Mulheres diáconas: Francisco abriu debate e comissão do Vaticano fechou-o (por ora)

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06 Dezembro 2025

Uma Comissão de Estudo sobre o diaconato feminino, criada pelo Papa Francisco no âmbito do Sínodo sobre a Sinodalidade, propôs agora ao Papa Leão XIV a não aceitação da ordenação de mulheres como diáconos e deu luz verde à instituição de novos ministérios “para favorecer a sinergia entre homens e mulheres”.

A reportagem é de Manuel Pinto, publicada por 7 Margens, 04-12-2025.

A proposta consta de um relatório divulgado pela Sala de Imprensa da Santa Sé, nesta quinta feira, 4 de dezembro. As reações de setores católicos defensores de uma posição favorável à ordenação não se fizeram esperar.

Numa mensagem endereçada ao Papa Leão XIV, assinada pelo cardeal Giuseppe Petrocchi e pelo bispo Denis Dupont-Fauville, respetivamente presidente e secretário da Comissão de Estudo, sustenta-se que o status quaestionis [estado da questão] do ponto de vista da investigação histórica e teológica, “considerado nas suas implicações mútuas, exclui a possibilidade de prosseguir na direção da admissão de mulheres ao diaconado entendido como grau do sacramento da ordem”.

“À luz da Sagrada Escritura, da Tradição e do Magistério eclesiástico, esta avaliação é forte, embora não permita, até ao momento, formular um julgamento definitivo, como no caso da ordenação sacerdotal”, acrescenta ainda o documento.

Apesar do ‘não’, as questões “permanecem abertas”

A Comissão de Estudo entende ainda que “as questões relativas à ordenação de mulheres como diaconisas permanecem abertas a estudos teológicos e pastorais adicionais, mantendo-se o princípio da communio hierarchica [comunhão hierárquica], que atribui a decisão final sobre essas questões ao Magistério da Igreja, como resposta autorizada às questões presentes em alguns setores do Povo de Deus”.

Segundo o site Magisterium, a communio herarchica refere-se, na doutrina católica, ao “vínculo de unidade e colaboração entre os membros do clero – especialmente bispos e presbíteros (sacerdotes) – que deriva diretamente do sacramento da Ordem Sagrada e da estrutura hierárquica da Igreja”.

A Comissão iniciou o trabalho em 2021, mas segundo informações divulgadas, foi inconclusiva. O Papa Francisco decidiu, em outubro de 2024, reativá-la para aprofundar o tema, que foi suscitado no Sínodo, quer nas fases de auscultação dos fieis e das comunidades cristãs quer nas instâncias nacionais, continentais e universal.

No relatório agora apresentado, a Comissão refere uma reunião realizada em fevereiro do corrente ano, na qual analisou “um material escrito notável e significativo” sobre a questão do diaconato feminino, resultado de “contribuições numerosas” do Sínodo. No entanto, faz notar que o tema foi desenvolvido apenas por 22 pessoas ou grupos, representando poucos países. “Consequentemente, acrescenta, embora o material seja abundante e, em alguns casos, habilmente argumentado, não pode ser considerado a voz do Sínodo e ainda menos do Povo de Deus como um todo”.

O texto vai mais longe e enuncia argumentos a favor e contra, identificados nessa documentação, fazendo-o sobretudo para evidenciar “a natureza problemática significativa do tema e a ausência de consenso suficiente”, não deixando de notar que a proposição nº 60 do documento final do Sínodo (sobre a possibilidade do diaconato feminino) foi aquela que mais votos contra (97) recebeu.

A Comissão mostra-se crítica e até depreciativa relativamente à documentação que recebeu de mulheres, dizendo que “muitas descreveram o seu trabalho na Igreja, muitas vezes vivido com grande dedicação, como se fosse um critério suficiente para a ordenação como diácono; outras falaram de um forte ‘sentimento’ de terem sido chamadas, como se fosse prova necessária para garantir à Igreja a validade da sua vocação e exigiram que essa convicção fosse aceite; muitas já exerciam funções diaconais, especialmente em comunidades sem sacerdote, e acreditavam que eram ‘merecedoras’ de receber a ordenação, tendo, de alguma forma, adquirido esse direito; e outras falaram simplesmente de querer a ordenação como um sinal de visibilidade, autoridade, respeito, apoio e, acima de tudo, igualdade”.

Numa direção diferente, durante a última reunião, o grupo foi chamado a pronunciar-se também sobre a seguinte “tese”: “A masculinidade de Cristo e, portanto, a masculinidade daqueles que recebem as ordens sagradas, não é acidental, mas parte integrante da identidade sacramental, preservando a ordem divina da salvação em Cristo. Alterar essa realidade não seria um simples ajuste do ministério, mas uma rutura do significado nupcial da salvação”.

Na votação ocorrida, a “tese” foi confirmada por cinco dos dez membros da Comissão e outros tantos entenderam que ela deveria ser cancelada.

A Comissão discutiu ainda a oportunidade de “ampliar o acesso das mulheres aos ministérios estabelecidos para o serviço à comunidade”. Uma vez que isso já está previsto em pronunciamentos quer de João Paulo II quer de Francisco, caberia agora aos bispos “avaliar quais ministérios adicionais” a introduzir, garantindo assim também “o reconhecimento eclesial adequado do diaconado dos batizados, em particular das mulheres”, especialmente onde elas “ainda sofrem situações de discriminação de gênero”.

“Muitas mulheres católicas se sentirão ofendidas”

Phyllis Zagano, colaboradora regular do 7 Margens, que é investigadora da Universidade Hofstra, em Nova York e integrou a primeira comissão para estudar a questão do diaconato feminino (2016-2018), criada pelo Papa Francisco, disse, com ironia, ao nosso jornal, que o relatório “faz o possível por apresentar o tema sob uma luz negativa, selecionando comentários de relatórios anteriores sem fornecer o contexto completo: ele elimina os nomes e credenciais das pessoas que consideraram o tema, que é ao mesmo tempo histórico, teológico e antropológico”. O relatório, acrescenta, “distorce a tradição ortodoxa de ordenar sacramentalmente mulheres como diáconos, mais recentemente no Zimbábue, em maio de 2024”. E sublinha ainda “a crença essencialmente herética de que as mulheres não podem representar Cristo, reforçada pelo argumento de que, uma vez que as mulheres estão impedidas de receber a ordenação sacerdotal, não podem ser ordenadas como diáconos”. Conclui Zagano que o relatório “não apresenta provas ou argumentos teológicos, apenas a opinião de que são necessários mais estudos: em suma, eles não podem dizer ‘não’, simplesmente não querem dizer ‘sim’.”

Segundo a agência Reuters, o movimento Nós Somos Igreja, da Alemanha, classificou a decisão contra as mulheres diáconos como questionável “teologicamente, antropologicamente e pastoralmente”. Já a Conferência pela Ordenação de Mulheres, com sede nos EUA, criticou a Comissão por não solicitar a contribuição de mais mulheres nas suas discussões e classificou a conclusão do relatório “um insulto profundo e teologicamente doentio”.

O teólogo italiano Andrea Grillo, que tem procurado propor publicamente argumentos a favor da ordenação das mulheres, considerou, no seu blog Come se non, que os autores da síntese dos trabalhos da Comissão pontifícia “parecem estar 60 anos atrasados face ao debate eclesial”, assemelhando-se “mais aos avós de João XXIII do que aos seus netos”.

“Creio ser inevitável que muitas mulheres católicas se sintam ofendidas por um documento tão limitado, que um teólogo, se mantiver o equilíbrio, não pode aceitar em hipótese alguma, exceto como um grave retrocesso no debate teológico e sinodal”, afirmou, em comentário geral.

Grillo foi particularmente sensível à questão apreciada pela Comissão, relativamente à transposição da masculinidade de Cristo para o campo dos ministérios ordenados, relativamente à qual, como se viu atrás, os membros da Comissão se dividiram ao meio.

O teólogo considerou o texto dessa “tese” submetida a votação “uma espécie de caricatura forçada de uma leitura do sexo masculino como a ‘substância’ do sacramento da ordem”.

Partindo daqui para uma apreciação mais geral, Grillo defende que “nenhuma teologia contemporânea sobre o tema foi levada em consideração”, enquanto que, por outro lado, se faz transitar a discussão para “o terreno pacífico dos ministérios estabelecidos, onde permanecemos na ‘zona de conforto’”.

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