10 Dezembro 2025
A Presidência da Comissão das Conferências Episcopais da União Europeia (COMECE) analisou a recente decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia no caso Wojewoda Mazowiecki (C-713/23). Em comunicado divulgado na terça-feira, 9 de dezembro de 2025, a Presidência da COMECE argumenta que a decisão do Tribunal — que obriga um Estado-Membro a reconhecer o casamento entre dois cidadãos da UE do mesmo sexo, legalmente contraído noutro Estado-Membro onde exerceram a sua liberdade de circulação e de residência — parece ultrapassar as competências da União Europeia, constituindo uma influência indevida nos sistemas jurídicos nacionais.
A nota é da Comissão das Conferências Episcopais da União Europeia (COMECE), publicada por Settimana News, 09-12-2025.
Eis a nota.
Declaração da Presidência da COMECE sobre a recente decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia relativa ao reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo entre os Estados-Membros (9 de dezembro de 2025).
O Presidium da Comissão das Conferências Episcopais da União Europeia (COMECE), reunido em 3 de dezembro de 2025, analisou e debateu a recente decisão proferida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no caso Wojewoda Mazowiecki, C-713/23.
As considerações que expressamos nesta declaração estão enraizadas na visão antropológica da Igreja, baseada na lei natural, do matrimônio como uma união entre um homem e uma mulher.
Embora respeitemos plenamente o papel do poder judicial da UE, sentimos-nos compelidos a comentar certos aspetos da decisão, notando com preocupação o seu impacto em questões centrais para as jurisdições nacionais. Há vários anos que a Comissão de Assuntos Jurídicos da COMECE tem vindo a refletir sobre a questão do direito da família com implicações transfronteiriças, enfatizando consistentemente a importância de uma abordagem prudente e cautelosa e evitando influências indevidas nos sistemas jurídicos nacionais.
A decisão estabelece que um Estado-Membro é obrigado a reconhecer o casamento entre dois cidadãos da UE do mesmo sexo, contraído legalmente noutro Estado-Membro onde exerceram a sua liberdade de circulação e de residência. O Tribunal de Justiça da União Europeia já tinha avançado nesta área, nomeadamente com o acórdão Coman, Processo C-673/16. Contudo, a decisão proferida em 25 de novembro de 2025 parece levar a jurisprudência para além dos limites das competências da UE.
O artigo 9.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ("Direito ao casamento e à constituição de família") estipula que "O direito ao casamento e o direito à constituição de família serão garantidos de acordo com as leis nacionais que regem o exercício desses direitos". O casamento é definido como a união entre um homem e uma mulher nos sistemas jurídicos de vários Estados-Membros da UE, em alguns casos também por meio de disposições constitucionais.
O Tribunal da UE reconhece que a obrigação estabelecida na sua decisão "[...] não afeta a instituição do casamento no Estado-Membro de origem, que é definida pelo direito nacional" e afirma que "tal como está atualmente o direito da União, as normas relativas ao casamento são da competência dos Estados-Membros e o direito da União não pode afetar essa competência. Esses Estados-Membros são, portanto, livres de prever ou não o casamento entre pessoas do mesmo sexo no seu direito nacional."
No entanto, o Tribunal da UE restringe estritamente o significado desta declaração, enfatizando que, no exercício desta competência, cada Estado-Membro deve respeitar o direito da UE, em particular as disposições dos Tratados sobre a liberdade de circulação e residência dos cidadãos da UE no território dos Estados-Membros.
Observamos com preocupação a tendência de aplicar disposições que deveriam proteger componentes sensíveis dos sistemas jurídicos nacionais de uma forma que enfraquece o seu significado. É o caso, nesta decisão, do artigo 9.º da Carta da UE. Recentemente, a mesma tendência preocupante surgiu com outras disposições fundamentais da UE, como o artigo 17.º, n.º 1, do TFUE, relativo à proteção do estatuto jurídico dos Estados-Membros das igrejas e das associações ou comunidades religiosas.
Tendo em conta a importância de reconhecer a riqueza e a diversidade do panorama jurídico e das tradições da UE, notamos também o papel dececionantemente limitado que o Tribunal atribui ao respeito pelas "identidades nacionais" dos Estados-Membros (artigo 4.º, n.º 2, do TUE) e pela sua ordem pública. Para alguns Estados-Membros, a definição de casamento faz parte da sua identidade nacional.
A decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia terá impacto nos sistemas nacionais de direito da família e poderá exercer pressão para a sua alteração. Exige também a introdução de procedimentos de reconhecimento e até mesmo a revogação, se necessário, das disposições nacionais em questão. A decisão cria, na prática, uma convergência dos efeitos do direito matrimonial, embora a UE não tenha mandato para harmonizar o direito da família. Impacta ainda a segurança jurídica, uma vez que um número crescente de Estados-Membros terá dificuldade em determinar com clareza quais as partes do seu direito da família que continuarão a ser da sua responsabilidade.
Além disso, a COMECE teme que a decisão possa levar a desdobramentos negativos em outras áreas sensíveis do direito de família transfronteiriço, por exemplo, abrindo caminho para abordagens jurídicas semelhantes no futuro em relação à gestação de substituição.
Por fim, dado o contexto desafiador que a União Europeia enfrenta atualmente, incluindo a sua percepção em vários países, não é surpreendente que este tipo de decisão dê origem a sentimentos antieuropeus nos Estados-Membros e possa ser facilmente explorado desta forma.
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