15 Junho 2018
“O Reino de Deus é como quando alguém espalha a semente na terra; ... e a semente vai germinando e crescendo, mas ele não sabe como isso acontece” (Mc 4,26-27)
A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, sacerdote jesuíta, comentando o evangelho do 11° Domingo do Tempo Comum - Ciclo B (17/06/2018) que corresponde ao texto bíblico de Marcos 4,26-34.
Todas as religiões e culturas se servem de relatos para revelar a verdade e fazer chegar até nós a sabedoria de nossos antepassados. A revelação mais antiga e universal é que a Terra e todas as suas criaturas, assim como o ar, o solo, a pedra e a água são sagrados, e que esta verdade deve refletir-se em nossas vidas.
Como cristãos, seguir Jesus Cristo hoje é adquirir conhecimento e experiência consciente desta história oculta e sagrada. Com efeito, a Terra acolheu Jesus como acolhe toda pessoa que vem a este mundo.
É a casa verdadeira, a mais básica. Jesus sentiu a companhia desta Terra que é irmã e mãe.
Os Evangelhos destacam de muitas maneiras a boa relação que Ele teve com a Terra. Desfrutou dos caminhos andados, dos campos semeados, do vento que se assemelha ao Espírito, das árvores que servirão como parábolas do Reino, das vinhas que serão símbolo de sua oferta em novidade...
Jesus experimentou a dureza da Terra, sua aspereza no deserto e o calor de seu abrigo à hora da morte; pisou o chão de terra batida, machucada, rasgada... Teve uma mentalidade inclusiva porque, no fundo, entendeu que tudo estava relacionado e que as coisas e as pessoas espreitam o mesmo horizonte.
O ritmo da natureza inspirou Jesus para anunciar que o Reino também tem seu ritmo e seu momento. Não o acelera a impaciência de uns nem o paralisa o fracasso de outros. Não somos nós que levamos o Reino em nossas mãos, mas é nossa missão ajudar a des-velá-lo (tirar o véu) na vida humana como o dinamismo mais profundo da existência. O Reino alcança a todos, ninguém fica excluído; ele não está fechado dentro dos limites de uma igreja ou das religiões.
Ninguém tem a exclusividade do Reino, e por isso mesmo devemos viver constantemente despertos para descobri-lo e acolhê-lo ali onde se faz presente, seja onde for.
Precisamos cultivar processos. O Reino tem seu tempo, o tempo de Deus, que não coincide necessária-mente com os nossos tempos, projetos e ansiedades. Saber distender-se nos processos, não querer acelerá-los pela ansiedade que nos chega de uma cultura estressante, nem nos paralisar diante de um ambiente de desencanto, é uma grande sabedoria. Atravessamos momentos favoráveis e luminosos como o dia, e momentos desfavoráveis como a noite, com sua obscuridade e seu desconcerto. Não podemos nos apoderar dos momentos luminosos, nem nos perder nas trevas obscuras e ameaçantes: “o agricultor vai dormir e acorda, noite e dia, e a semente vai germinando e crescendo...”
Por isso, a melhor imagem que Jesus encontrou para expressar essa “presença misteriosa” do Reino é a da semente. Na semente acha-se presente uma grande força de crescimento. A força da vida, contida na semente, envelhecerá e se apodrecerá se não houver quem confie nela, se não houver quem arrisque sua terra, seu tempo e seu trabalho. Quando a semente é enterrada na terra, ela já conhece o seu caminho; escondida ali, debaixo da terra, envolvida pelo absoluto silêncio, a semente germina e vai crescendo.
Mesmo à margem de todo e qualquer esforço que possa ser feito pelo agricultor, “a terra por si mesma produz fruto”, ultrapassando etapas precisas e bem definidas, que de modo algum podem ser modifica-das, apressadas ou suprimidas. O importante é dar frutos no seu devido tempo.
“As sementes armazenam possibilidades misteriosas e surpreendentes aos nossos olhos. Cada semente é uma fonte, um desfecho, uma pausa da eternidade. Ser semente é possuir todas as idades, todos os percursos, todas as histórias. É preciso prezar a coragem das sementes. Apodrecer para inaugurar o fruto. Cada semente, como poesia, é um bilhete para viagens” (Campos Queiroz).
“O Reino é verde”: as parábolas do Reino nos animam a “descer” junto à natureza com um sentimento e uma visão de parentesco; todos procedemos das mesmas entranhas amorosas do Criador. As parábolas nos ajudam a desenvolver uma relação de proximidade e um conhecimento espiritual da vida, para aproxi-marmos da terra com espírito de gratidão, frente a uma visão de domínio e exploração; elas também nos animam a despertar em nós um espírito de solidariedade para compartilhar os bens da terra com os pobres e os marginalizados. Este equilíbrio conserva a comunidade de vida para o futuro e promove uma esperança cósmica.
A relação com a terra, pegá-la entre as mãos, espremê-la, semear e plantar, regar e ver crescer, é um exercício espiritual para o ser humano; conhecer a terra e o entorno é conhecer o que torna possível a vida. A vida depende de uma fina camada de 15 cm ao redor da terra: por que maltratá-la, desconhecê-la, ignorá-la, desprezá-la? Dizem os cientistas que em um punhado de terra há mais biodiversidade que toda aquela que até o momento conhecemos no resto do Universo. E este milagre não nos diz nada?
Sabemos que o “novo” sempre nasce pequeno, frágil, oculto e a partir de baixo. As sementes, muito pe-quenas, são colocadas na terra e desaparecem. No entanto, contém uma vitalidade oculta que as leva a ger-minar. O fundamental não é seu tamanho senão a enorme força transformadora que contém e sua grande fecundidade.
Submergidas na terra, as sementes vivem um lento processo até poderem liberar uma vida nova e abundante. Mas para que isto aconteça sofrem uma certa morte: para gerar vida, entregam sua vida.
Não esqueçamos que somos terra e em terra nos converteremos.
Somos terra de Deus, alimentada pela seiva de seu Espírito. Sobre esta terra, Deus plantou a semente de seu Reino para que germine, cresça e dê frutos. O que essa semente carrega em seu interior é um novo modo de viver e conviver, em sintonia com todas as expressões de vida.
Como as sementes na terra, somos movidos a atuar a partir de dentro, transformando a realidade e mobilizando os meios mais simples, mas com criatividade e audácia.
Viver a experiência do Reino significa, portanto, “mergulhar os pés na terra” (Lev. 25,1-24). É na obscu-ridade da terra que a planta vai buscar a força que a manterá viva, que lhe dará condição de expandir sua copa em direção à imensidão do céu. As raízes mergulham na terra de modo profundo, silencioso e lento.
Na experiência espiritual nos é pedido que mergulhemos no “chão da vida”, como as raízes na obscuri-dade, na presença do silêncio. O movimento de enterrar profundamente as raízes possibilita alcançar a seiva, o pulsar da vida e o equilíbrio.
Sentir que somos Terra faz-nos ter os pés no chão da vida e viver em comunhão com a comunidade das criaturas. Faz-se necessário lançar raízes no mais profundo do humano e despertar todas as energias criativas, todas as grandes motivações adormecidas, toda bondade aí presente, toda decisão de assumir-se como cooperador e artífice de um novo tempo.
Sentir-se Terra é perceber-se dentro de uma complexa comunidade de seres vivos. É a diversidade incontável de seres vivos, animais, pássaros e peixes, nossos companheiros dentro da unidade sagrada da vida. A Terra produz, para todos, condições de subsistência, de evolução e de alimentação, no solo, no subsolo e no ar. Terra, nossa “casa comum”!
Sentir-se Terra é mergulhar na comunidade terrenal, todos filhos e filhas da grande e gene-rosa Mãe. A hora é de somar em prol da vida e no cuidado de todos os seres da Terra.
É para Deus que tudo converge. É Ele que tudo sustenta. É Ele que, no Amor, tudo atrai.
Mobilize seus sentidos para ver, ouvir, tocar, sentir e saborear a beleza de nossa terra.
Considere sua conexão com esta beleza e como ela lhe faz perceber o amor da Trindade ao cosmos em constante evolução.
Considere o novo sentimento de maravilha que cresce em seu coração e como dá novo sentido à sua missão de ser colaborador(a) no grande jardim do Criador.
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O Reino é verde - Instituto Humanitas Unisinos - IHU