03 Setembro 2021
A trajetória de Clarice Lispector é peculiar. Nascida na aldeia de Tchetchelnik, na Ucrânia, Chaya Pinkhasovna Lispector (seu nome de origem) veio para o Brasil em 1922, ao fugir da perseguição a judeus durante a Guerra Civil Russa. Aqui, formou-se em Direito em 1944 e, no mesmo ano, lançou seu primeiro livro, Perto do Coração Selvagem. Até seu último romance, A Hora da Estrela, foram 33 anos de uma carreira marcada pela misticidade.
A reportagem é de André Cardoso, estagiário e aluno do curso de Jornalismo da Unisinos.
Muito mais que marcar as pessoas que leem suas obras, Lispector, segundo o crítico literário José Castello, tem o poder de devastar o leitor. “Ninguém lê Clarice, ou um grande escritor como Clarice, sem ser devastado pelo que lê. O problema maior, nesses casos, é como digerir e transformar essa influência. A voz de Clarice é muito forte: se você bobear, ela contamina tudo o que você vier a escrever”, afirma em entrevista concedida à Revista IHU On-Line Nº 288, intitulada Clarice Lispector. Uma pomba na busca eterna pelo ninho.
Mas de onde vem tamanha capacidade de devastação? Parte disso pode ser explicado pela própria forma em que Lispector via a sua literatura. “Para Clarice, a literatura era, de fato, uma questão de vida ou morte - e não um luxo, ou uma afetação. Não era uma carreira, ou um projeto intelectual, ou um instrumento de afirmação existencial. Era um destino - com tudo o que essa palavra carrega de mais difícil”, diz Castello.
A misticidade de Lispector também é forte em sua carreira e, inclusive, foi tema da edição 547 da Revista IHU On-Line, intitulada Clarice Lispector. Uma literatura encravada na mística. Para Faustino Teixeira, em entrevista à edição, os místicos e poetas reconhecem a incapacidade da linguagem em comunicar a intensidade da experiência, mas reconhecem que “ela é tudo o que possuem para aproximar-se desse objetivo impossível”. Ainda, o místico “é alguém que vive um ‘tumulto’ interior em razão da presença iluminadora de algo não natural, que o envolve e abrasa.”
Na obra de Lispector, a mística se manifesta, segundo a doutora em Teologia Sistemática pela Pontifícia Universidade Gregoriana – PUG, Maria Clara Lucchetti Bingemer, “por esse desejo maior, essa dinâmica de contínua autotranscedência que caracteriza o ser humano segundo a teologia”. Isso fica mais evidente nas personagens dos livros de Lispector, onde “fazem uma experiência mística, de união com o mistério, seja descendo ao fundo do criado como condição de comunhão, seja na compaixão que olha o outro em sua dor, em uma alteridade que só na morte encontrará sua libertação”.
Essa relação entre mística e religião é abordada no projeto “Orações Inter-Religiosas” do Instituto Humanitas Unisinos - IHU. Nele se entrelaçam poesia e mística por meio da declamação de poemas que fazem essa ligação. Com frequência, a obra de Lispector é declamada.
Para além da misticidade e da devastação, há algo mais valioso na voz de Lispector e isso está na sua própria voz, alheia a regras, convenções e verdades absolutas. “A literatura, Clarice dizia isso, exige muita coragem. Com medo ninguém se torna escritor. E Clarice foi uma mulher muito corajosa”, finaliza Castello.
Neste segundo semestre, o IHU está promovendo o Curso Livre Clarice Lispector – Todos os Contos, que iniciou em 28-08-2021, e dá continuidade aos estudos do Curso Livre Clarice Lispector – Todas as Crônicas, realizado no primeiro semestre de 2021. As aulas pretendem proporcionar um mergulho nos primorosos contos de Clarice, celebrados em tantas partes do mundo. O volume a ser estudado, foi publicado no Brasil pela editora Rocco, em 2016, depois de ter sido lançado antes nos Estados Unidos e Reino Unido, em 2015. Serão trabalhados os contos dos livros: Primeiras Histórias, Laços de Família, A Legião Estrangeira, Felicidade Clandestina e outros.
Os encontros ocorrem todas as quartas-feiras, das 14h às 16h, e são ministrados pelo doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana e professor aposentado da UFJF, no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião, Faustino Teixeira.
O terceiro encontro do curso ocorreu nesta quarta-feira, 01-09-2021 e foi transmitido na página eletrônica do IHU, no Canal do IHU no YouTube, IHU Comunica.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Clarice Lispector: uma escritora devastadora - Instituto Humanitas Unisinos - IHU