande está nos apresentando de forma simbólica como o reino de Deus expande-se no mundo.
A comunidade cristã que deseja seguir Jesus terá conflitos, problemas, por isso as parábolas de Jesus são um convite, ou melhor, uma proposta ousada, que requer a resposta dos ouvintes.
Como falava Bento XVI no Angelus do domingo 17 de junho 2012 sobre este texto:
“A debilidade é a força da semente, o romper-se é o seu poder. E assim é o Reino de Deus: uma realidade humanamente pequena, formada por quantos são pobres no coração, por quem não confia na própria força, mas na força do amor de Deus, pelos que não são importantes aos olhos do mundo; e no entanto, é precisamente através deles que irrompe a força de Cristo e transforma aquilo que é aparentemente insignificante.”
Pensemos então em nossos critérios, no nosso olhar e tantas vezes juízo sobre as pessoas. Somos levados pela corrente do ativismo, a realidade que impera de estar o dia todo conectados/as, fazendo coisas sem saber nem muito bem seu sentido?
Vivemos na cultura do imediato, do ativismo, da desconfiança uns para os outros desvalorizando-os segundo seu nível social, cultural, religioso. Jesus está-nos fazendo uma proposta totalmente contrária a que temos continuamente ao nosso redor.
Como disse o Papa Francisco na Exortação Apostólica-Post Sinodal “Evangelii Gaudium” (A alegria do Evangelho): “grande risco do mundo atual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração acomodado e avarento, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada”.
E podemos até ser daqueles crentes que caem nessa armadilha e “convertem-se em seres ressentidos, queixosos, sem vida”.
Ser cristão é uma proposta contracultural que continuamente vemos como sua fidelidade e testemunho leva a vida de tantas e tantas pessoas na Síria.
Rezemos hoje para que nossa comunidade cresça na confiança na semente que brota como acontece com o projeto humanizador de Deus. Para que sejamos capazes de ver ao nosso redor as vidas entregues ao serviço dos irmãos no silêncio.
Junto com Eric Julien dissemos:
“Tenho problemas, Senhor. Eu não consigo mais dormir. Como faz teu semeador para ir dormir e deixar a terra à noite? Sim, é verdade, és tu que a fazes brotar. Sim, é verdade, eu tenho tendência a me achar um pouco indispensável, e a te considerar como um pouco demasiado facultativo. São estas as minhas inquietações: eu deixo-as com minha terra que cresce tão mal. Finalmente, é teu trabalho. Eu, eu vou dormir um pouco”.
Semente do Reino
Como se arriscará
o camponês a semear
sem ver já todo o trigal
no punho apertado
cheio de sementes?
Como olhar a terra
com olhos de esperança
sem ver já o bosque
nas sementes aladas
de carvalho levadas
pelo vento?
Como sonhará
o jovem casal
sem sentir
já no embrião
todos os risos
e as brincadeiras
dos filhos?
Como entregar-se
pelo pequeno,
sem ver com olhos novos
a utopia do Reino
no brotar germinal
que apenas rompe
a casca do medo?
Benjamin González Buelta.
Referências
BRAVO GALLARDO, Carlos. Galiea año 30. España: Ed: El Almendro 1989, 178 págs.
CANAL FEIJOO, Bernardo. O segredo do Reino de Deus. São Paulo: Paulinas, 1989.
GONZÁLEZ BUELTA, Benjamin Salmos para sentir e saborear internamente as coisas. Acessível em: http://bit.ly/1QMEO88.
KONINGS, Johan. Espírito e mensagem da liturgia dominical. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia, 1981.
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Evangelho de Marcos 4,26-34 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU