04 Mai 2021
E se os cães, companheiros de vida, forem um sinal e um dom da Providência? Esta é a visão teológica e inspirada defendida pelo dominicano Xavier Loppinet em seu livro, Mon chien me conduira-t-il au paradis? (Meu cão me conduzirá ao paraíso?).
A entrevista é de Henrik Lindell, publicada por La Vie, 29-04-2021. A tradução é de André Langer.
Para Xavier Loppinet, os cães são verdadeiros companheiros espirituais porque levam as pessoas à contemplação e abrem-nas à espiritualidade.
Xavier Loppinet é doutor em teologia. Superior do convento dominicano de Nancy, é capelão da Pastoral dos Surdos e orienta retiros sobre o significado espiritual da vida cotidiana.
Em seu último livro, ele desenvolve a ideia de que os cães elevam os humanos porque eles os humanizam ao torná-los responsáveis.
Na sua opinião, o cão pode ser um companheiro espiritual. Como?
Isso se dá em dois níveis. Em primeiro lugar, porque é um elemento da Criação e pode, assim, fazer-me lançar um olhar amoroso e teológico sobre o mundo que me rodeia. Isso me leva à contemplação. Depois, porque sua capacidade de relacionamento comigo é tal que ele me abre para a espiritualidade.
Quanto ao termo “companheiro”, é carregado de significados. É com ele que eu divido meu pão. É do interesse do cão que também partilhe o meu pão com os meus “irmãos humanos”. Isso é sugerido por um famoso episódio da vida de São Roque, uma grande figura do mundo cristão ocidental.
Roque, atingido pela peste e abandonado por todos, é alimentado por um cão que lhe traz pão. O pão pertencia ao rico senhor local, Gotardo, de quem ele o rouba para dá-lo ao pobre Roque. Gotardo, seguindo o exemplo de seu cão, se converterá.
Você insiste na importância dos olhares trocados entre os seres humanos e os cães. O que acontece nesses momentos?
A experiência é amplamente compartilhada. Paul Valéry disse de maneira genial: “O cachorro todo está em seus olhos”. O olhar do cachorro me diz que ele espera algo de mim como humano. Esta é a ideia do meu livro: Mon chien me conduira-t-il au paradis?. Quando ele me olha, ele me “humaniza”, eu me torno responsável. Todos os donos dizem: eu não seria o mesmo se não tivesse meu cachorro e, sem ele, provavelmente eu seria pior do que sou.
Outro elemento, que pode parecer perturbador, é que os donos muitas vezes sentem que foram escolhidos pelos seus cães. Assim, os humanos em sua postura de donos do mundo, e principalmente dos cães, também devem ser aceitos por estes. O cachorro escolhe o ser humano e lhe confere um lugar. É também por isso que os cães dos moradores de rua desempenham um papel tão importante. Essa troca de olhares é, de ambos os lados, dizer um ao outro: “Você é importante para mim”.
Houve uma explosão no número de adoções de animais de estimação durante esses tempos de restrições sociais. Imaginamos que você dificilmente ficará surpreso...
Todos nós precisamos de relações para viver. Sem isso, nós definhamos. O animal doméstico permite estabelecer uma relação privilegiada e benéfica durante um período de turbulências. Eu acrescento: quando você adota um animal, uma responsabilidade lhe é dada, o que é gratificante.
Não existe apenas a relação homem-cão. Você introduz a ideia de um trinômio: o ser humano, o cão e o anjo. Por quê?
O anjo, o ser humano e o cão formam um trinômio que representa toda a Criação. A Bíblia associa os três com uma responsabilidade de um pelo outro. Assim, no Livro de Tobias, o anjo Rafael guarda o ser humano. O cachorro também é o guardião do ser humano, que, por sua vez, é o guardião do cachorro. Também encontramos este trinômio na parábola do pobre Lázaro: os cães lamberam suas feridas, Lázaro morreu e foi carregado pelos anjos ao seio de Abraão (Lc 16, 21-22).
Enquanto escrevia meu livro, nunca esperei descobrir o quão recorrente é esse trinômio. Teologicamente falando, esta dinâmica a três é perfeitamente correta. O anjo e o cachorro têm um papel comum em relação aos humanos, cada um em seu próprio domínio. O Papa Francisco resume-o em sua famosa frase: “Tudo está interligado”.
Ou seja: minha vida espiritual está ligada à minha vida social que está ligada à minha relação com o meio ambiente. Quando magoo meu próximo, também magoo o meio ambiente, e minha vida espiritual é afetada negativamente.
Entre alguns proprietários existe uma tendência para o antropomorfismo. Isso é um problema?
Sim e não. Não, porque o próprio cão é antropomórfico. Segundo uma teoria na qual acredito, o sorriso do cão seria um mimetismo do ser humano. O cão observa o comportamento da pessoa e se adapta a ela. Ele tem tal capacidade relacional que a linguagem humana não deixa de ter sentido para ele.
Alguns cães podem reconhecer várias centenas de palavras, o que não é pouca coisa. Do contrário, teríamos que latir para nos fazer entender! (risos) Mas o antropomorfismo torna-se problemático quando se confunde o cachorro com um ser humano, porque então ele está fora do seu lugar.
Ele quer ser um cachorro e quer que sejamos seus donos. O cão não quer ser confundido com qualquer outro, nem quer ser o centro das atenções. Por outro lado, quando tomamos animais por seres humanos, causamos um caos teológico.
Mas você sugere, pelo título do seu livro, que os cães podem nos levar ao céu. Como assim?
Para deixar isso claro, sirvo-me da imagem do cão de bombeiro, que ajuda a salvar pessoas soterradas nos escombros após um terremoto. Sem o cão, o bombeiro não salvaria vidas. Mas sem o dono, o cão não se envolveria neste exercício.
Meu cachorro pode, portanto, me levar ao próximo: ele atua como um multiplicador da caridade. Eleva-me porque só existe a caridade que nos leva ao céu... Conduz-me, portanto, ao paraíso, mas só se o considerar de forma justa, como um elemento da Criação dado por Deus para ajudar o meu próximo.
Vou ver meu cachorro novamente no paraíso?
Podemos pensar assim. Isso é chamado de “opinião teológica”, desenvolvida, por exemplo, por Gregório de Nissa. Mas a Igreja nunca se pronunciou sobre isso.
Tenho minha opinião: tudo o que amamos tem valor aos olhos de Deus. E todos os animais são importantes para Ele. “Não se vendem cinco pardais por dois centavos? E, no entanto, nenhum deles é esquecido diante de Deus”, disse Jesus (Lc 12, 6).
Um dos seus capítulos intitula-se: “O que fazer com seu cachorro durante uma aparição mariana?”. A frase pode provocar risos, mas a questão realmente já se pôs...
Sim, em Salete, em 1846, e em Beauraing, na Bélgica, em 1932-1933. Nos dois casos, cães sabidamente nervosos e latindo se acalmaram e deitaram aos pés de seus donos assim que a Virgem apareceu. Por quê? Na minha opinião, os cães seguiram o exemplo de seus donos, filhos, de repente tão apaziguados.
Na verdade, quando o ser humano está em harmonia com o divino, ele também está em harmonia com a Criação. Então, o que devo fazer com meu cachorro se tiver um êxtase místico enquanto passeio com ele? Nada! O cão encontrará seu lugar por conta própria, pois você terá encontrado o seu diante de Deus.
A conversão dos humanos alegra toda a Criação, como explica Paulo na Primeira Carta aos Romanos: “A Criação aguarda com ansiedade a revelação dos filhos de Deus...” (8, 19). A harmonia entre os seres humanos e os animais restaura a harmonia do paraíso perdido.
Você vê isso como uma questão pastoral para a Igreja?
Sim, e um grande desafio! O objetivo do meu livro é dirigir-me às pessoas distantes da Igreja, mas próximas de seus cães, o que muita gente faz: há mais de oito milhões de cães na França, e nem todos os seus donos frequentam a Igreja, longe disso... Mas essas pessoas têm uma vida espiritual. Eu gostaria de conectar os dois (seu cão e sua vida espiritual) fazendo-lhes esta pergunta: “Seu cachorro não é um sinal que Deus lhe enviou?”.
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“Os cães escolhem os seres humanos e lhes conferem um lugar”. Entrevista com Xavier Loppinet - Instituto Humanitas Unisinos - IHU