20 Abril 2020
"Com a perspectiva de pelo menos um ano de convivência com o vírus, sem levar em conta quanto tempo durará o medo do próximo parasita, haverá todo o tempo necessário para nos transformarmos em uma sociedade plenamente digital, onde a Internet terá a função da toca do coelho da Alice no País das Maravilhas: parecerá nos oferecer uma saída, mas, na realidade, do outro lado da tela, uma força sedutora nos atrairá para um túnel escuro do qual sair será cada vez mais problemático à medida que se abrirem as portas de um novo mundo de fantasia. Passaremos da vida ao vivo, em tempo real, para uma forma de vida indireta, mediada pela tecnologia".
A opinião é de Christian Rocca, diretor editorial de Linkiesta e colunista de La Stampa, autor de sete ensaios de geopolítica e sobre a sociedade contemporânea sendo seu livro mais recente Chiudete Internet – Una modesta proposta (Fechem a Internet. Uma proposta modesta, em tradução livre, Marsilio, 2019), em artigo publicado por La Stampa, 18-04-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
O aceleracionismo é uma obscura disciplina nascida em círculos da direita libertária, mas nos últimos anos tornou-se muito cara naqueles da esquerda radical. Em termos gerais, professa a necessidade de acelerar a evolução tecnológica dos sistemas de produção, a fim de alcançar a automação completa da sociedade e uma emancipação do trabalho. O objetivo teórico é construir um novo modelo tecnológico centralizado capaz de garantir uma renda universal e outras benesses distópicas. Até poucas semanas atrás, o aceleracionismo era pura ficção científica aplicada à filosofia política, mas com a pandemia de coronavírus, ela se transformou em uma doutrina que não deve ser subestimada, porque pode se sobrepor à nova realidade cotidiana.
Vamos considerar o vírus. Não só causou morte e depressão econômica, reclusão forçada e problemas de ordem pública, mas mudou o mundo como o conhecemos até agora. De fato, existe um aspecto social do contágio que corre o risco de ter efeitos mais duradouros do que os da emergência sanitária em andamento. É como se o vírus tivesse se tornado a ferramenta de aceleração da revolução digital, um microrganismo parasitário capaz de apagar as últimas sobras analógicas da sociedade contemporânea, eliminando fisicamente os bolsões residuais de resistência à inovação informática e completando a transformação tecnológica de nossa existência, que começou com o advento da Internet. Dia após dia, percebemos que o que nos espera não será uma simples evolução do existente. Pelo contrário, será uma mudança radical na maneira como produzimos, consumimos e vivemos. Estamos experimentando isso há mais de um mês no trabalho, na escola, nos consumos.
Os espaços da vida analógica estão encolhendo diante dos nossos olhos e, quando sairmos da quarentena, não haverá um interruptor para desligar essa fase e religar a vida anterior, pelo menos até a chegada da vacina.
Mas, com a perspectiva de pelo menos um ano de convivência com o vírus, sem levar em conta quanto tempo durará o medo do próximo parasita, haverá todo o tempo necessário para nos transformarmos em uma sociedade plenamente digital, onde a Internet terá a função da toca do coelho da Alice no País das Maravilhas: parecerá nos oferecer uma saída, mas, na realidade, do outro lado da tela, uma força sedutora nos atrairá para um túnel escuro do qual sair será cada vez mais problemático à medida que se abrirem as portas de um novo mundo de fantasia.
Passaremos da vida ao vivo, em tempo real, para uma forma de vida indireta, mediada pela tecnologia. Estamos apenas no início dessa grande mutação que acarretará mudanças sem precedentes na maneira como nos movemos, cuidamos de nós mesmos, mantemos relações profissionais, comerciais e pessoais. O vírus acelerou a transição da comunidade global para uma sociedade sem contato. Se será melhor ou pior do que aquela física de agora teremos ainda que ver, o que importa é que nós, relutantes homens esquizoides do século XXI, ainda não sabemos como nos comportar.
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