27 Abril 2020
Qualquer pessoa que tenha passado muito tempo em Roma, provavelmente, em um momento ou outro, já provou “cacio e pepe”, um clássico prato da região do Lácio. Ele é tão celebrado aqui que, no fim do quarteirão do prédio onde eu moro, há um popular restaurante chamado “Cacio e Pepe”, onde, naturalmente, essa é a especialidade da casa.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 26-04-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ver esse restaurante normalmente movimentado fechado nos últimos dois meses tem sido um lembrete diário das realidades da quarentena (antes que você pergunte, não, eles não têm tele-entrega. Ou você come “cacio e pepe” vindo direto da panela ou não come.)
Originalmente desenvolvido pelos pastores locais como uma refeição prática durante as migrações sazonais dos seus rebanhos, o prato exige apenas três ingredientes: pimenta preta, queijo pecorino e massa. Basicamente, você ferve a massa, acrescenta um pouco de queijo ralado e pimenta, e está pronto. O queijo se mistura com o amido na água da massa para criar um creme leve, que também é aromatizado pela pimenta.
No entanto, como diz o famoso chef italiano Luca Pappagallo, “cacio e pepe aparentemente é a receita mais simples da cozinha italiana, mas, na realidade, é uma das mais insidiosas”. Isso porque você precisa acertar a sequência, os tempos e a mistura, e um pequeno erro pode ter consequências desastrosas.
Nesse sentido, “cacio e pepe” pode ser uma metáfora adequada para a receita que os bispos católicos em várias partes do mundo parecem tentar seguir com relação à retomada da vida eclesiástica após os confinamentos do coronavírus.
Aparentemente, isso também parece ser simples: todo mundo quer a missa e os outros sacramentos novamente o mais rápido possível. Assim, quando os países começam a levantar suas restrições, espera-se que os bispos apertem o botão para “ligar” tudo quase imediatamente.
No entanto, os bispos italianos, por exemplo, até agora não anunciaram um plano de retorno das missas públicas e de outras atividades pastorais rotineiras, apesar do fato de a equipe do primeiro-ministro Giuseppe Conte ter elaborado um plano em quatro passos para a retomada nacional, começando nesta segunda-feira, 27, com certas indústrias importantes e culminando no dia 18 de maio com a tão esperada reabertura de bares, restaurantes e museus.
Na sexta-feira, eu entrei em contato com o Pe. Ivan Maffeis, o porta-voz da Conferência Episcopal Italiana (CEI), que disse: “Ainda não”.
“Eu realmente espero que as autoridades políticas possam nos dar uma resposta o mais rápido possível”, disse ele, afirmando obviamente que os bispos planejam seguir as indicações do governo.
Por outro lado, os bispos franceses anunciaram na sexta-feira que as missas públicas serão retomadas a partir do dia 11 de maio, dizendo que estão agindo “em total solidariedade com o esforço coletivo de combater uma epidemia que ainda é perigosa e difícil de controlar”, mas também com “profunda consciência da impaciência dos fiéis de se reunirem para celebrar e alimentar e compartilhar a sua fé”.
Os bispos franceses disseram que comunicaram seus planos às autoridades do governo (e, portanto, não pediram permissão) “para que o diálogo possa continuar, tanto em nível nacional quanto local”, e isso ocorreu dois dias antes, não depois, de uma teleconferência entre os bispos e o presidente francês, Emmanuel Macron.
No Vietnã, pelo menos três dioceses recomeçaram as missas públicas, à medida que o governo diminui outras restrições devido ao coronavírus, e, nos EUA, Dom Peter Baldacchino, bispo de Las Cruces, Novo México, foi o primeiro a autorizar a retomada das missas públicas, limitando a participação a cinco pessoas, argumentando que a medida era consistente com as exigências do Estado. Desde então, os bispos de duas dioceses de Montana e Lubbock, Texas, seguiram o exemplo.
Outros bispos apresentaram ideias para a reabertura. Em seu programa de rádio no Catholic Channel na terça-feira passada, por exemplo, o cardeal Timothy Dolan, de Nova York, disse que, em uma recente teleconferência com párocos mais antigos, eles discutiram a possibilidade de “trabalhar de trás para frente” – começando com a retomada da missa diária, depois pequenos casamentos e batismos, depois o retorno final à missa dominical. Até agora, no entanto, não foi anunciado nenhum plano firme com datas específicas.
Em outras palavras, não há uma abordagem consistente, seja comparando uma Conferência Episcopal com outra, ou uma diocese com outra.
Assim como o prato “cacio e pepe”, os ingredientes aqui são três: o desejo da missa, o desejo de não desafiar os especialistas em saúde pública ou os líderes civis, e a autoridade dos bispos a agir. O truque é misturá-los da maneira certa, e é aí que reside a parte insidiosa.
Se um bispo agir por conta própria, ele pode ser acusado de pressionar os colegas e de romper o acordo de cavalheiros de uma Conferência; se ele não agir, as pessoas dirão que ele é um burocrata. Se os bispos, juntos, abrirem cedo demais, eles serão acusados de serem imprudentes; se abrirem tarde demais, dirão que eles hesitaram. Se esperarem por uma luz verde do governo, as pessoas reclamarão que eles estão abrindo um precedente perigoso; se não o fizerem, a acusação será de que eles são arrogantes e acham que a Igreja está acima da lei.
O cenário de pesadelo, que ninguém quer, é levantar a suspensão das liturgias públicas apenas para descobrir que o vírus não está realmente contido e, em seguida, ter que reimpor a suspensão.
Essa não é uma questão que o Vaticano possa resolver, pois o estabelecimento de datas e protocolos depende das condições locais. Em termos de sinais, o Papa Francisco demonstrou a mesma ambivalência que muitos católicos sentem entre não querer ignorar preocupações científicas, mas também em pedir a “proximidade” ao povo. Um bispo que olha para o papa em busca de orientação, portanto, não encontrará uma cutucada inequívoca em uma direção ou outra.
Felizmente, quando se trata de “cacio e pepe”, o chef Luca tem um prático vídeo passo a passo para nos guiar pelas complexidades. Os bispos, hoje, infelizmente, não têm esse recurso, e, portanto, talvez seja compreensível que a receita deles ainda pareça um trabalho em andamento.
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Reiniciar a vida normal da Igreja parece simples, mas é complicado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU