Por: Isabelle Bastos Ferreira | 07 Junho 2023
O Brasil tem passado por um período de intensa intolerância relacionada às questões da diversidade e da inclusão, com o aumento dos crimes de ódio atrelado à retomada de valores nazistas e fascistas em conjunto com os avanços da extrema-direita. “Vivemos em um tempo de eliminação física pelo fato de as pessoas serem diferentes”, denunciou Daraci Rosa dos Santos, em 23 de maio ao abordar o tema Diversidade e Inclusão no atendimento do SUAS, no segundo encontro da série de debates presenciais Questões do SUAS no enfrentamento das vulnerabilidades sociais.
Além da participação de Daraci Rosa dos Santos (Marcha Mundial das Mulheres), a atividade também contou com a participação de Raquel Barcelos de Araújo (RBA Assessoria Coaching e Treinamentos).
Grupo de participantes da atividade: Diversidade e inclusão no atendimento do SUAS.
A iniciativa do Centro de Promoção de Agentes de Transformação – CEPAT contou com a parceria e o apoio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, do Departamento de Ciências Sociais da UEM, do Núcleo de Direitos Humanos da PUCPR, do Curso de Serviço Social da PUCPR e do Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida – OLMA.
A atividade foi organizada em dois momentos: iniciou abordando o tema da diversidade, com Daraci Rosa dos Santos e, em seguida, o tema da inclusão, com Raquel Barcelos de Araújo.
A Política Nacional de Assistência Social – PNAS/2004 e a Norma Operacional Básica – NOB/SUAS delimitam o público usuário do SUAS, apontando que para além das pessoas em vulnerabilidade socioeconômica e com fragilidade de vínculos de afetividade, pertencimento e sociabilidade, o SUAS também é responsável por atender pessoas em situação de vulnerabilidade e riscos relacionados à questão de raça, etnia, gênero, orientação sexual, cultura, pessoa com deficiência e diferentes situações de violência. O texto da PNAS/2004 e da NOB/SUAS é fundamental para visualizar a dimensão do atendimento do SUAS.
A partir desses elementos, Daraci Rosa dos Santos inicia sua exposição sobre diversidade fazendo uma diferenciação entre tolerância e respeito, ressaltando que “tolerância” não é o termo mais adequado quando se discute o tema da diversidade, sendo de fundamental importância materializar no cotidiano da vida social a noção de respeito, uma vez que o respeito reconhece a diferença e compreende que “o diferente é igual em termos de direitos e cidadania”.
Apesar da PNAS/2004 tratar da diversidade em vários aspectos, a regulamentação não detalha como deve ser feita a operacionalização da política a partir da diversidade. Santos relembra que historicamente o SUAS tem atendido somente pessoas pobres no seu sentido clássico, mas que ao observar a descrição sobre o público usuário, nota-se que o SUAS atua com diferentes formas de vulnerabilidades e riscos.
Para além disso, Santos também aponta que os conceitos de vulnerabilidade, risco, exclusão e diversidade inseridos nos documentos da Política de Assistência Social são conceitos pós-modernos e neoliberais implementados por organizamos internacionais que investem em políticas públicas nos países de capitalismo dependente. As políticas sociais são riquezas socialmente produzidas e, portanto, são disputadas por diferentes grupos econômicos, políticos e sociais.
De acordo com Santos, o público da diversidade são pessoas que historicamente foram jogadas à margem da sociedade e que por muito tempo estiveram invisíveis nas diretrizes internacionais e nas agendas de políticas públicas e que, nos últimos anos, têm conseguido ampliar cada vez mais o seu espaço nessas discussões por meio das lutas dos movimentos sociais, que gradualmente foram se apropriando do termo diversidade e ressignificando o seu conceito a partir da classe trabalhadora.
Historicamente, a diversidade tem sido utilizada para aprofundar a desigualdade, a opressão e a manutenção do capital. Para Santos, o seu não reconhecimento faz com que as pessoas fiquem à margem, dificultando cada vez mais o mapeamento das violências existentes no território brasileiro.
A partir dessas considerações, Santos aponta para a necessidade de coletivizar as práticas dentro do SUAS, com o fortalecimento dos movimentos sociais, buscando o desenvolvimento da autonomia e o protagonismo dos usuários, não só dentro da política, mas na vida em sociedade. As políticas públicas precisam atuar para ofertar condições de superação das desvantagens, mas também na perspectiva de prevenção.
Outro ponto fundamental destacado por Santos é a tentativa de neutralizar os termos de inclusão da população LGBTQIAPN+, apontando que a neutralidade acaba invisibilizando todos os sujeitos.
Em sua fala, Santos faz ainda a diferenciação de desigualdade e diversidade, apontando que a desigualdade é estrutural do capitalismo, que tem como base a contradição entre capital e trabalho, ao passo que a diversidade se refere às diferenças no âmbito da diversidade humana de raça, etnia, sexo, gênero, orientação sexual, entre outros, e que alguns dos elementos que acompanham a diversidade são: pluralidade, variedade, diferenças, personalidade, história de vida, individualidade, identidade e potencialidade.
A partir da Constituição Federal de 1988, Santos faz a diferenciação de igualdade e equidade, ressaltando que não se pode discutir igualdade de maneira generalizada, mas, sim, a partir da noção de igualdade nas diferenças e na possibilidade de as diferenças serem manifestadas e respeitadas.
Daraci Rosa dos Santos finalizou sua abordagem do tema fazendo algumas reflexões sobre o SUAS e a questão da diversidade a partir de três pilares: representatividade, comprometimento e consistência.
Os dados da Agência Brasil (2021) apontam que existem cerca de 18 milhões de pessoas de 2 anos ou mais com deficiência no país. Desse total, 15 milhões residem em domicílios urbanos e 3 milhões em domicílios rurais. Além disso, 12 milhões são mulheres e 8 milhões são homens. Do total, são 8 milhões de pessoas pardas, 7,1 milhões brancas e 2,1 milhões pretas. Esses foram alguns dos dados trazidos por Raquel Barcelos de Araújo em sua exposição sobre a temática da inclusão.
A partir dessas informações, Araújo ressaltou que ao discutir o tema da inclusão e pessoas com deficiência – PCD é necessário se atentar às possibilidades de interseccionalidade, como a questão de moradia, raça e gênero, uma vez que esses elementos também impactam na sociabilidade da PCD.
Para iniciar a reflexão sobre inclusão, Araújo aborda a construção histórica do princípio de igualdade, equidade e justiça social, apontando que o SUAS, a partir da PNAS/2004, trabalha nas perspectivas de equidade e justiça social, sendo a equidade um elemento fundamental para respeitar e tratar a diferença com dignidade.
Para além da PCD, Araújo aponta que a PNAS/2004 aborda a inclusão, em seu sentido amplo, como ferramenta de integração nas políticas públicas de grupos marginalizados socialmente. Sendo o objetivo da inclusão, portanto, proporcionar oportunidades iguais para todas as pessoas.
Historicamente, as minorias sociais não são incluídas no espaço público e ainda que a PNAS/2004 traga a perspectiva de inclusão, dificilmente a prática de inclusão é aplicada no cotidiano profissional. Para Araújo, é fundamental que se inclua as/os usuárias/os no processo de sistematização da prática profissional e na construção das políticas sociais, visando a garantia de direitos e a ampliação da cidadania.
Participantes da atividade: diversidade e inclusão no atendimento do SUAS
A partir dessas considerações, Araújo sinaliza que a falta de compreensão das bases de construção da Política de Assistência Social faz com que muitas vezes se reproduza a resistência em aceitar a diversidade, reforçando assim a lógica punitivista e vigilante no fazer profissional. Sobre a inclusão e a PCD, Araújo relembra a importância da Lei n. 13.146/2015, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, apontando que a legislação é fruto de pressupostos e acordos internacionais e que o Estatuto é “um conjunto de normas destinadas a assegurar e a promover, em igualdade de condições, o exercício dos direitos e liberdades fundamentais por pessoas com deficiência, visando à sua inclusão social e a cidadania”.
Com base no Estatuto da Pessoa com Deficiência, Araújo aponta que o SUAS é responsável por garantir os direitos relacionados à renda, acolhida, habilitação, reabilitação, desenvolvimento da autonomia e da convivência familiar e comunitária da PCD.
No âmbito da proteção social básica do SUAS, Araújo reforça que a política garante para a PCD a proteção social básica no domicílio, visando a garantia e o acesso aos direitos sociais e, a nível de proteção social especial de média e alta complexidade, garante a existência de Centros-dia e de instituições de acolhimento inclusivo.
Araújo encerrou a sua fala ressaltando que o Estatuto da Pessoa com Deficiência é um instrumento fundamental para o avanço de políticas sociais que atendam as especificidades da PCD e que para atender esse público é necessário pensar a partir de um trabalho em rede, identificando as possibilidades do território para o enfrentamento das diferentes expressões da questão social.
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Diversidade e inclusão: “O diferente é igual em termos de direitos e cidadania” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU