10 Março 2011
Em seu estilo sensível e do "ponto de vista dos bancos da igreja", George Ripon escreve um comentário instigante que explora a difícil questão das relações homossexuais e do apelo à legalização da união gay sob a Lei do Casamento [Marriage Act] da Austrália. Essas questões vêm causando muita discussão na mídia e nos parlamentos do país. Ripon busca explorar essas temáticas polêmicas dentro de um contexto espiritual católico contemporâneo.
George Ripon é um leigo australiano da arquidiocese de Melbourne, que há mais de 40 anos atua em movimentos de diálogo inter-religioso. O artigo foi publicado no sítio Catholica, 05-03-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O movimento rumo ao casamento gay
O movimento para legalizar a relação de casais do mesmo sexo e para descrevê-la como "casamento" está bem encaminhado.
Desde já, digo que não tenho problema com o fato de que casais gays formalizem seu compromisso entre si em um processo definido e apoiado pela lei terrena, estabelecendo direitos e obrigações entre si, comparáveis àqueles desfrutados por mulheres e homens casados.
Meu problema com o movimento do casamento gay é o uso e o significado da palavra "matrimônio". Alguns anos atrás, a Lei do Casamento foi alterada pelo governo de Howard, apoiada pela oposição especificamente relacionada com a união entre um homem e uma mulher. Isso se seguiu ao entendimento de vários milhares de anos de que o termo "matrimônio" se aplica às relações heterossexuais. Isso também se aplica, a meu ver, ao termo "casamento", em que o compromisso é feito diante de testemunhas e amigos e muitas vezes é celebrado em um serviço religioso em uma igreja.
Antes de continuar, é preciso falar sobre os relacionamentos hoje, neste momento, entre homens e mulheres. Alguns realmente não se casam, simplesmente moram juntos, sendo que muitos constroem uma família e permanecem juntos por toda a vida. Outros se casam em um cartório, onde, tendo declarado as suas intenções e feito o seu compromisso, seu matrimônio é registrado na lei. Condições similares são aplicáveis quando os casais usam um celebrante civil, designado pela lei, para se casar em um local de sua escolha, muitas vezes em um parque ou um jardim. Muitos ainda se casam em uma igreja onde, sujeito à conclusão dos papéis, o matrimônio também é válido perante a lei: todos os casamentos da igreja e, na ausência de formulações diferentes, os serviços públicos preveem um compromisso vitalício "até que a morte os separe" ou "enquanto ambos viverem".
Infelizmente, neste momento, muitos compromissos fracassam com uma taxa de separação de mais de 40%. Em vista disso, com tantos casamentos fracassando por falta de estabilidade ou de permanência, alguns podem perguntar: por que fazer um alarido com relação a manter o significado tradicional? Por que não apenas alterar a Lei do Casamento para incluir casais do mesmo sexo?
Deve-se permitir que os gays se casem?
Ao propor o casamento gay, os apoiadores apontam as pesquisas e as enquetes que indicam que a maioria dos australianos são a seu favor. Eu acho que se eu pegasse uma prancheta, um crachá e um lápis e perguntasse aos transeuntes em um centro comercial local: "Deve-se permitir que os gays se casem?", eu receberia uma resposta "sim" majoritária. Isto confirma a ideia de que, se você faz a pergunta certa, você obtém a resposta que quer. Aqui, a inferência em questão é que os gays não estão autorizados a entrar em um relacionamento comparável ao casamento heterossexual.
Como indiquei acima, muitos casais heterossexuais simplesmente vivem juntos, criam seus filhos e permanecem juntos por toda a vida. Da mesma forma, eu suspeito que muitos casais homossexuais vivem juntos ao longo dos anos, desfrutando sua sexualidade sem o desejo da paternidade. Então, agora, chego às minhas duas preocupações sobre a pergunta acima: "Deve-se permitir que os gays se casem?". Minha primeira pergunta é: o que os simpatizantes gays querem dizer com o termo "matrimônio" e como ele deveria ser celebrado? Minha próxima pergunta: quem disse que os gays não podem se casar?
Ao longo dos últimos milhares de anos, o matrimônio claramente se referia à relação entre homens e mulheres. Dessa união, nascem os filhos, que são criados para formar a próxima geração. Sem ser muito fisiológico, o fato de ter filhos segue a alegria do encontro sexual, que, por sua vez, leva à grande responsabilidade, ao longo de muitos anos, da criação das crianças. No entanto, isso não pode ocorrer em uma união gay, em que a desvantagem dessa união é que, por si só, ela não pode gerar filhos. Embora existam "formas e meios" para que casais do mesmo sexo tenham filhos – que eu comentarei em breve –, estou certo de que muitos casais homossexuais estão felizes com suas vidas sem filhos. Seria interessante ver, estatisticamente, a porcentagem de casais homossexuais que desejam ter filhos, contra uma estimativa do número total de uniões gays permanentes. Talvez esse seja um item para o Censo Nacional em algum momento no futuro.
Quanto ao fato de casais gays terem filhos, eu vejo alguns problemas em todas as opções disponíveis. O mais simples para um casal de homens, com o consentimento de ambas as partes, envolve que um dos homens faça sexo com uma amiga ou com uma parceira voluntária. Aqui, como os casais irão confirmar, nem todo encontro, mesmo entre casais férteis, irá resultar em gravidez, por isso a perseverança pode ser necessária. No entanto, a criança que nascesse seria dada aos parceiros homens para adoção.
Poderiam surgir problemas se a criança nascesse com defeitos graves ou se a mãe natural que criou a criança em seu útero tenha dificuldades para dá-la para o casal gay. Como estamos lidando aqui com um casal masculino, devo comentar sobre a relação entre adultos e crianças. A maternidade é a relação natural entre uma mulher e seu bebê. Tendo feito nascer a criança, o instinto maternal é alimentá-la no peito (ou na mamadeira) e atender suas outras necessidades íntimas. Aqui, devo dizer que os homens podem ser pais muito bons, mas não mães, no sentido comumente aceito.
Para casais do sexo feminino, a opção acima seria mais fácil. Sujeita à concepção como no caso acima, uma das parceiras seria a mãe, e, com "duas" mães, o bebê não ficaria sem amor materno. O pai biológico pode querer manter o interesse ou querer entrar em contato com a criança. Essa é uma questão a ser resolvida entre as partes. Uma segunda opção para os casais femininos seria a fertilização in vitro, usando esperma de um doador conhecido ou não identificado. O processo pode ser complexo, sem garantia de sucesso na primeira ocasião. Assim, para os casais aceitos para a fertilização in vitro, o processo pode ser longo e caro. Outra opção é a adoção. Isso pode depender da disponibilidade de crianças no programa. Hoje, com os modernos meios de contracepção e, infelizmente, com o aborto, os números disponíveis para adoção são insuficientes para atender a demanda.
Para a adoção, assim como para a fertilização in vitro, os casais gays terão que competir com os casais heterossexuais que, apesar de todos os esforços, fracassaram em conceber. Esse fracasso pode ser uma causa de grande angústia, especialmente para uma mulher desesperada por um bebê. Assim, é compreensível que a preferência seja dos casais casados heterossexuais. Há também a relutância de alguns órgãos da Igreja para permitir a adoção por casais do mesmo sexo.
O que se entende por "casamento gay"?
Diante do exposto, reforço o ponto de que as uniões do mesmo sexo são tão diferentes das uniões heterossexuais que o uso do termo "casamento" é inadequado. Além disso, levanto a questão sobre o significado de "casamento gay". Os casais gays esperam se aproximar de um ministro da Igreja e obter o consentimento para um casamento na Igreja? Um completo "não, não" em nossa Igreja Católica. Alguns anglicanos (episcopalianos) norte-americanos e bispos canadenses têm permitido o casamento gay, mas eles são a exceção em uma Igreja dividida nessa e em outras questões sexuais.
Assim, a inferência de que os casais gays não podem se casar deve estar ligada ao direito civil. Aqui, como indicado acima, eu não teria nenhuma objeção que uma Lei de União Civil [Civil Partnership Act] fosse aprovada pelo Parlamento Federal. Enquanto isso, os casais gays são livres para construir um lar juntos, fazer testamentos favorecendo um ao outro e acordos juridicamente vinculantes em torno da propriedade, do controle e da alienação de bens e outros ativos.
Em tempos recentes, esforços por parte de casais homossexuais para adotar crianças atraíram a atenção da mídia. Comentários do tipo "negação de direitos humanos" e "discriminação contra gays" caracterizaram as discussões. Antes de abordar mais profundamente esse aspecto, gostaria de lidar com um assunto que, na minha opinião, muitas vezes recebe pouca atenção. Ele se relaciona com os possíveis efeitos sobre as crianças criadas por casais gays. Isso só pode ser determinado conforme a criança amadurece e cresce até a idade adulta e faz sua própria avaliação pessoal da sua criação.
O mundo em que vivemos não é perfeito, mas devo começar com o ideal, isto é, que as crianças deveriam ser criadas por pais amorosos, um pai e uma mãe. Um menino precisa de um Pai para jogar bola no quintal ou para fazer coisas no "galpão". Uma menina precisa de uma Mãe para as coisas de meninas, como se vestir, enfeitar-se e amadurecer como mulher. Além disso, é claro, uma menina precisa de um pai, e um menino precisa de uma mãe. Esse é o ideal, mas ele nem sempre é possível devido a morte, a graves problemas de saúde de um dos pais ou a outras circunstâncias inevitáveis, sendo a mais triste de todas a separação, agora um grande problema, que deixa a muitos genitores solitários a tarefa de criar os filhos.
Voltando aos efeitos sobre os filhos de pais do mesmo sexo, a pré-escola pode ser um lugar desafiador e às vezes cruel. Como alguém de sete anos de idade responde a uma pergunta de um colega sobre "como é ter dois pais ou duas mães?". Ou, na sala de aula, quando os assuntos familiares são discutidos? Ao longo da vida, indivíduos criados por pais gays podem enfrentar dificuldades quando surgem questões de origem. Tal como acontece com todos os pais, uma afirmação como "eu não pedi para nascer" pode vir dos próprios filhos, muitas vezes de forma dolorosa.
Hoje, com muitos indivíduos, não com aqueles que nascem de relações heterossexuais, há uma demanda crescente para identificar os pais biológicos. Na fecundação in vitro, isso foi apresentado em dois artigos recentes do jornal The Age, um de Leslie Cannold, no dia 31 de janeiro: Por que a confiança supera o conhecimento [disponível aqui, em inglês]; o outro de Selma Milovanovic, do dia 3 de fevereiro: Papai, eu nunca lhe conheci [disponível aqui, em inglês].
Ambos abordaram a demanda crescente de adultos concebidos por doação para identificar o doador. As alterações da lei em Victoria, em 1997, deram aos receptores, aos 18 anos, o direito de identificar os doadores, e estes devem concordar com isso antes da doação. Eu não pesquisei a posição daqueles que foram adotados ou concebidos sob outras modalidades, mas suspeito que não haja leis que impeçam amplas investigações.
Ao preparar o presente artigo, tive o benefício do post de CathyT, no Fórum do Catholica, de 18 de janeiro [Eu acho que posso explicar, disponível aqui, em inglês]. Ela destaca a preocupação que muitos de nós sentimos com relação à utilização do termo "casamento gay". Apesar de apoiar o direito dos casais homossexuais de desfrutar sua sexualidade, não é simplesmente a mesma coisa. A responsabilidade de manter os filhos até os 15-25 anos não se aplica aos parceiros homossexuais, a menos que tomem uma decisão independente de ter filhos, envolvendo alguns dos complexos procedimentos acima mencionados. Assim, não serve usar um conceito "tamanho único" para alterar a Lei do Casamento para incluir casais do mesmo sexo. Diferentes considerações se aplicam e, em vista delas, gostaria de ver uma Lei de União Civil sendo aprovada pelo Parlamento. Ela identificaria as intenções das partes e estabeleceria o processo para legalizar a união. O compromisso seria por toda a vida, e a lei definiria claramente os direitos e as obrigações entre as partes. Disposições especiais protegeriam os direitos de qualquer criança envolvida no relacionamento. Tendo em conta as fragilidades das relações humanas, a lei precisaria prever que, eventualmente, algumas uniões civis acabariam nos tribunais de divórcio.
Se os defensores do "casamento gay" abandonassem a sua referência ao matrimônio e apoiassem o termo uniões civis, eu suspeito que isso seria um grande apoio para a comunidade e até mesmo para um voto de consciência no Parlamento. Neste momento, tanto o primeiro-ministro quanto o líder da oposição apoiam o status quo. É preciso aguardar a introdução de uma nova lei ou, mais provavelmente, uma emenda à Lei do Casamento. Insisto que, pelo fato de duas questões semelhantes – o casamento heterossexual e a união gay – serem diferentes, não significa que uma delas esteja errada. No entanto, em minha opinião, a distinção deveria ser claramente definida por lei.
Pode-se obter alguma coisa de uma forma não discriminatória?
Em qualquer discussão que envolva dois pontos de vista opostos, deve haver escuta e respeito em ambos os lados. Termos como "negação dos direitos humanos" e "discriminação" apontados contra os apoiadores do casamento tradicional são, em minha opinião, falsos, injustos e incorretos. No direito, nunca existiu um direito dos gays a se casarem, por isso um direito inexistente não pode ser negado. Isso poderia muito bem mudar no futuro. Da mesma forma, acredito que muitos defensores do conceito tradicional do casamento não se oporiam à legislação que legaliza o direito a uniões civis. Então, onde está a discriminação?
Eis aqui, talvez, uma nota mais positiva. Concordo com a esperança de CathyT para uma forma de "cerimônia de aliança". Eu vejo isso como uma "bênção". Casais gays unidos por uma união civil e legal vitalícia deveriam ter o direito de buscar a bênção da Igreja para a sua união se um dos parceiros é católico com algum envolvimento nos assuntos da Igreja. Isso poderia ocorrer na casa ou privadamente na igreja. Seria insensato que ocorresse em uma cerimônia pública autônoma na igreja, o que pode acabar sendo um casamento de facto. Por outro lado, o casal poderia receber sua bênção depois da missa dominical. No domingo anterior, a bênção proposta seria anunciada, deixando os paroquianos livres nesse dia para permanecer ou ir embora, como quiserem. Exigir-se-ia sensibilidade para todos os envolvidos.
Neste momento, estou como que soltando uma pipa ao vento, mas espero que, uma vez que as uniões gays sejam legalizadas, nossa Igreja possa conceder-lhes o respeito e a dignidade que agora são dados aos casais heterossexuais.
Tendo iniciado este artigo antes do Natal, é hora de concluir. O assunto não é tão fácil como pode parecer, mas ele precisa ser examinado da forma como será levantado no Parlamento, em um futuro não muito distante.
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Casamento gay e uniões entre pessoas do mesmo sexo: desafios à Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU