05 Setembro 2019
Para não correr o risco da “irrelevância”, o desafio é um debate positivo com as novas perspectivas científicas sobre o humano: essa é a reflexão do presidente dos teólogos morais italianos. Para o Pe. Pier Davide Guenzi, “o pensamento moral deve indagar a diferença entre a previsibilidade de algumas ações e a liberdade do sujeito, entendida como cifra sintética do eu”.
A reportagem é de Andrea Lavazza, publicada por Avvenire, 04-09-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A teologia corre o risco da irrelevância entre os outros saberes? Ou até uma marginalidade eclesial? Ela pode sair desse “canto” cultural com um debate positivo com as novas perspectivas científicas sobre o “humano”. A convicção é do Pe. Pier Davide Guenzi, presidente dos teólogos morais e professor de Teologia Moral e de Ética Social na Faculdade Teológica da Itália Setentrional e da Universidade Católica de Milão.
O recente seminário da Associação Católica Teológica Italiana para o Estudo da Moral (Atism) 2019 escolheu como tema “Humanum: espécie e especificidade. Diálogo entre perspectivas científicas e teologia moral”. Isso pode ser interpretado como um reconhecimento pleno de que existem níveis diversos e relativamente novos de compreensão do comportamento humano, senão até do próprio ser humano.
Como tudo isso envolve a teologia moral?
O seminário da Atism não apenas reconheceu novos níveis de compreensão do humano e do seu agir graças à contribuição de diferentes perspectivas científicas, mas também quis promover um exercício dialógico e respeitoso da correlação dos saberes. Tal abordagem, que exige que a reflexão teológica seja um permanente laboratório de pesquisa, desenvolvendo um método dialógico e interdisciplinar, como recordado também por Francisco na Veritatis gaudium, envolve uma permanente disposição da teologia para dispor o seu saber específico com as formas de compreensão do humanum emergentes na contribuição de outros saberes.
A questão em jogo é séria: o risco de que o saber teológico se torne de fato irrelevante no conjunto dos outros saberes. Tomar consciência dessa marginalidade envolve uma clara consciência para os teólogos a não se excluírem em um mundo pensado à sua própria medida e, assim, se tornarem irrelevantes não só no cenário científico e cultural, mas também no próprio âmbito eclesial. Além disso, um debate dialógico e respeitoso dos limites epistêmicos de cada saber envolve um percurso de esclarecimento dentro da própria teologia, não redutível a uma simples atualização de temas e ideias, para que possa responder à sua tarefa de sempre: operar uma inteligência crítica da fé cristã, não temerosa do seu desenvolvimento, mas que reivindique no coração da sua própria identidade o impulso a manter continuamente aberto o seu esforço compreensivo diante dos desenvolvimentos dos conhecimentos.
Uma das perspectivas consideradas foi a da biologia evolucionista. Pode-se dizer que a evolução não é mais sentida como uma ameaça pela teologia, se é que alguma vez o foi? E, nesse sentido, como devem ser relidas a especificidade humana e a “dimensão natural” no plano teológico-moral?
No passado, a biologia evolucionista representou um elemento de conflito entre a suposta fixidez do cânone antropológico elaborado pela teologia e a dimensão histórico-natural que caracteriza os viventes, incluindo o ser humano. Além da oposição e da desconfiança do passado, sem por isso esquecer que existem “narrativas” em âmbito evolucionista expressamente destinadas a desqualificar um pensamento da diferença antropológica e, portanto, da especificidade própria do ser humano, deve-se reconhecer a possibilidade de interação fecunda entre os dois saberes, sem ceder a concordâncias precipitadas, na qual a unicidade do ser humano, em uma perspectiva evolucionista, se coloque na peculiaridade das relações, pelas quais o ser humano é “ser de linguagem”, mas também capaz de simbolizar a sua presença e as formas da sua ação no âmbito da bioesfera e de conferir (ou talvez de reconhecer) um sentido peculiar à própria ação.
O relato fundador da antropologia judaico-cristã, os 11 primeiros capítulos do Gênesis, pensa a “natureza” humana através da referência não às características biológicas, mas sim através das caracterizações que são a linguagem, a cultura e a socialidade em que, ao lado dos significados elementares da vida, também se evidencia as possível contraditoriedade da condição humana. As neurociências, entre os outros temas, interrogar a ética com dados que parecem indicar um espaço de liberdade do ser humano muito restrito, senão nulo.
Como se pode responder ao aspecto empírico com uma reflexão teológico-moral?
As neurociências modificaram a fronteira entre determinismo e liberdade, muito além dos tradicionais “condicionamentos”, também de tipo psicológico, considerados pela moral como inibidores do exercício e da qualidade do próprio arbítrio. Além disso, contribuíram para desconstruir uma imagem compacta do eu, do domínio do próprio raciocínio e da capacidade de autodeterminação. A reflexão moral, também em âmbito teológico, deveria refletir ainda mais sobre a diferença entre a previsibilidade de algumas ações e a liberdade do sujeito, entendida não simplesmente como um exercício entre opções alternativas, mas também como cifra sintética do eu que toma razão de si através do próprio agir. Em suma, a reflexão ético-teológica se move a partir de uma perspectiva mais ampla da liberdade, para a qual as estruturas de conhecimento, objeto dos relatórios da neurociência, embora inerentes a ela, não se identificam com o evento da consciência e do eu subjetivo, que acaba sendo excedente a eles.
O senhor também é palestrante no congresso da Associação Teológica Italiana, em Enna, intitulado “Repensar o humano? Neurociências, novas mídias, economia: desafios para a teologia”. Em que ponto está o diálogo entre a teologia e as outras ciências, que, a uma leitura talvez superficial, parecem hostis ou indiferentes a um saber especulativo?
Certamente, no âmbito da teologia – e da teologia moral, em particular – não faltam resistências à reivindicação crítica de explicação do real feita pelas ciências individuais, o que não significa esquecer o risco de operar uma redução ideológica do real por parte de algum saber. Uma retomada sintética crítico-construtiva sobre todo o real é própria do saber filosófico e teológico, mas, inversamente, isso não significa que ele não deva se deixar interpelar pelos outros saberes para a verificação do porte de verdade das suas próprias afirmações. O debate em Perugia trouxe à tona algumas passagens adicionais para o diálogo desejado. O convite do Papa Francisco na sua carta Humana communitas, de 6 de janeiro de 2019, pode ser retomado: “Não tenham medo de elaborar argumentações e linguagens que possam ser usadas em um diálogo intercultural e inter-religioso, além de interdisciplinar” (n. 11).
A expressão não é puramente retórica, mas identifica um compromisso dialógico preciso, colocando-se no plano linguístico e argumentativo. No nível das línguas, existe um amplo trabalho cultural que põe frente a frente saberes especulativos e saberes técnico-científicos, identificando com mais precisão conceitos e categorias, cujo espectro de compreensão é mais amplo do que o assumido dentro de uma única disciplina. Uma operação análoga em nível argumentativo: não é só um melhor conhecimento do ser humano oferecido pelas ciências que permite que a teologia e a ética superem certas ingenuidades ou fraquezas, mas, reciprocamente, também, a atenção à filosofia e à teologia garantem às disciplinas científicas individuais colocar a construção do próprio saber em um horizonte de complexidade sistêmica e permite uma constante disponibilidade para a revisão das próprias categorias, além de todo excesso de simplificação.
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Quando as neurociências interrogam a teologia. Entrevista com Davide Guenzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU