25 Março 2020
“Em todas as sociedades, diante de crises e males sociais, procuramos bodes expiatórios. Lamentavelmente, as pessoas migrantes e refugiadas são frequentemente o foco de preconceitos, o medo do outro, do que fala de forma diferente, etc. A pandemia global que estamos vivendo não é estranha a essa tendência”, escreve Alberto Ares Mateos, jesuíta, doutor em Migrações Internacionais e Cooperação para o Desenvolvimento, pela Universidade Pontifícia Comillas, em artigo publicado por Público, 24-03-2020. A tradução é do Cepat.
Vivemos uma das situações mais complexas a nível mundial, desde que temos o uso da razão. Muitos sentimentos fruto do isolamento, do medo, de viver preso no tempo e tocar a vulnerabilidade, junto a outros que nos falam de cuidado, de generosidade, de solidariedade, de conectividade, de amor, de sentido da vida, de fé e que nos devolvem ao essencial.
O certo é que, diante de situações de crise, questiona-se o que acontece com os grupos mais vulneráveis, as pessoas doentes, as que estão sozinhas, as que vivem em grande precariedade, as privadas de liberdade, as sem lar, as amontoadas em campos de refugiados e centros de detenção, as que foram presas antes do fechamento das fronteiras, etc. Entre esses grupos estão muitas pessoas que tiveram que deixar suas casas por várias razões, algumas fugindo da violência ou perseguindo um sonho de paz e felicidade.
O que está acontecendo com tantas pessoas em movimento? Como podemos cuidar dos mais vulneráveis?
Em que situação se encontram as pessoas migrantes e refugiadas?
Atualmente, existem cerca de 763 milhões de migrantes internos em todo o mundo e 272 milhões de migrantes internacionais. Mais de 1 bilhão de pessoas estão em movimento no nosso mundo. Quase 71 milhões de pessoas são forçadas a deixar suas casas devido a conflitos armados, violência generalizada e desastres naturais. Destes, quase 26 milhões são refugiados, 41,3 milhões são deslocados internos e 3,5 milhões são requerentes de asilo. Lamentavelmente, o Mar Mediterrâneo se tornou o maior cemitério do mundo, onde mais de 20.022 pessoas perderam a vida, desde 2014 (ACNUR 2020, OIM 2020).
Em todas as sociedades, diante de crises e males sociais, procuramos bodes expiatórios. Lamentavelmente, as pessoas migrantes e refugiadas são frequentemente o foco de preconceitos, o medo do outro, do que fala de forma diferente, etc. A pandemia global que estamos vivendo não é estranha a essa tendência. De fato, aparecem vozes dizendo que são os migrantes que propagam a doença. Em alguns casos, os bodes expiatórios mudam de grupo e não estão mais falando apenas dos migrantes que pulam a cerca, mas também dos imigrantes chineses que trazem o coronavírus de seu país ou dos “infectados” espanhóis ou italianos. Qual é o imaginário que existe hoje no território nacional da Espanha a respeito de uma pessoa que está vivendo em Madri?
A #YoMeQuedoEnCasa (#EuFicoEmCasa) é uma das hashtags mais usadas atualmente nas redes sociais e nas indicações de saúde e administrações públicas. O drama é que existem muitas pessoas vulneráveis, incluindo muitas pessoas migrantes e refugiadas, que não têm casa para se isolar. Outras pessoas vivem em ambientes fechados, mas não podem chamá-lo de casa. Habitações precárias onde em 20 metros quadrados convivem famílias inteiras, ou verdadeiros desconhecidos.
Se as situações são complicadas, quando cada um de nós fica em casa, imagine quando vemos as imagens dos campos de refugiados na Grécia e em outros rincões do mundo. Campos superlotados, sem condições de saúde para cumprir a quarentena e o isolamento, ou medidas de higiene adequadas. Nessa conjuntura em que vivemos, os campos de refugiados são realmente um local seguro para pessoas que foram forçadas a deixar suas casas fugindo da violência?
Algumas pessoas migrantes e refugiadas vivem atualmente em reclusão e isolamento em suas casas, sem redes de apoio com as quais possam se comunicar ou se sentir acompanhadas. O drama é ainda maior em pessoas que não são fluentes no idioma e têm sérias dificuldades até em conhecer as regras de saúde e isolamento. Algumas têm até medo de sair à rua para comprar, porque acreditam que a polícia irá pedir os documentos e terão problemas.
Hoje, existem diferentes centros de detenção em todo o mundo. No caso da Espanha, não há possibilidade de executar expulsões devido ao fechamento das fronteiras externas de mais de 120 países. Essa situação e as condições de superlotação experimentadas podem colocar em risco as pessoas internadas. Da mesma forma, problemas de convivência e de possibilidades de contágio podem ser outro elemento a acrescentar no caso de proporem prolongar as estadias.
Um dos trabalhos que realiza com suma dedicação uma boa porcentagem da população migrante, principalmente as mulheres, é o cuidado. Mulheres que cuidam de nossas pessoas idosas e de nossos pequenos. Muitas delas não têm a opção de deixar seus trabalhos e ficar em suas casas, realizando um trabalho social inestimável. O difícil é que tanto as condições de trabalho, como a importância do papel que desempenham no nível social, estão frequentemente longe de condições dignas e adequadas. Essa situação se agrava ainda mais quando as mulheres têm filhos e filhas sob seus cuidados, uma vez que, no momento em que estão no trabalho, não podem se ocupar como precisariam.
À solidão, às vezes se acrescenta a saúde física e/ou mental. O drama de pessoas que não apenas não podem sair de casa, mas que precisam sofrer a doença do coronavírus na solidão, com sérias dificuldades em se comunicar com o mundo exterior. Algumas sem o controle adequado para tomar seus medicamentos ou as consequências acarretadas pelo isolamento. Quem se ocupa daquelas pessoas que parecem invisíveis em nossas estatísticas e que não aparecem nas manchetes das notícias? O grande drama das pessoas migrantes com doenças mentais.
Um dos grandes dramas das pessoas migrantes e refugiadas é a sensação de desenraizamento e distância da família e dos amigos. Nesses momentos de maior tensão e preocupação com nossos idosos e pelas pessoas com doenças crônicas, as pessoas migrantes carregam esse fardo e uma maior limitação devido à distância de suas famílias e, às vezes, à falta ou a superexposição de informações que nem sempre ajudam a conhecer a situação real dos países e comunidades.
Com o fechamento das fronteiras em todo o mundo, há famílias que estão divididas e presas em locais de trânsito, com poucos meios para sobreviver, às vezes sem conhecer o idioma e a legislação local. Pessoas bloqueadas nos aeroportos, impossibilitadas de acessar informações básicas. O transbordamento de consulados e embaixadas são elementos que apresentam uma forte vulnerabilidade para certos grupos isolados pelo fechamento de fronteiras.
Não são poucas as pessoas migrantes com trabalhos precários, que já são afetados por demissões, ERTEs, e inclusive autônomos que veem em risco seu futuro profissional. O bloqueio econômico provocado pelo coronavírus afeta de forma mais premente as pessoas mais vulneráveis, aquelas que ocupam as camadas mais baixas do nosso mercado de trabalho. Uma grande porcentagem é formada por pessoas migrantes e refugiadas com necessidades especiais.
Como podemos cuidar das pessoas mais vulneráveis?
Dado o contexto atual, seria necessário implementar uma série de medidas com rapidez:
1. Evacuar campos de refugiados superlotados, bem como centros de detenção e fornecer acomodações seguras para os migrantes, onde possam se proteger contra a contração e a propagação do vírus.
2. Parar as deportações de migrantes, devido ao fechamento de fronteiras e à dificuldade que têm em muitos países de enfrentar crises de saúde devido às debilidades de seus sistemas de saúde.
3. Favorecer o acesso a cuidados médicos para as pessoas desabrigadas, as pessoas migrantes e refugiadas em trânsito, especialmente para os grupos mais vulneráveis.
4. Oferecer, em solidariedade, apoio humanitário e financeiro aos países e áreas mais afetadas pela atenção humanitária dos refugiados.
5. Facilitar os procedimentos de asilo e a defesa incondicional do estado de direito, mesmo em tempos de crise.
6. Fornecer recursos de emergência seguros para pessoas sem lar e que vivem em situações de superlotação e incapazes de cumprir as medidas de prevenção e isolamento.
7. Facilitar informações em vários idiomas sobre as medidas de prevenção e isolamento, bem como as indicações mais relevantes nos meios de comunicação.
8. Implementar redes de cuidado, especialmente para pessoas sozinhas, doentes e que acabaram presas pelo fechamento das fronteiras. Para isso, apoiar-se nas redes de cuidado que foram sendo geradas dentro da sociedade civil, igrejas, etc.
9. Trabalhar na sensibilização em favor dos grupos mais vulneráveis. Muitas pessoas migrantes estão cuidando de nossos idosos, o grupo mais atacado pela doença. Essas mulheres arriscam sua saúde e a dos seus. Da mesma forma, grande parte de nosso mercado de trabalho e redes de assistência são sustentados pelos grupos de imigrantes. Nestes tempos complexos, essas notícias deveriam aparecer com frequência em nossos jornais.
10. Lutar contra as fraudes e correntes populistas que associam migração e propagação da COVID-19, facilitando informação oficial sobre os processos de transmissão e as pessoas afetadas.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Migrações e refugiados na era da COVID-19 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU