Carlos Drummond de Andrade e o sentimento do mundo. Entrevista especial com Faustino Teixeira

“O que encanta em Drummond é o seu compromisso com o tempo, pois é aqui e agora, na materialidade do mundo, no tempo presente, que o poeta e sua mensagem se inserem de forma única e singular”, destaca o teólogo

Imagem: Pixabay

22 Março 2025

“Vivemos tempos muito difíceis nesse século XXI, em que os horizontes estão bem embaçados. Em tempos de crise, a poesia entra como um poderoso dossel de reação e esperança (...) para reafirmar significados que são essenciais, promover desenhos de esperança e facultar nossa capacidade de sonhar, tão essencial”. É com esta motivação que Faustino Teixeira iniciou, na semana passada, o curso livre A poesia de Carlos Drummond de Andrade, promovido em parceria com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU. O evento aborda os livros do poeta brasileiro que cobrem o período de 1930 a 1962. Teixeira também deu prosseguimento a mais uma edição do ciclo Filmes em Perspectiva, que mescla filmes clássicos e contemporâneos, na última quarta-feira, 19-03-2025.

A poesia, que forjou o desenvolvimento pessoal do pesquisador desde a infância, é e tem sido, assegura, a “porta e janela para outros lugares, alternativos e sadios”.

Nesta entrevista, concedida ao IHU por e-mail, o teólogo comenta a relação entre poesia e teologia, com ênfase para os traços espirituais na obra de Drummond. “Os traços espirituais de Drummond não estão concentrados em um ponto específico, mas estão presentes como fragmentos ao longo de seus poemas. Não há dúvida sobre o interesse de Drummond com respeito ao mistério do mundo. Sua espiritualidade, se assim podemos dizer, está contida na dinâmica de sua atenção ao cotidiano”, resume.

Teixeira comenta ainda a carta do Papa Francisco sobre o papel da literatura na educação. “Na visão de Francisco, com a qual concordo, a literatura é vista como ‘algo não essencial’. Essa carência das humanidades no campo da formação teológica é algo mesmo problemático. Os estudantes ficam restringidos ao pequeno circuito teológico, com carência evidente de disciplinas que possibilitem uma ampliação do olhar. Daí a advertência precisa e fundamental de Francisco em sua carta. A literatura é, sem dúvida, um essencial ingrediente na tessitura do mundo pessoal”, observa.

A primeira aula do curso livre A poesia de Carlos Drummond de Andrade foi transmitida na quarta-feira passada, 12-03-2025, na página eletrônica do IHU, no YouTube e no Facebook. O próximo encontro será em 26-03-2025, às 14h. A programação completa está disponível aqui.

Na quarta-feira à tarde, o teólogo comentou o filme "Estamos todos bem", de Giuseppe Tornatore (1990). A transmissão pode ser revista no YouTube, no Facebook e na página do IHU. A lista dos nove filmes a serem comentados neste semestre está disponível na página do evento.

Faustino Teixeira (Foto: Ricardo Assis/UFJF/divulgação)

Faustino Teixeira é colaborador do Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Possui graduação em Ciência das Religiões pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), graduação em Filosofia pela mesma instituição, mestrado em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e doutorado em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana. É professor emérito da Universidade Federal de Juiz de Fora, no PPG em Ciência da Religião.

Confira a entrevista.

IHU – Qual é a proposta do curso A poesia de Carlos Drummond de Andrade?

Faustino Teixeira – Desde que me aposentei na UFJF, em 2017, venho me dedicando a trabalhar os temas da literatura e do cinema. Encontrei aqui no Instituto Humanitas da Unisinos – IHU um dos espaços fundamentais para atuar na área, com os cursos longos e os Filmes em Perspectiva. No campo da literatura, comecei com os cursos sobre Guimarães Rosa, iniciando com Grande Sertão: Veredas e depois os contos. Em seguida, dei quatro cursos longos sobre Clarice Lispector: Crônicas, Contos, Romances e Cartas. Na sequência dei ainda dois outros cursos, sobre Graciliano Ramos e Fernando Pessoa. Agora, no primeiro semestre de 2025, resolvi tratar a poesia de Carlos Drummond de Andrade.

A proposta é navegar com calma por todos os livros fundamentais de Carlos Drummond de Andrade, de forma particular os livros que cobrem o período de 1930 a 1962, ou seja: Alguma poesia, Brejo das almas, Sentimento do mundo, José, A rosa do povo, Novos poemas, Claro enigma, Fazendeiro do ar, A vida passada a limpo, Lição de coisas. Resolvi ainda acrescentar outros três livros de poemas: Menino antigo, Impurezas do branco e Farewell. A obra de referência para o trabalho é o precioso livro: Carlos Drummond de Andrade. Poesia 1930-1962. Edição crítica (Cosac Naify, 2012).

Procurei mergulhar nos poemas de Drummond com paciência, carinho e muita dedicação, recorrendo a obras de apoio que considero fundamentais, e que estão na bibliografia que acompanha o cronograma divulgado no IHU. Entre os trabalhos consultados estão livros preciosos, como os organizados por Eucanaã Ferraz. Utilizei também outras obras de referência, como as de Afonso Romano de Santanna, José Guilherme Merquior, Alcides Villaça, John Gledson, Sonia Brayner, Murilo Marcondes Filho e José Miguel Wisnik. Há também os preciosos artigos de Silviano Santiago, Paulo Rónai, Antonio Houaiss, Antonio Candido e Alfredo Bosi.

Aproveitei os últimos meses para trabalhar com calma essas obras e artigos e montar o curso, que espero possa favorecer aos alunos e acompanhantes uma boa entrada nesse poeta que é considerado, com razão, um dos mais importantes da literatura brasileira.

IHU – Por que escolheu trabalhar este poeta no curso livre deste semestre?

Faustino Teixeira – Tomei uma decisão importante no meu trabalho no IHU, ao escolher abordar autores brasileiros para os cursos ministrados. A escolha de Drummond foi essencial para inaugurar a sessão dos poetas. Como mostrou com pertinência Tristão de Athayde (Alceu Amoroso Lima), Drummond “é o maior poeta brasileiro moderno e talvez de todos os tempos”. Há também uma outra razão que motivou minha escolha. Vivemos tempos muito difíceis nesse século XXI, em que os horizontes estão bem embaçados. Em tempos de crise, a poesia entra como um poderoso dossel de reação e esperança.

Como mostrou com pertinência a antropóloga Michèle Petit, em seu livro Somos animais poéticos, em tempos sombrios há sempre o risco de crises que envolvem o fundamento da vida em sociedade, daí entrar a poesia como recurso importante para reafirmar significados que são essenciais, promover desenhos de esperança e facultar nossa capacidade de sonhar, tão essencial. A poesia é como porta e janela para outros lugares, alternativos e sadios, e que potencializa a nossa teimosia em permanecer atentos e fortes diante das ruínas, fortalecendo a dinâmica de ressurgência. No posfácio de seu livro, As impurezas do branco, Bruna Lombardi traduziu belamente o significado da poesia de Drummond. A seu ver, a poesia do itabirano “penetra sorrateira em lugares inesperados. Desperta novos tons e afia os nossos sentidos. Aponta a luz do humor e de uma ironia particular. É solitária e se abriga dentro de nós, precisando desse acolhimento. Sua poesia confessa sua carência e sua necessidade”.

Como sinalizou José Guilherme Merquior, em obra sobre Drummond, a poesia emerge “quando o universo se torna insólito, enigmático, embaraçoso – quando a vida não é mais evidente”. Nesse sentido, nada mais singular do que abrir espaço para esse poeta tão atento ao mundo cotidiano e tão crítico diante das mazelas do mundo. Como cantou Drummond em poema sublime, “o tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente”.

IHU – Que aspectos da obra ou poemas de Drummond serão abordados em cada aula? Pode nos apresentar um breve itinerário do curso?

Faustino Teixeira – Meu grande interesse nesse curso é sinalizar essa atenção precisa de Drummond ao mundo cotidiano, e também “a grande dor das coisas”. Através da leitura e apresentação de seus poemas, pretendo tocar em sete nervuras essenciais da reflexão do itabirano, que já estão contidas em seu poema que abre a obra Alguma poesia: o seu desajeitamento existencial, o seu espanto diante do mundo, o amor que transfigura o sujeito, a dinâmica do eu e a convocação do outro, a solidão do sujeito face ao Mistério Maior e a atenção face ao momento. Todos esses temas estão no foco de atenção desse homem “atrás dos óculos e do bigode”.

Estarei igualmente atento à sua sensibilidade com respeito ao mundo animal. Drummond foi outro dos poetas brasileiros que abriu caminhos para a zooliteratura. Lembro aqui um de seus poemas característicos sobre o tema, quando lamenta a incapacidade dos seres humanos de escutar “o canto do ar” e os “segredos do feno”, como fazem de forma admirável os bois [1]. Seguindo uma pista revelada num poema singelo, quando Drummond nos convida a penetrar “surdamente” no universo das palavras, pretendo igualmente acercar-me de algo que preocupou o poeta mineiro nas suas últimas duas décadas de vida: “procurar o ponto misterioso e aparentemente inacessível (...) que desse conta da diversidade rebelde da vida ao nascedouro dela” (Silviano Santiago).

Poderia ainda acrescentar que outra razão que motivou a minha escolha foi a liberdade do poeta, e igualmente sua audácia de lidar com os imprevistos. Seus poemas são portadores de um alcance para além das palavras, com ressonâncias magnéticas. Como diz o poeta:

“as palavras não nascem amarradas,
elas saltam, se beijam, se dissolvem,
no céu livre por vezes um desenho,
são puras, largas, autênticas, indevassáveis” [2].

IHU – Que relações há entre a vida e a obra poética de Drummond?

Faustino Teixeira – A vida de Drummond foi sempre caracterizada pelo recolhimento e pelo trabalho interior do eu. Não foi alguém afeito ao sucesso e à fama. Evitou dobrar-se aos convites da notoriedade e procurou reiteradamente viver de forma simples e humilde a dinâmica de seu cotidiano. Jamais angariou desejos de pertencer à Academia Brasileira de Letras. Sua vida foi tecida pelo desejo de irradiar vida e ser um testemunho profético do tempo. Procurou a todo momento fazer uma leitura lúcida do mundo ao seu redor, equilibrando a concentração interior e a abertura cosmopolita. Como apontou Silviano Santiago, Drummond foi um “extraordinário leitor”, que conseguiu reverberar para nós sua ocular do mundo. Não leu apenas livros e jornais, mas também filmes, obras de arte, fotografias. O seu olhar volta-se de forma muito particular para os pequenos detalhes e para o canto das coisas. Concordo com Antonio Candido quando sublinha que o “alargamento do gosto pelo cotidiano” constitui um dos principais fulcros de sua obra. Em poema de Farewell, ele revela que guarda em si um “bicho subterrâneo”, sempre atento a mostrar sua face, quando a dor se instaura:

“Às vezes o tigre em mim se demonstra cruel
como é próprio da espécie.
Outras, cochila
Ou se enrosca em afago emoliente
mas sempre tigre; disfarçado” [3].

IHU – Quais são os traços espirituais identificados na obra poética de Drummond?

Faustino Teixeira – Os traços espirituais de Drummond não estão concentrados em um ponto específico, mas estão presentes como fragmentos ao longo de seus poemas. Não há dúvida sobre o interesse de Drummond com respeito ao mistério do mundo. Sua espiritualidade, se assim podemos dizer, está contida na dinâmica de sua atenção ao cotidiano, que o acompanhou até o fim:

“Que ainda sinta cheiro de fruta,
de terra na chuva, que pegue,
que imagine e grave, que lembre,
o tempo de conhecer mais algumas pessoas (...).

E de olhar esta folha, se cai.
Na queda retê-la. Tão seca, tão morna (...)” [4]

Assim como no Zen Budismo, sua atenção não se volta para o além, para o transcendente exterior, mas para a terrenalidade do tempo, para a imanensidade. Há algo nele que o faz aproximar-se da visão de Hilda Hilst, para quem é esse mundo presente o espaço da celebração da vida. É o único mundo que temos acesso. É o que pensa também Drummond, e que celebra todo o tempo em sua poesia. Não perde, porém, a capacidade de maravilhamento com o mistério que está por toda parte:

“Eu também já fui poeta.
Bastava olhar para mulher,
pensava logo nas estrelas
e outros substantivos celestes.
Mas eram tantas, o céu tamanho,
minha poesia perturbou-se” [5]

No dicionário Drummond, organizado por Eucanaã Ferraz e Bruno Cosentino, há um verbete sobre o ateísmo em Drummond, de autoria de Antonio Cícero. Ele fala, sim, em agnosticismo em Drummond, expresso em poemas de livros como Brejo das almas, José e Claro enigma. Cito aqui como exemplo o poema “Um homem e seu carnaval”, de Brejo das almas (1934). O poeta descreve ali o humano que vem abandonado por Deus entre fitas, cores e barulhos, como raspões em sua poesia. A celebração do cotidiano, como experiência de imanência, aparece em poema do mesmo livro, “Coisa miserável”, onde o poeta sinaliza que não vale a pena gemer ou chorar, nem mesmo “erguer mãos e olhos para um céu tão longe, para um deus tão longe”, ou quem sabe para um “céu vazio”. Mais vale é celebrar o presente com sua viva materialidade: o aquém e não o além.

IHU – Dos poemas dele, de qual mais gosta e por quê?

Faustino Teixeira – Não é tarefa fácil destacar de forma particular um poema de Drummond. Ao longo de seus livros encontramos poemas magníficos ou trechos de poemas exemplares. Eu destacaria aqui, de forma específica, dois poemas que estão presentes no livro Sentimento do mundo, de 1940. É o momento em que se adensa para Drummond a temática da poesia social, sem romper, entretanto, com a preocupação com a temática do eu. Escolho os poemas “Sentimento do Mundo” (1935) e “Mãos dadas” (1938).

A razão de minha preferência é conjuntural, sobretudo em razão do momento difícil em que vivemos em nossa epocalidade. Drummond consegue, como poucos, com sua intuição criadora trazer para nós uma poesia que não se fecha num momento determinado, mas que lança sua ocular para situações complexas que se repetem, com a dura marca do homem humano. Nada mais fundamental do que dizer: “Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo”. Nesta breve passagem encontramos a marca singular da profecia de Drummond e de sua sensibilidade face ao mundo real. Igual sentimento emerge em outro poema do mesmo livro, quando Drummond celebra o grande e essencial desafio do presente: “O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”. O que encanta em Drummond é o seu compromisso com o tempo, pois é aqui e agora, na materialidade do mundo, no tempo presente, que o poeta e sua mensagem se inserem de forma única e singular.

IHU – Que relações estabelece entre poesia e teologia? Como a poesia pode ser um caminho para o encontro com o mistério?

Faustino Teixeira – Em introdução ao livro, A teologia no exílio (Vozes, 2006), o teólogo francês Christian Duquoc abordou o instigante tema do desafio da sobrevivência da teologia na cultura contemporânea. Ele lembrou que por muito tempo, a teologia “dedicou-se à defesa intelectual das verdades que a igreja proclamava como reveladas”. Ainda hoje, são muitos os teólogos que reduzem a sua missão a essa tarefa repetidora. Ele sublinha, com razão, que “os tempos mudaram: não é tanto a racionalidade de suas argumentações que nossos contemporâneos exigem dos teólogos e sim a liberdade de suas opções”.

O que marca hoje a credibilidade da teologia é o seu potencial de ousadia e autonomia. Trata-se do desafio kantiano para os teólogos: “ousarem pensar por si mesmos”. Nessa perspectiva, inserem-se teólogos importantes que buscam dialogar com outras ciências, como no caso a literatura. Cito os exemplos de Karl-Josef Kuschel, teólogo alemão nascido em 1948 que sempre abriu espaços singulares para a literatura em sua reflexão, por exemplo em seus estudos sobre Philip Roth. Outro caso singular é o do teólogo belga Adolphe Gesché, que sempre se serviu da literatura em suas abordagens teológicas.

A meu ver, a teologia sai sempre enriquecida quando se deixa hospedar pelas reflexões e também pela sensibilidade que irrompe do mundo da literatura. Com base nesses e outros exemplos, é que busquei dedicar-me nos últimos anos ao estudo da literatura. E vejo, com alegria, o mesmo acontecer com teólogas como Maria Clara Bingemer. Percebo com muita clareza, como esse caminho proporcionou uma linda ampliação do olhar. A teologia sai sempre enriquecida quando evita fechar-se em seu domínio particular. A literatura e a arte como um todo proporcionam ao teólogo um clima arejado para a reflexão, criando condições possíveis para uma liberdade que só engrandece.

Não há dúvida sobre o desafio que a literatura representa para a teologia. A leitura atenta da produção literária fornece ao teólogo instrumentos essenciais para sua aproximação do Mistério. Minha experiência pessoal nesse campo é enriquecedora. Posso perceber isso de forma muito clara nas abordagens de Guimarães Rosa e Clarice Lispector, que vêm me inspirando há tempos, e favorecido uma abertura inédita e bonita sobre o nosso tempo e também sobre o mundo espiritual.

Carlos Drummond de Andrade é outro dos autores que vão suscitando caminhos de abertura para mim. Cito aqui um de seus poemas onde percebo pistas fundamentais para o entendimento dos caminhos da mística. É o que vislumbro, por exemplo, no maravilhoso poema, “Procura da poesia”, que está no livro de A rosa do povo, de Drummond:

“(...) Penetra surdamente no mundo das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio (...)”

Com base nesse trecho do poema de Drummond podemos perceber, com nitidez, os campos de aproximação entre os que habitam o mundo da literatura e da arte e aqueles que buscam, também através das palavras, acercar-se do Mistério Maior. Percebo a presença de uma mútua e rica alimentação. Do mesmo reino das palavras, a presença de um estupor que suscita novos caminhos e percepções.

IHU – Qual a importância da poesia no seu desenvolvimento e amadurecimento pessoal e espiritual?

Faustino Teixeira – Minha ligação com a poesia acompanha o meu processo de vida. Desde muito cedo tenho a poesia a meu lado. É algo que vem de berço. Minha mãe foi alguém que nos educou com a poesia. Uma de suas maiores virtudes foi sempre a declamação. O seu amor à poesia se irradiou para nós como tatuagem. O mesmo ocorreu com meu pai, um humanista exemplar, que igualmente sempre apreciou a literatura e a poesia. Em nossa casa, em Juiz de Fora/MG, dois cômodos estavam destinados à biblioteca, e grandes poetas estavam ali à disposição de todos: Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Mário Quintana, Adélia Prado. Lembro que levamos Adélia Prado duas vezes em Juiz de Fora, e ela falou para os amigos, com sua peculiar emoção, no Instituto Cultural Santo Tomás de Aquino, do qual meu pai foi um dos fundadores.

Depois da infância, a poesia continuou bem junto de mim, envolvendo a minha vida amorosa, o meu aprimoramento acadêmico e o meu trabalho docente. No meu trabalho com a mística comparada, pude descobrir a profunda e enigmática relação entre a mística e a poesia. E foi mais um salto de qualidade na minha trajetória. E agora, depois da aposentadoria, esse mergulho bonito no mundo da poesia ganhou um lugar de destaque no meu trabalho pessoal. Sinceramente, não sei viver sem esse carinho especial das palavras.

IHU – Quais suas impressões da carta do Papa Francisco sobre o papel da literatura na educação?

Faustino Teixeira – Eu escrevi um artigo sobre esse tema, que será publicado na Revista Vida Pastoral (Paulus) em julho/agosto de 2025. Fiquei pessoalmente muito tocado pela iniciativa do Papa em escrever essa carta sobre a importância da literatura, datada de 17-07-2024. Achei de grande pertinência a sua posição crítica, convocando os seminários teológicos a uma maior atenção ao tema da literatura. Como diz de forma precisa Antonio Candido num vídeo disponível no YouTube (abaixo), a literatura tem um papel fundamental na melhoria do ser humano, e todos aqueles que passaram por esse crivo revelam de forma viva um grande enriquecimento pessoal.

Francisco em sua carta lamenta a carência literária nos ambientes de formação sacerdotal, com prejuízo preciso na formação de todos. Lamenta que o lugar destacado para a literatura em tais ambientes é empobrecido. A literatura tem sido vista muito mais como um “passatempo”, e a ela vêm dedicada, em geral, as horas noturnas. Na visão de Francisco, com a qual concordo, a literatura é vista como “algo não essencial”. Essa carência das humanidades no campo da formação teológica é algo mesmo problemático. Os estudantes ficam restringidos ao pequeno circuito teológico, com carência evidente de disciplinas que possibilitem uma ampliação do olhar. Daí a advertência precisa e fundamental de Francisco em sua carta. A literatura é, sem dúvida, um essencial ingrediente na tessitura do mundo pessoal.

IHU – O senhor também dará continuidade a mais uma edição do ciclo Filmes em Perspectiva. Qual é o fio condutor de análise que perpassa os filmes a serem comentados neste semestre?

Faustino Teixeira – Sim, já saiu a programação para o primeiro semestre de 2025, com início em 19 de março. Os filmes programados para apresentação são os seguintes: Estamos Todos Bem (Giuseppe Tornatore – 19/03); O Quarto ao Lado (Almodovar – 02/04); A Substância (Coralie Fargeat – 16/4); Má Educação (Almodovar – 30/04); Era uma Vez em Tokio (Ozu – 07/05); Também Fomos Felizes (Ozu – 21/05); Dança Comigo? (Masayuki Suo – 04/06); Julia (Fred Zinnermann – 18/06); Camille Claudel (Bruno Nuytten – 02/07).

O meu interesse reflexivo depois de minha aposentadoria na UFJF, em 2017, voltou-se para a literatura e o cinema. O projeto Filmes em Perspectiva, começou no Paz e Bem, com Mauro Lopes, e depois firmou terreno no IHU. São encontros quinzenais para apresentações de filmes que considero importantes para a sensibilização do momento. Sobre o tema, lancei um livro em 2024: Filmes em Perspectiva (Appris, 2024). No livro apresento 20 filmes escolhidos dentre os quase oitenta já apresentados no IHU.

IHU – Deseja acrescentar algo?

Faustino Teixeira – Gostaria de expressar a minha alegria de poder estar no IHU, contribuindo com minhas reflexões sobre literatura e cinema. Chamo a atenção dos leitores para o curso que começou em 12 de março sobre a poesia de Carlos Drummond de Andrade. São ao todo 9 encontros gratuitos, sempre nas quartas feiras, às 14h00, revezando com os Filmes em Perspectiva. Os cursos são oferecidos online na página do IHU. Para os próximos semestres estou pensando nos seguintes autores: Manuel Bandeira, Maria Quintana, Adelia Prado, Manuel de Barros, Adriana Lisboa e Mariana Ianelli.

Notas

[1] Poema “Um boi vê os homens” – Claro enigma. (Nota do entrevistado).

[2] “Considerações do poema” – A rosa do povo. (Nota do entrevistado).

[3] Poema “Fera” – Farewell. (Nota do entrevistado).

[4] Poema “Os últimos dias” – A rosa do povo. (Nota do entrevistado).

[5] Poema “Também já fui brasileiro” – Alguma poesia. (Nota do entrevistado).

Leia mais