12 Dezembro 2025
"Cabe perguntar se a Igreja americana possui anticorpos capazes de discernir um uso da devoção mariana que revela uma tentativa sutil, porém extremamente perigosa, de identificar o catolicismo com a religião civil dos Estados Unidos, religião essa que o atual presidente reduziu à religião política secular de seu governo", escreve Daniele Menozzi, historiador do cristianismo e professor emérito da Normale di Pisa, em artigo publicado por Settimana News, 12-12-2025.
Eis o artigo.
Os observadores do papel internacional da Casa Branca, provavelmente focados no documento da Estratégia de Segurança Nacional, datado de novembro de 2025 e divulgado em 4 de dezembro, prestaram pouca atenção à Mensagem Presidencial sobre a Festa da Imaculada Conceição, que foi divulgada em 8 de dezembro (veja aqui no site da Casa Branca).
Em vez disso, foi imediatamente traduzida — e celebrada, com admiração ditirâmbica e uma boa dose de emoção piedosa — por sites católicos italianos tradicionais, como Messainlatino.it e Il Timone. Alguns, como o fundador do partido Popolo della Famiglia, Mario Adinolfi, publicaram um artigo no qual apresentaram a mensagem como uma expressão exemplar daquele laicismo cristão que, negligenciado pelos governos europeus, seu partido, não por acaso consagrado ao Imaculado Coração de Maria, pretende promover.
Não é improvável que o entusiasmo nesses círculos dependa da percepção da intervenção de Donald Trump como uma espécie de reparação pela afronta infligida às suas crenças mariolátricas pelo recente documento do Dicastério para a Doutrina da Fé, que declarou inadequada a atribuição a Maria do título de "corredentora" (cf. aqui no SettimanaNews).
Mas, para além dos círculos tradicionalistas — que, aliás, não são unânimes: alguns sites americanos, como o National Catholic Register, expressaram reservas quanto à linguagem que revela o menor comprometimento pró-vida do presidente (veja aqui) —, a mensagem de Trump merece consideração. De fato, parece difícil separar os dois documentos divulgados pela Casa Branca em um intervalo de poucos dias.
Embora o relatório sobre a estratégia de segurança nacional reitere — com complexas implicações geopolíticas (a dissolução da União Europeia; a reintrodução da Doutrina Monroe, etc.) — que a força militar é o critério com o qual o governo dos EUA pretende regular as relações internacionais, o texto sobre a Imaculada Conceição demonstra que essa abordagem é acompanhada (e apoiada) por um recurso a políticas religiosas que têm como um de seus pilares a exploração da herança simbólica do catolicismo.
É claro que não sabemos quem sugeriu o documento e preparou sua versão preliminar. É seguro presumir que, além do Escritório de Fé da Casa Branca, criado em fevereiro de 2025, o vice-presidente Vance, que se converteu ao catolicismo tradicionalista em 2019, e algum membro da comunidade eclesial americana intimamente ligado ao governo atual, desempenharam algum papel no processo de elaboração. De qualquer forma, é evidente que, ao publicá-lo como uma "mensagem presidencial", Trump assumiu total responsabilidade por seu conteúdo.
O presidente – outrora presbiteriano e depois evangélico renascido, mas ainda o sumo sacerdote da religião civil americana – começa com uma proclamação: "Reconheço [isto é, "Aprovo" ou "Aprecio", não o incompreensível "Reconheço" das traduções que apareceram em sites tradicionalistas] todo americano que celebra o dia 8 de dezembro como um dia santo em honra de […] Maria, a mãe de Jesus e uma das maiores figuras da Bíblia."
Ele observa então que os católicos reservam para a Virgem Maria o privilégio especial de ter nascido sem pecado original. Finalmente, recordando o episódio bíblico da Anunciação, atribui a ela o mérito de ter aceitado humildemente o ato que mudou o curso da história da humanidade. Esse recurso a Maria para prosseguir com uma sobreposição pré-moderna da história da salvação com a história universal visa evidentemente consolidar o grupo fragmentado de igrejas e seitas presentes no país com base no fundamentalismo cristão.
Mas isso não constitui o núcleo central do documento, que, em vez disso, encontra sua expressão concreta em dois usos políticos do culto mariano: por um lado, a exaltação do catolicismo nacional; por outro, a legitimação religiosa da política externa do governo americano.
O primeiro ponto se desenrola através da reconstituição de uma série errática de eventos que ligaram Maria aos Estados Unidos: a consagração do país a Nossa Senhora pelo primeiro bispo americano, o jesuíta John Carroll; a atribuição à Virgem do sucesso militar sobre os ingleses na Batalha de Nova Orleans; a construção em Washington de uma basílica dedicada à Imaculada Conceição, que é a maior igreja católica do país; as inúmeras faculdades, hospitais, escolas e universidades que levam o nome de Maria; e a intensa devoção mariana de importantes santos e beatos americanos.
Esses eventos, que obviamente possuem explicações históricas específicas e concretas, são interligados por meio de uma politização secularizada da leitura providencial tradicional da história. A chave para uma interpretação unificada, na verdade, não reside no triunfo da Igreja, mas na iminente comemoração do ducentésimo quinquagésimo aniversário da "gloriosa independência americana". Essa (suposta) cadeia de eventos testemunharia, de fato, o papel de Maria na promoção da "paz, esperança e amor nos Estados Unidos da América".
A devoção à Virgem é, portanto, apresentada como o veículo religioso que permitiu a coesão da sociedade americana, levando à plena integração dos católicos americanos em um novo Estado independente, cujo próprio nascimento encontrou uma garantia sobrenatural na referência a essa figura celestial. Mas a nacionalização da devoção mariana imediatamente se estendeu à política internacional.
A mensagem prossegue, recordando a estátua de Maria, Rainha da Paz, encomendada por Bento XV durante a Primeira Guerra Mundial e posteriormente inaugurada na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, em agosto de 1918. Assim, busca solicitar orações a Nossa Senhora "pelo fim da guerra e por uma nova e duradoura era de paz, prosperidade e harmonia na Europa e em todo o mundo". A distorção da iniciativa do Papa Della Chiesa é evidente.
O pontífice, mantendo uma adesão fundamental à doutrina da guerra justa (minada pela referência ao "massacre inútil", mas nunca abandonada, aliás, retomada imediatamente após a nota de agosto de 1917), identificou na oração o espaço interior no qual os fiéis tinham de manter viva a ligação entre a paz e o Evangelho, rejeitando qualquer forma de sacralização da violência da guerra.
Na mensagem presidencial, a oração a Maria é usada para legitimar a promessa messiânica de paz e prosperidade que representa a plataforma eleitoral com a qual Trump enganou grande parte de um eleitorado empobrecido e ingênuo. O verdadeiro fundamento dessa ideologia religiosa aparentemente pacifista é, na verdade, uma justificativa para a beligerância.
Isso não se demonstra apenas pela linguagem diária de Trump, ofensiva e violenta contra qualquer forma de alteridade — o oposto exato do que Leão XIV recomenda como caminho para a paz. Demonstra-se também, sobretudo, pelas práticas políticas concretas da atual administração americana, que está mobilizando toda a sua força militar para garantir uma solução para os conflitos atuais que atenda aos interesses das corporações americanas (na Europa, apoiando a agressão de Putin contra a Ucrânia; no Oriente Médio, apoiando as práticas neocoloniais do governo Netanyahu).
O episcopado americano não deixou de agradecer a um presidente que, pela primeira vez na história do país, celebrou publicamente a festa da Imaculada Conceição. Cabe perguntar se a Igreja americana possui anticorpos capazes de discernir um uso da devoção mariana que revela uma tentativa sutil, porém extremamente perigosa, de identificar o catolicismo com a religião civil dos Estados Unidos, religião essa que o atual presidente reduziu à religião política secular de seu governo.
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