Por: Isabelle Bastos Ferreira | 29 Setembro 2023
“A inclusão da moradia no rol dos direitos sociais foi feita a partir de Emenda Provisória, como resultado da luta dos movimentos sociais por moradia”. Essa foi a consideração inicial de Danniele Gatto, no dia 26 de setembro, ao abordar o tema O SUAS e a transversalidade do direito à moradia, no quinto encontro da série de debates Questões do SUAS no enfrentamento das vulnerabilidades sociais.
Grupo de participantes da atividade "O SUAS e a transversalidade do direito à moradia"
Danniele Gatto é graduada em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC e especialista em Estatística com Ênfase em Pesquisa pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR. Há quinze anos atua na área de direito à cidade e habitação de interesse social. Durante muitos anos, foi representante do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política da População em Situação de Rua – CIAMP-Rua Curitiba, conselheira do Concidades Paraná e membra da Câmara de Direito à Cidade, do Conselho Regional de Serviço Social do Paraná – CRESS/PR. Atualmente trabalha na área sociojurídica no Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC.
A iniciativa do CEPAT contou com a parceria e o apoio das seguintes instituições: Instituto Humanitas Unisinos – IHU, Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida – OLMA, Departamento de Ciências Sociais da UEM, Núcleo de Direitos Humanos da PUCPR e Curso de Serviço Social da PUCPR.
Danniele Gatto organizou a sua exposição em cinco tópicos: (1) Direito à moradia; (2) Política Urbana e Habitacional; (3) Frentes da Política Habitacional; (4) Conceito de transversalidade; (5) SUAS e o direito à moradia.
O direito à moradia foi reconhecido pela primeira vez na Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas – ONU, em 1948, e desde 2000 é considerado um direito social (artigo 6º) pela Constituição Federal de 1998.
Para Gatto, a moradia é um direito estruturante e está ligada ao princípio de igualdade e direito à vida, sendo um direito amplo e que precisa ser compreendido para além de somente ter uma casa para morar, uma vez que se concretiza na relação com outras políticas públicas, como, por exemplo, de educação, saneamento básico, saúde, água e luz, sendo então necessário ampliar a noção de direito à moradia para a noção de direito à cidade.
Ao tratar do direito à cidade, Gatto traz a compressão do Fórum Social Mundial (2006), apontando que “o Direito à Cidade é interdependente a todos os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, concebidos integralmente, e inclui, portanto, todos os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais que já estão regulamentados nos tratados internacionais de direitos humanos”. Para Gatto, é dentro do direito à cidade que se encontra o direito à moradia adequada.
De acordo com Gatto, a história da política habitacional no Brasil é cheia de grandes interrupções, tendo avanços significativos em 2003 com a criação do Ministério das Cidades e a implementação de instâncias locais, regionais e nacionais de participação e controle social, tendo pela primeira vez uma agenda política no país que tratasse do desenvolvimento urbano, mobilidade urbana, saneamento básico e habitação.
Gatto ainda dá destaque para dois programas que são fundamentais dentro da política de habitação no Brasil: o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV).
Sobre o Programa MCMV, lançado em 2008 e 2009, Gatto aponta que foi a primeira vez que famílias com renda de R$ 0,00 a R$ 1.600,00, mulheres com filhos, pessoas com deficiência e pessoas idosas foram priorizadas na política habitacional, sendo o programa que até o momento teve o maior recorte social.
Atualmente, ainda de acordo com Gatto, a política habitacional brasileira tem como principais atores os organismos internacionais, como o Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, Agência Francesa de Desenvolvimento e o Fundo Financeiro para Desenvolvimento da Bacia do Prata.
A política urbana está positivada na Constituição Federal de 1988 (artigo 182) e deve ser executada pelos municípios considerando as particularidades regionais. Para Gatto, a forma como a política foi positivada traz fragilidades, uma vez que não aborda muitos critérios gerais para todos os municípios, fazendo com que poucos municípios executem a política urbana.
De acordo com Gatto, a política habitacional no Brasil se organiza a partir de quatro principais frentes, a saber: urbanização de favelas, provisão habitacional, regularização fundiária e requalificação habitacional.
O processo de urbanização de favelas é responsável por identificar a ocupação do solo pelos/as moradores/as, fazer a abertura de vias, implementação de infraestrutura e remoção e eliminação de situações de risco, como malha ferroviária, alta tensão dos rios e enchente. A provisão habitacional é responsável pela construção das moradias e reassentamentos. Gatto ressalta que, nos projetos de moradia, evita-se ao máximo fazer reassentamentos, tendo como prioridade a manutenção dos vínculos dos/as moradores/as com o território.
A regularização fundiária e a requalificação habitacional tratam das questões relacionadas ao direito à propriedade, posse, segurança jurídica, adequação habitacional e inclusão no espaço legal da cidade.
Sobre a transversalidade, Gatto aponta que o conceito surge no âmbito da educação e ganha força nas políticas públicas em 1995, na IV Conferência Mundial sobre a Mulher, com a aprovação da Declaração de Beijing, que incorpora as discussões de gênero nas políticas públicas, a partir da interseccionalidade.
De acordo com Gatto, a transversalidade reorienta as ações públicas e integra diferentes eixos estruturantes de desigualdade que serão objetos de intervenção de determinados vetores de políticas públicas, sendo dividida em um processo de três dimensões: (1) introdução das discussões sobre temas emergentes no país; (2) incorporação das discussões nas agendas políticas e nas diferentes esferas de participação popular; e (3) materialização e institucionalização das políticas públicas transversais.
Gatto destaca duas temáticas que têm sido fundamentais para pensar políticas públicas no Brasil, a partir da transversalidade: a interseccionalidade e a crise climática. Sobre a interseccionalidade, Gatto aponta que tem sido cada vez mais necessário agregar as articulações de classe, raça e gênero nas políticas públicas para pensar o direito das mulheres.
Quanto à crise climática, Gatto alerta para a importância de se pensar cidades resilientes, fortalecendo políticas públicas que façam diagnóstico socioterritorial, mapeamento de áreas de risco, programas habitacionais de realocação, propostas educativas de consciência planetária e mudanças reais na relação do humano com o meio ambiente.
Transversalidade na prática (ENAP, 2013).
O Sistema Único de Assistência Social – SUAS é um direito positivado na Constituição Federal de 1988, dentro do tripé da Seguridade Social. É organizado de maneira descentralizada, participativa, pública e não contributiva. O SUAS se estrutura por níveis de proteção e por complexidade, tendo a proteção social básica que atua com situações de baixa complexidade e a proteção social especial que atua com situações de média e alta complexidade.
Em relação à atuação do SUAS no direito à moradia, Gatto aponta que a temática precisa ser trabalhada de maneira transversal, intersetorial e multiprofissional, sendo o território “o chão do exercício da cidadania”, uma vez que é no território que se evidencia as expressões da questão social e as possibilidades de propostas de intervenção e mudança.
Para Gatto, a atuação do SUAS no direito à moradia consiste em fomentar a participação popular em todo o processo de construção das políticas públicas de moradia, compreendendo a população como sujeitos de direitos; buscar estratégias de promoção de autonomia, protagonismo e desenvolvimento; intervir na realidade local reconhecendo o território e identificando as suas potencialidades; assegurar o atendimento prioritário para crianças, pessoas idosas, pessoas com deficiência e mulheres chefes de família; pautar a discussão de moradia para a população em situação de rua; atuar de maneira interdisciplinar, buscando o fortalecimento da rede; e promover debates sobre mudanças climáticas.
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Moradia, um direito estruturante - Instituto Humanitas Unisinos - IHU