Subsídio elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana - ESTEF: Dr. Bruno Glaab, Me. Carlos Rodrigo Dutra, Dr. Humberto Maiztegui e Me. Rita de Cácia Ló. Edição: Dr. Vanildo Luiz Zugno.
Primeira Leitura: 2Sm 7,1-5.8b-12,14a.16
Salmo: 88,2-3.4-5.27.29
Segunda Leitura: Rm 16,25-27
Evangelho: Lc 1,26-38
Mais do que ver no relato uma crônica histórica, urge reler este texto na ótica da reflexão pós-pascal sobre a pessoa de Jesus Cristo. É mais cristologia do que história. Por isto, faz-se necessário compreender o que Lucas queria dizer aos seus leitores. A presente perícope deve ser lida em relação com a perícope anterior (Lc 1,5-25 – o nascimento de João Batista).
No sexto mês da gravidez de Isabel o anjo é enviado a Maria. O sexto mês, lembra o sexto dia da criação (Gn 1,26-27). Agora começa a formação do novo Adão. Inicia-se uma contraposição entre o Antigo Testamento e o Novo, Entre a Judeia e a Galileia, entre Zacarias/Isabel e Maria, entre João Batista, último degrau do AT e Jesus, o iniciador do NT:
a. João é anunciado no templo: promessa do velho Israel; Jesus é anunciado em Nazaré, terra sem promessa do Antigo Testamento;
b. João é anunciado na Instituição: templo/sacerdócio; Jesus é anunciado para uma jovem do povo da periferia, terra pouco ortodoxa;
c. João é anunciado para um homem casado; Jesus é anunciado para uma moça virgem, sem convivência com homem;
d. João é descendente de Aarão: linhagem sacerdotal; Jesus é descendente de Davi, mas indiretamente, uma vez que José não é pai biológico;
e. João é filho de mãe estéril e idosa; Jesus é filho de mãe virgem, sem a contribuição de homem;
f. João vem de Zacarias descrente; Jesus vem de Maria, que é fiel à Palavra de Deus: “faça-se em mim o que disseste” (Lc 1,38).
g. João recebe o Espírito Santo no 6ºmês de gravidez, no ventre da mãe. Jesus é concebido pelo Espírito Santo.
Maria, a virgem fiel representa o contrário do povo infiel de Israel, ilustrado como a prostituta infiel (Os 2,4ss; Jr 3,6-13; Ez 16). Assim, Maria é a imagem do novo povo que se forma na fé e na fidelidade. Zacarias é representante da oficialidade judaica, sem fé, cuja esposa é estéril. Maria é a total novidade que vem da periferia, onde Deus realiza seu plano nas pessoas de fé. Há, portanto, em Maria, uma ruptura com o antigo Israel: é virgem e, sem concurso de homem a descendência de Davi é interrompida.
Lucas mostra a superioridade de Jesus sobre João. À luz da páscoa, Lucas põe em Jesus os títulos da fé que a igreja nos anos 80 professava: “grande”, “filho do Altíssimo”, “rei para sempre”, “santo”, “Filho de Deus” (Lc 1,32ss). Assim mostra que em Jesus os planos de Deus se realizam. O que aconteceu no Antigo Testamento foi preparação. São Paulo vai apresentar Jesus como plenitude dos tempos (Gl 4,4). Jesus é a revelação máxima de Deus. Tudo o que vem antes é aperitivo daquilo que se realizará na pessoa de Jesus. Nos relatos da infância Lucas coloca o fim do AT e o início do NT, ou da plenitude dos tempos que se realizam na pessoa de Jesus, que superam os tempos antigos.
A saudação do anjo é uma retomada da profecia: “Alegra-te, Maria, eleita...” lembra a filha de Sião, representante do povo de Deus (Sf 3,14-15; Zc 9,9; Jl 2,21). O anúncio se baseia em Is 7,14; 9,5-6; 2Sm 7,14.16). Nos vv.32-33 está subjacente a divindade de Jesus, pois o adjetivo “grande” no AT só se refere a Deus. Jesus é concebido pelo Espírito e pela sombra de Deus (Lc 1,35 cf. Ex 40,34-35), portanto, nele Deus está presente na história.
Jesus veio ao mundo não mais pelas leis humanas (linhagem paterna tão valorizada pelo judaísmo), mas pela fé e disponibilidade de Maria. O próprio Jesus afirmará, mais tarde: minha mãe, meus irmãos, minhas irmãs, são aqueles que ouvem as minhas palavras (Lc 9,19-21). Neste quesito, Maria é protótipo, mais do que ser mãe biológica, foi a que ouviu a palavra: “faça-se em mim...”.
Deus fez uma promessa a Davi: “Tua casa e teu reino serão estáveis diante de mim; teu trono será firme para sempre” (v.16). Por quatro séculos a casa de Davi resistiu. Mas em 587 a.C. a Babilônia acabou com a dinastia de Davi. Teria Deus se esquecido de sua promessa? Não. Ela se realizou na pessoa de Jesus Cristo, mas não na perspectiva da monarquia, mas antes, em Jesus se estabelece o reino universal.