03 Setembro 2021
Em junho, a Academia para a Vida publicou um texto sobre "a amizade com pessoas com deficiência". É um texto rico e importante que merece atenção. Pedi a Anna Peiretti - responsável pelo projeto “Livros para todos” da Fundação Paideia de Torino - que comentasse o documento. Agradeço por sua contribuição e proponho aqui o seu texto.
O comentário é de Andrea Grillo, teólogo italiano, publicado com o texto de Anna Peiretti em seu blog Com Se Non, 02-09-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
“A amizade com pessoas com deficiência: o início de um novo mundo. Aprender com as experiências das pessoas com deficiência e seus cuidadores durante a pandemia de Covid-19" é o título da Nota da Pontifícia Academia para a Vida, publicada em 14 de junho de 2021. O documento parte da análise do impacto desproporcional que a Covid-19 teve sobre as pessoas com deficiência, já mais frágeis, para apresentar a urgência e a necessidade de uma discussão sobre algumas questões éticas fundamentais. O Papa Francisco na Mensagem para o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência (3 de dezembro de 2020) expressou a situação em palavras claras: “A atual pandemia destacou ainda mais as disparidades e as desigualdades generalizadas no nosso tempo, em particular em detrimento dos mais vulneráveis. O vírus, embora sem fazer distinção entre as pessoas, encontrou, em sua trajetória devastadora, grandes desigualdades e discriminações. E só as piorou”.
O tema do bem comum torna-se central neste nosso tempo de pandemia, como horizonte em que reconhecer a igual dignidade e o valor da pessoa com deficiência. A reflexão prossegue, portanto, sobre a identidade única e original de cada ser humano, seja qual for a sua fragilidade.
O modelo sugerido por esse texto do magistério sobre a deficiência é baseado na participação; interessante, porque é comum a todas as decisões legislativas europeias sobre inclusão, bem como recorrente em várias ocasiões na Agenda 2030.
Na Nota não há referência a um modelo de assistência sanitária centrado na pessoa, mas também expressa os votos de que as pessoas com deficiência se envolvam, tanto quanto possível, no processo de planejamento e deliberação em relação à sua assistência sanitária. A inclusão, portanto, mesmo na visão da Igreja, começa com um “movimento de baixo”, para imaginar e projetar espaços e tempos em que se colocar à escuta da voz dos mais fracos, para promover a remoção dos obstáculos à participação de todos. Somente acolhendo este convite perceberemos as grandes possibilidades da criatividade pastoral!
A Nota, além disso, chama à consciência de que “cada ser humano é composto por uma miríade de aspectos biológicos, psicológicos, ambientais, sociais e espirituais, cada um ligado ao outro. Nenhum ser humano é redutível a uma parte ou a uma função do seu ser”. A mensagem é clara; a pessoa com deficiência não esgota a sua identidade na doença, na deficiência. Portanto, o apelo a considerar a pessoa como um todo deve nos levar a questionar as classificações que frequentemente usamos para identificar o diferente. Espero que surja um confronto vivo na Igreja para que, antes de pensar em estratégias assistencialistas, nos questionemos sobre as palavras e as categorias com que reconhecemos a pessoa com deficiência. Portanto, as ações serão boas e eficazes. Só depois, não sem ter considerado o olhar que voltamos para a pessoa com deficiência, é que a Nota chama para a equidade na assistência sanitária e a outras ações de apoio.
Chama a atenção que a Nota dedique algumas linhas para argumentar o falso preconceito de que a deficiência tenha sido identificada como consequência do pecado original. Eu teria preferido não encontrar vestígios, ainda, de Gênesis 3,7-25 ou Gênesis 1,31; teria acolhido a falta de argumentação sobre preconceito (a deficiência como culpa) como sinal de uma teologia agora madura.
Aprecio que a Nota, portanto, se desenvolva a partir da necessidade de reflexão antropológica, para depois enumerar uma série de recomendações práticas para uma política de saúde pública e vigilância sobe ações e instrumentos não discriminatórios para a pessoa (ver ponto 5 da Nota).
Em conclusão, este tempo provoca todas as pessoas de fé a reconhecerem a dignidade da pessoa com deficiência, mais exposta ao imprevisível e à fragilidade, na comunidade. Exorta-nos a reconhecer seu valor para o bem comum. O peso da pandemia e seus efeitos parecem ser um forte apelo para preservar a bondade e a beleza da fragilidade humana, do limite e da fraqueza que todos temos em comum. É hora de dar mais um passo na construção de um mundo melhor, um mundo no qual as pessoas com deficiência sejam sempre valorizadas, tratadas com amizade e amadas.
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Pandemia e pessoas com deficiência: comentário a um texto do magistério (de Anna Peiretti) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU