23 Agosto 2018
“É correto que a imprensa denuncie os males da Igreja, mas temos ao mesmo tempo que prestar atenção aos males futuros da sociedade”, escrevem Francesco Sisci, sinólogo italiano residente em Pequim, onde leciona na Renmin University of China, e Francesco Strazzari,professor de Ciência Política, em Pisa, Itália, em artigo publicado por Settimana News, 21-08-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Com uma carta comovente e sem precedentes, o Papa Francisco se posicionou ao lado de crianças vítimas de padres, atacando sacerdotes culpados de tentar encobrir abusos diante do ultraje público. Com isso, tentou desvendar um novo escândalo que tem atormentado a Igreja Católica por mais de uma década. Foi como se o Papa estivesse preparando moralmente a Igreja para desafios futuros.
“A dimensão e a gravidade dos acontecimentos obrigam a assumir esse fato de maneira global e comunitária. Embora seja importante e necessário em qualquer caminho de conversão tomar conhecimento do que aconteceu, isso, em si, não basta (...) Com vergonha e arrependimento, como comunidade eclesial, assumimos que não soubemos estar onde deveríamos estar, que não agimos a tempo para reconhecer a dimensão e a gravidade do dano que estava sendo causado em tantas vidas. Nós negligenciamos e abandonamos os pequenos”, escreveu o Papa.
“Estou passando mal do estômago. Palavras como horripilantes, traidoras e diabólicas vêm à mente, para descrever o abuso maligno perpetrado contra crianças. Delas foram roubadas a inocência e, muitas vezes, sua fé e seus futuros. A indecência de alguns bispos em não denunciar este mal é igualmente impressionante e profundamente pecaminosa. Creio que a Igreja está enfrentando um momento de crise que exige honestidade e arrependimento dos bispos e uma ação decisiva para garantir que essas falhas nunca mais aconteçam. A credibilidade dos bispos tem sido manchada aos olhos de muitos, incluindo muitos dos nossos fiéis”, disse Frank J. Caggiano, Bispo de Bridgeport.
Estas palavras e atitudes almejam virar a página contra aqueles que por muitos anos se esconderam e não tomaram nenhuma atitude. De fato, ao fazer isso, encorajaram esses terríveis crimes.
Por trás de toda essa relutância do passado, talvez houvesse também um preconceito ideológico - que a luta contra o aborto, os direitos dos homossexuais ou outros "desvios sociais sexuais" era mais importante do que a luta contra os padres criminosos que atacavam crianças. Como se isso devesse ser comparado de alguma forma.
A clareza da mensagem sobre abusos indiscutíveis talvez seja útil para fortalecer a Igreja contra outros problemas internos. Há uma persistente hostilidade contra outras religiões e, especialmente, contra o Islã, como se a Igreja endossasse e abençoasse uma nova cruzada.
Os cristãos fervorosos com inclinação para se tornarem cruzadistas são, em teoria (e não na prática) a imagem espelhada dos extremistas islâmicos plantando bombas em todo o mundo. Ambos visam primeiro a irmãos cristãos ou companheiros muçulmanos, culpados apenas por serem muito tolerantes com pessoas de diferentes religiões. Isso não acontece somente com os muçulmanos, mas também com outras religiões ou países governados por diferentes sistemas políticos. Essa intolerância insidiosa entre os católicos é um mau presságio para o futuro da Igreja e precisa ser erradicada antes que saia do controle e gere maiores males.
Com tudo isso, temos que entender plenamente que a fé e o entendimento dela estão embutidos no tempo, no momento histórico particular, e a Igreja é composta de homens e mulheres. A Igreja no passado realmente abençoou e encorajou cruzadas, perseguiu pessoas de diferentes religiões, queimou hereges na estaca, e de fato se alinhou com reis e imperadores ansiosos para expandir seus domínios e a busca de poder. Padres e até papas travaram guerra e foram mortos.
Mas a Igreja não é apenas uma história de traições dos fiéis. Essas ações não podem ser entendidas simplesmente com nossas sensibilidades modernas, em um mundo de internet e viagens espaciais onde as distâncias físicas podem ser rapidamente superadas pelo mundo virtual. Os tempos e as circunstâncias mudam, e a Igreja da mesma forma. Assim a Igreja moderna está disposta a sofrer mudanças. E ela está acontecendo. O relatório da Pensilvânia destaca que a grande maioria dos casos descobertos ocorreram antes do ano 2000, ou seja, a Igreja melhorou nas últimas duas décadas.
Este é um consolo para todo o mal que aconteceu, mas talvez seja também uma prova de que as sensibilidades sociais, bem como as sensibilidades da Igreja, mudaram. Ações que antes eram negligenciadas ou ignoradas se tornaram importantes ao longo do tempo. A atenção casual e superficial aos ataques sexuais por adultos na Igreja - e também na família - décadas atrás, era mais comum do que hoje e, embora desaprovada, não havia o cuidado que encontramos hoje.
O fato de que nós - a sociedade - agora prestamos grande atenção a isso, e da mesma forma a Igreja, significa progresso e uma vitória para a sociedade. Deus abençoe todas as denúncias e revelações devidas.
A atenção social e midiática dos Estados Unidos sobre esses novos elementos e sua determinação em abrir caminho para novas questões precisam ser estudados e espelhados.
Por outro lado, há também algo profundamente perturbador acontecendo na América - a aceitação pública de cultos satânicos, com, por exemplo, uma estátua de Baphomet sentada em um espaço público na capital do Arkansas! Como o Papa disse que todas as religiões querem o bem das pessoas, todas as religiões devem ser respeitadas porque trabalham por isso.
Isso de fato não inclui cultos que defendem abertamente o mal. O satanismo não é contra as religiões, é contra qualquer coisa boa. Isso não significa que os adoradores do diabo devam ser postos em jogo, pois combater o mal com o mal é o triunfo do diabo. Mas celebrar e aceitar o satanismo como apenas "outra religião" também é preocupante, até mais que extremistas religiosos, que têm por objetivo confrontar os princípios originais de uma boa fé. O satanismo está apenas pregando o mal e, ao fazê-lo, produz o mal.
É correto que a imprensa denuncie os males da Igreja, mas temos ao mesmo tempo que prestar atenção aos males futuros da sociedade - o satanismo em suas formas abertas, ou disfarçado pelo extremismo religioso.
É um momento difícil. Muitas pessoas se sentem ameaçadas no modo de vida ao qual se acostumaram. As diferenças técnicas, políticas e sociais são agora mais frequentes e de alcance muito maior do que em qualquer outro período da história. Muitas pessoas, frequentemente as mais fracas e menos instruídas - as que mais sofreram em suas vidas -, estão com medo de mais tragédias. Essas pessoas precisam ser cuidadas e compreendidas. Elas são as novas vítimas que a Igreja talvez tenha que focar sua atenção antes de se tornarem os futuros mártires do novo mundo.
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Crise de abusos: novos desafios virão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU