24 Junho 2021
"A Concordata é um instrumento legítimo sob a égide da Constituição, que por sua vez estabelece o princípio do estado laico e da separação das ordens, que não deveriam interferir umas nas outras. O Vaticano pode levantar a questão diplomática se um direito da Igreja fosse violado, mas, neste caso, não me parece que seja isso", conclui Pierluigi Conforti, professor da Universidade de Pisa e presidente da Associação dos Professores Universitários de Direito Canônico e Eclesiástico, em entrevista concedida a Mario Di Vito, publicada por Il Manifesto, 23-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Professor Pierluigi Consorti, professor da Universidade de Pisa e presidente da Associação dos Professores Universitários de Direito Canônico e Eclesiástico, a Santa Sé afirma que o debate sobre o PL Zan é uma violação da Concordata.
Vou interrompê-lo imediatamente. A Concordata não tem nada a ver com essa história.
Pode nos explicar por quê?
A Concordata é um instrumento legítimo sob a égide da Constituição, que por sua vez estabelece o princípio do estado laico e da separação das ordens, que não deveriam interferir umas nas outras. O Vaticano pode levantar a questão diplomática se um direito da Igreja fosse violado, mas, neste caso, não me parece que seja isso. Estamos falando de algo que nem sequer é lei, há um debate em curso no parlamento e não sabemos o que vai resultar disso. Na prática, um estado estrangeiro diz à Itália que o debate sobre o assunto deve ser orientado de forma diferente, caso contrário, poderia haver problemas. Nunca se viu algo assim e, repito, o tema da concordata é inexistente.
Um carrinho faltoso no debate parlamentar.
Sim, a atitude do Vaticano é preventiva e, digamos, incômoda. A questão é que ainda não sabemos no final como será essa lei da homotransfobia, então o tema da concordata é inexistente. Deixe-me explicar: pode haver uma violação da Concordata depois que a lei for aprovada, mas honestamente não vejo esse risco. Se fosse aprovada assim como está, uma eventual lei Zan não violaria os acordos entre o estado e a Igreja.
O Vaticano parece estar particularmente irritado com o artigo 7 do Pl Zan, aquele com o qual é instituído um dia contra a homotransfobia. Dizem que seria uma violação substancial da autonomia cultural da Igreja.
Não entendo uma coisa: essa postura significa que eles são a favor da homotransfobia? Não acho que é assim que eles querem dar a entender. Além disso, na Itália, como se sabe, existe uma divisão de poderes, um princípio que a Igreja não tem. Agora a Santa Sé está dizendo ao governo para informar ao parlamento que este debate sobre o projeto de lei Zan não está correto. Parece que estamos no século XVI com o Papa ameaçando o rei ... É um pedido que nada tem a ver com a práxis democrática contemporânea.
À primeira vista, a resposta da política italiana pareceu, para usar um eufemismo, muito suave. Como você vê isso?
Diante de uma coisa assim, até Andreotti teria se revoltado e reivindicado o princípio da laicidade. Sem falar de outros líderes políticos como Craxi ou Spadolini... Na época, é preciso dizer, havia outra sensibilidade em relação ao tema e a Igreja estava muito mais atenta ao debate político italiano. Podemos dizer que neste momento, na Itália, registra-se uma ausência de política eclesiástica. E essas também são as consequências.
O secretário do Partido Democrático, Enrico Letta, disse que as questões jurídicas que se abririam com esta nota do Vaticano serão avaliadas "com o máximo espírito de abertura".
A posição de Letta me parece uma posição muito fraca. Pessoalmente, sou muito zeloso do princípio de laicidade e acredito que seja central neste tipo de discurso. Quer dizer, se fosse necessário intervir no projeto de lei Zan, como em qualquer outra lei, isso não deve acontecer porque a Santa Sé assim o diz. Certamente terá de intervir o chanceler Di Maio, e também Draghi, mas é a primeira vez que se vê obrigado a gerir um debate desse tipo”.
Existem precedentes?
Existe um muito recente. Durante o lockdown na primavera de 2020, a CEI trouxe à baila a concordata sobre o caso do fechamento das igrejas. É um precedente importante, mas, em minha opinião, nem mesmo ali a Concordata tinha muito a ver com a situação.
No entanto, tal como está, esta intervenção no projeto de lei Zan abre uma questão diplomática.
Tudo isso faria mais sentido se fosse a CEI ou um bispo italiano que poderiam legitimamente se pronunciar e entrar no debate político. Além disso, se quisermos falar da Concordata, ali fica estabelecido que é justamente a Conferência Episcopal que representa a Igreja italiana perante o Estado. Isso, para além do mérito, me parece apenas um carrinho faltoso e ponto. O aspecto diplomático está decididamente desafinado e, em todo caso, gostaria de lembrar que, quando a Santa Sé se atravessou em relação aos direitos civis, estou me referindo ao aborto e ao divórcio, realmente não lucrou nada com isso.
No dia 21 de julho de 2021, às 10h, o Instituto Humanitas Unisinos – IHU realiza a conferência A Inclusão eclesial de casais do mesmo sexo. Reflexões em diálogo com experiências contemporâneas, a ser ministrada pelo MS Francis DeBernardo, da New Ways Ministry – EUA. A atividade integra o evento A Igreja e a união de pessoas do mesmo sexo. O Responsum em debate.
A Inclusão eclesial de casais do mesmo sexo. Reflexões em diálogo com experiências contemporâneas
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“Uma medida preventiva, a Concordata não tem nada a ver com isso”. Entrevista com Pierluigi Conforti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU